E se dissolvêssemos o Exército?
A petulância assombrosa do general Paulo Chagas me perturba.
Quem ele pensa que é para insinuar que o Brasil precisa dos militares no poder? Não bastou a tragédia política, econômica e social que os generais no poder impuseram ao país por mais de duas décadas?
Os militares favelizaram o Brasil ao servirem de babás para os ricos e de carrascos para os pobres.
Foi monstruosa a concentração de renda sob eles, e quando eles bateram em retirada a situação já era completamente insustentável para a ditadura.
Ou saíam pelas próprias pernas ou seriam enxotados, para simplificar.
Ao ler as provocações de Chagas a propósito dos 50 anos do golpe, me veio à cabeça um texto do escritor e jornalista Antônio Callado publicado em novembro de 1964 no finado Correio da Manhã, então um grande jornal.
Callado (1917-1997) enxergou o óbvio: o melhor para o Brasil seria, simplesmente, dissolver o Exército.
Não somos bélicos. Não temos pretensões imperialistas. Para que o custo de manter um Exército?
Quando Callado escreveu, a questão era ainda mais atual. Fazia muito tempo que o Exército se intrometia na vida política, e o golpe de 1964 ainda não completara um ano.
“Devemos procurar na América Latina os meios de nos livrarmos do Exército”, escreveu ele.
Havia dois modelos, segundo Callado. Um era Cuba. Ele cita um autor cubano que conta que foi liquidado em Cuba “o velho Exército mercenário, estruturado e recrutado na base da submissão ao imperialismo, do serviço dos exploradores e da exploração do povo”.
Seus integrantes foram “licenciados ou reformados e pensionados, de acordo com a idade”.
Que tal?
O segundo exemplo oferecido por Callado era a Costa Rica, uma das democracias mais vigorosas do continente.
Em 1948, a Costa Rica dissolveu o “caro Exército” e instalou como única força armada uma polícia de 1600 homens. Callado notava o alto gasto da Costa Rica com educação, em vez de armas.
“Nosso Exército só serve para complicar as coisas”, escreveu ele.
Callado terminou o artigo com uma história reveladora. O “truculento” general Góis Monteiro tivera uma explosão de cólera ao saber que o Brasil, na segunda guerra, decidira ceder bases aos americanos.
Uma pessoa próxima quis saber a razão da indignação do general. Patriotismo, nacionalismo, alguma coisa do gênero?
A resposta era bem mais prosaica.
O general estava positivamente incomodado com a possibilidade de que os soldados americanos comessem as brasileiras. A honra das vaginas nacionais devia ser protegida.
Pausa para rir.
Pronto.
Clap, clap, clap póstumos para Callado.
De pé.
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