50 anos do Golpe
Fardados e
farsantes
A reedição da Marcha pela Família com Deus, neste sábado, tenta escorar-se nas Forças Armadas para ganhar fôlego.
Cynara Menezes

Em março de 1994, no aniversário de 30 anos do golpe, não apareceu ninguém disposto a ressuscitar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apoio fatal dos privilegiados à deposição de João Goulart em 1964. O presidente era Fernando Henrique Cardoso, filho e neto de generais. Em março de 2004, com o operário Lula no comando do País, tampouco as viúvas da “revolução” se ouriçaram. O que explica essa agitação às vésperas dos 50 anos? Seria apenas o peso da efeméride ou o Brasil tornou-se ainda mais reacionário?
Mais do que defender a possibilidade de uma intervenção militar, os oficiais de pijama parecem preocupados em salvaguardar o “legado” da “revolução” contra as “mentiras” disseminadas em seu 50º aniversário. É esse o teor, para citar um caso, do texto divulgado pelo general reformado Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-secretário-geral do Exército, em dezembro do ano passado.
Na revista da Sociedade Militar, outro general reformado, Paulo Chagas, saúda a marcha como “um bom começo” e assume o golpismo. “A debacle da Suprema Corte, desmoralizada por arranjos tortuosos que transformaram criminosos em vítimas da própria Justiça, compromete a crença dos brasileiros nas instituições republicanas e se soma às muitas razões que fazem com que, com frequência e veemência cada vez maior, os generais sejam instados a intervir na vida nacional para dar outro rumo ao movimento que, cristalinamente, está comprometendo o futuro do Brasil. Os militares em reserva se têm somado aos civis que enxergam em uma atitude das Forças Armadas a tábua de salvação para a Pátria ameaçada.”
O Ministério da Defesa admite ser difícil prever o tamanho da reedição da marcha e tem monitorado a movimentação na caserna por meio de conversas com os comandantes das três Forças. Há uma orientação expressa dos chefes militares: os subordinados estão proibidos de tratar do assunto. Segundo apurou CartaCapital, o ministro Celso Amorim não vê motivos para maiores preocupações, pois não há participação de militares da ativa. Amorim tem consciência de que oficiais da reserva não perderão a oportunidade para colocar as mangas de fora, mas entende as críticas nas redes sociais como parte da liberdade de expressão em um país democrático. Ou seja, está garantido aos milicos de pijama um direito que a ditadura suprimiu da vida dos cidadãos.
Se é natural esperar saudosismo em militares aposentados, causa espanto encontrar o mesmo sentimento em civis. Apresentadora dos vídeos que convocam para a manifestação em São Paulo, Cristina Peviani protagonizou uma cena dantesca durante o depoimento da ex-presa política e militante do PCdoB Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, em dezembro passado. Enquanto Amelinha relatava, emocionada, os choques na vagina, seios e outras partes do corpo, as sessões de palmatória e uma tentativa de estupro, Peviani mascava chicletes, ria ruidosamente e lixava as unhas. Só se conteve depois de ser advertida por um agente do fórum.
O mais engraçado: Ferreira assina, em nome das Forças Armadas, um “documento” de apoio à manifestação de muito sucesso nos blogs simpáticos ao militarismo. O advogado também tentou registrar no Tribunal Superior Eleitoral sua candidatura à Presidência da República. A solicitação foi rejeitada pelo fato de a legislação eleitoral não permitir candidaturas avulsas. O TSE privou os eleitores de um pouco de comédia no horário eleitoral gratuito.
Não há muitos registros de movimentos semelhantes ao redor do mundo nos últimos anos. O mais recente aconteceu no Chile há dois anos, justamente durante a Presidência do direitista Sebastián Piñera, que acaba de ceder o posto à socialoista Michelle Bachelet. Em nome da “liberdade de expressão”, Piñera autorizou a realização de uma manifestação em homenagem ao ditador Augusto Pinochet. O centro de Santiago virou uma praça de guerra, embate que não se repetiria no ano passado, quando se completaram 40 anos da morte de Salvador Allende. Em São Paulo, grupos antifascistas agendaram protestos na Praça da Sé para a mesma hora da marcha. Pode haver confusão. Ou pode não acontecer nada, dada a incapacidade atual dos movimentos reacionários em trocar o anonimato covarde e confortável das redes sociais pelos riscos das ruas.
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