terça-feira, 25 de março de 2014

É jogo pesado para tirar a Petrobras de campo     


O caso Pasadena pode ser tudo menos aquilo que alardeia a sofreguidão conservadora. O alvo é: espetar na Petrobras a prova da presença('ineficiente') do Estado na economia.

Saul Leblon                                


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O caso Pasadena pode ser tudo menos aquilo que alardeia a sofreguidão conservadora.


Pode ser o resultado de um ardil inserido em um parecer técnico capcioso. Pode ser fruto de um revés de mercado impossível de ser previsto, decorrente da transição desfavorável da economia mundial; pode ser ainda  –tudo indica que seja--  a evidência ostensiva da necessidade de se repensar um critério mais democrático para o preenchimento de cargos nas diferentes instâncias do aparelho de Estado.

Pode ser um mosaico de  todas essas coisas juntas.

Mas não corrobora justamente aquela que é a mensagem implícita na fuzilaria conservadora nos dias que correm.

Qual seja,  a natureza 'prejudicial' da presença do Estado na luta pelo desenvolvimento do país.

Transformar a história de sucesso da  Petrobras em um desastre de proporções ferroviárias é o passaporte para legitimar a agenda conservadora nas eleições de 2014.

Ou não será exatamente o martelete contra  o ‘anacronismo intervencionista do PT’  que interliga as entrevistas e análises de formuladores e bajuladores das candidaturas Aécio & Campos? (Leia neste blog ‘Quem vai mover as turbinas do Brasil?’)

Pelas características de escala e eficiência, ademais da  esmagadora taxa de êxito que lhe é creditada –- uma das cinco maiores petroleiras do planeta, responsável pela descoberta das maiores reservas  de petróleo do século XXI --  a Petrobras figura como uma costela de pirarucu engasgada na goela do mercadismo local e internacional.

Ao propiciar ao país não apenas a autossuficiência mas a escala de descobertas que encerram o potencial de um salto tecnológico, capaz de contribuir para  o impulso industrializante de que carece o parque fabril do país, a Petrobras reafirma a relevância insubstituível da presença estatal na ordenação da economia brasileira. 

Estamos falando de uma ferramenta da luta pelo desenvolvimento. Não de um conto de fadas.

Há problemas.

A empresa tem arcado com  sacrifícios equivalentes ao seu peso no país.

Há dois anos a Petrobrás vende gasolina e diesel por um  preço 20% inferior ao que paga no mercado mundial.

Tudo indica que a cota de contribuição para mitigar as pressões inflacionárias decorrentes  de choques  externos e  intempéries climáticas tenha chegado ao limite.

Mas  não impediu que a estatal fechasse 2013 como a petroleira que mais investe no mundo: mais de US$ 40 bilhões/ano: o dobro da média mundial do setor.
Ademais, ela é campeã mundial no decisivo quesito da  prospecção de novas reservas.

Os números retrucam o jogral do ‘Brasil que não deu certo’.

O pré-sal já produz  405  mil barris/dia.

Em quatro anos, a Petrobras estará extraindo 1 milhão de barris/dia da Bacia de Campos.

Até 2017, ela vai investir US$ 237 bilhões; 62% em exploração e produção. Em 2020, serão 2,1 milhões de barris/dia.

Praticamente dobrando  para 4 milhões de barris/dia a produção brasileira atual.

O conjunto explica o interesse dos investidores pela petroleira verde-amarela que está sentada sobre uma poupança  bruta formada de 50 bilhões de barris do pré-sal.

Mas pode ser o dobro disso;  os investidores sabem do que se trata e com quem estão falando.

Há duas semanas, ao captar US$ 8,5 bi no mercado internacional, a Petrobrás  obteve oferta de recursos em volume  quase três vezes superior a sua demanda.

O marco regulador do pré-sal --aprovado com a oposição de quem agora agita a bandeira da defesa da estatal–- instituiu o regime de partilha e internalizou o comando de todo o processo tecnológico, logístico, industrial, comercial e financeiro da exploração dessa riqueza.

Todos os contratos assinados nesse âmbito passam a incluir cláusula obrigatória de conteúdo nacional nas compras, da ordem de 50% / 60% , pelo menos.

Esse é o ponto de mutação da riqueza do fundo do mar em prosperidade na terra.

Toda uma cadeia de equipamentos, máquinas, logística, tecnologia e serviços diretamente ligados, e também externos, ao ciclo do petróleo será  alavancada nos próximos anos.

O conjunto pode fazer do Brasil um grande exportador industrial inserido em cadeias globais de suprimento e inovação  – justamente o que falta ao fôlego do seu desenvolvimento no século XXI.

É o oposto do projeto subjacente ao torniquete de manipulação e  engessamento que se forma em torno da empresa nesse momento.

Para a agenda neoliberal não faz diferença  que o Brasil deixe de contar com uma alavanca industrializante detentora das características reunidas pela Petrobrás.

Pode ser até bom.

O peso de um gigante estatal na economia atrapalha a ‘ordem natural das coisas’ inerente à dinâmica dos livres mercados, desabafa a lógica conservadora.

A verdade é que se fosse depender da ‘ordem natural das coisas’ o Brasil seria até hoje um enorme cafezal, sem problemas de congestionamento ou superlotação nos aeroportos, para felicidade de nove entre dez colunistas isentos.

Toda a industrialização pesada brasileira, por exemplo  –que distingue o país como uma das poucas economias em desenvolvimento dotada de capacidade de  abastececimento próprio de máquinas e equipamentos— não teria sido feita.

Ela representou uma típica descontinuidade na ‘ordem natural das coisas’.

A escala e a centralização de capital necessárias a esse salto estrutural da economia não se condensam espontaneamente em um país pobre.

Num  mercado mundial já dominado por grandes corporações monopolistas nessa área e em outras, esse passo, ou melhor, essa ruptura, seria inconcebível sem forte intervenção estatal no processo.

Do mesmo modo, sem um banco de desenvolvimento como o BNDES, demonizado pelo conservadorismo, a indústria e a economia como um todo ficariam comprometidas pela ausência de um sistema financeiro de longo prazo, compatível com projetos de maior fôlego.

Do ponto de vista conservador, o financiamento indutor do Estado, a exemplo do protecionismo tarifário à indústria nascente  -–implícito nas exigências de conteúdo nacional no pré-sal--  apenas semeia distorções de preços e ineficiência no conjunto da economia.

É melhor baixar as tarifas drasticamente; deixar aos mercados a decisão sobre  quem subsistirá e quem perecerá para ceder  lugar às importações.

O corolário dessa visão foi o ciclo de governos do PSDB,  quando se privatizou, desregulou e se reduziu barreiras à entrada e saída de capitais.

A Petrobras resistiu.

Em 1997, até um novo batismo fora providenciado para lubrificar a operação de fatiamento e venda dos seus ativos aos pedaços.

Não deu.

Dez anos depois, em 2007, essa resistência ganharia um fortificante ainda mais indigesto aos estômagos conservadores, com a descoberta e regulação soberana das reservas do pré–sal.

Num certo sentido, a arquitetura de exploração do pré-sal avança um novo degrau na história da industrialização brasileira.

Mais que isso,  esboça um modelo.

Se a empresa privada nacional  não tem escala, nem capacidade tecnológica para suprir as demandas do desenvolvimento, uma estatal pode – como o faz a Petrobras -  instituir prazos e definir garantias de compra que de certa forma  tutelem  a iniciativa privada deficiente.

Dando-lhe encomendas para  se credenciar ao novo ciclo de expansão do país – e até mesmo operar em escala global, inserindo-se nas grandes cadeias da indústria  petroleira.

A outra  alternativa seria bombear  a receita petroleira  diretamente para fora do país, vendendo o óleo bruto.

E renunciar assim aos múltiplos de bilhões de dólares de royalties que vão irrigar o fundo do pré-sal e com ele a educação pública das futuras gerações de crianças e jovens do Brasil. 

Ou  então vazar  impulsos industrializantes para encomendas no exterior , sem expandir polos tecnológicos, sem engatar cadeias de equipamentos, nem elevar  índices de nacionalização em benefício de empregos e receitas locais.

A paralisia  atual da industrialização brasileira  é um problema real que afeta todo o tecido econômico.

Asfixiada durante três décadas pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria brasileira de transformação perdeu elos importantes, em diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.

A atrofia é progressiva.

O PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a indústria da transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas exportações recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 .

O mais preocupante é o recheio disso.

Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores.

Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado, para pior.

É possível interromper essa sangria, com juros subsidiados, incentivos, desonerações, protecionismo e ajuste do câmbio, como está sendo feito pelo governo.

Mas é muito difícil reverter buracos consolidados.

O dinamismo que se perdeu teria que ser substituído por um gigantesco esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em desenvolvimento dificilmente poderia arcar.

Exceto se tivesse em seu horizonte a exploração centralizada e soberana, e o refino correspondente, das maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21.

Esse trunfo avaliza a possibilidade de se colocar a  reindustrialização  como uma resposta política  do Estado brasileiro à crise mundial.

Nada disso  pode ser feito sem a  Petrobras.

Tirá-la do campo em que se decide o futuro do Brasil: esse é o jogo pesado que está em curso no país.

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