sábado, 31 de agosto de 2013

URGENTE! O que precisamos saber   sobre os médicos cubanos

Do AMgóes - Para eventualmente não insistirmos em     sandices, por desinformação política, ranço ideológico chinfrim ou subreptícia má fé que - juro de pés juntos - jamais seria o nosso caso, imagine!                                 

Profundo conhecedor da realidade de Cuba e membro do núcleo de estudos cubanos da Universidade de Brasília, o jornalista Hélio Doyle produziu diversas análises técnicas, e sem ranço ideológico, sobre a importação de 4 mil profissionais pelo governo brasileiro. Os textos foram originalmente cedidos ao 247, agora reproduzidos pelo Correio da Cidadania, e permitem uma maior compreensão sobre um tema que tem gerado tanto debate(Correio da Cidadania).


O que não se diz sobre os médicos cubanos


                                          BLOG DO HÉLIO DOYLE (*)                                               

A grande imprensa brasileira, que nos últimos anos exacerbou, por incompetência e ideologia, a superficialidade que sempre a caracterizou, tem sido coerente ao tratar da vinda de quatro mil médicos cubanos: limita-se a noticiar o fato e reproduzir as críticas das associações corporativas de médicos e dos políticos oposicionistas. Mantém-se fiel à superficialidade que é sua marca, acrescida de forte conteúdo ideológico conservador e de direita. 
                                    
Não conta, por exemplo, que médicos cubanos já trabalharam no Brasil, atendendo a comunidades pobres e distantes nos estados de Tocantins, Roraima e Amapá. Não houve nenhuma reclamação quanto à qualidade desse atendimento e nenhum problema com o conhecimento restrito da língua portuguesa. Os médicos cubanos tiveram de deixar o Brasil por pressão do corporativismo médico brasileiro – liderado por doutores que gostam de trabalhar em clínicas privadas e nas grandes cidades.

A grande imprensa não conta também que há mais de 30 mil médicos cubanos trabalhando em 69 países da América Latina, da África, da Ásia e da Oceania, lidando com pessoas que falam inglês, francês, português e dialetos locais. Só no Haiti, onde a população fala francês e o dialeto creole, há 1.200 médicos cubanos – que sustentam o sistema de saúde daquele país e, como profissionais com alto nível de educação formal, aprendem rapidamente línguas estrangeiras.
              

O professor John Kirk, da Universidade Dalhousie, no Canadá, estudou a participação de equipes de saúde de Cuba em vários países e é dele a frase seguinte: “A contribuição de Cuba, como ocorre agora no Haiti, é o maior segredo do mundo. Eles são pouco mencionados, mesmo fazendo muito do trabalho pesado”. Segredo porque a imprensa internacional – especialmente a estadunidense – não gosta de falar do assunto.

Kirk contesta o argumento de que os médicos cubanos que atendem as comunidades pobres em vários países não são eficientes por não dominar as últimas tecnologias médicas: “A abordagem high-tech para as necessidades de saúde em Londres e Toronto é irrelevante para milhões de pessoas no Terceiro Mundo que estão vivendo na pobreza. É fácil ficar de fora e criticar a qualidade, mas se você está vivendo em algum lugar sem médicos, ficaria feliz quando chegasse algum”.

                                       
O problema dos que contestam a vinda de médicos estrangeiros e, em especial dos cubanos, é que as pessoas que passam anos ou toda a vida sem ver um médico ficarão muito felizes quando receberem a atenção que os corporativistas do Brasil lhes negam e tentam impedir.

Socialismo e Guerra Fria

Duas informações referentes à vinda de médicos cubanos para o Brasil e que podem ser úteis aos que querem ir além do que diz a grande imprensa:

- Cuba é um país socialista e por isso, gostemos ou não, as coisas não funcionam exatamente como em um país capitalista. Como é um país socialista, há a preocupação de manter baixos os índices de desigualdade econômica e social. Por isso nenhuma empresa ou governo estrangeiro contrata trabalhadores cubanos diretamente, em Cuba ou no exterior (nesse caso, quando a contratação é resultado de um acordo entre Estados). Todos são contratados por empresas estatais que recebem do contratante estrangeiro e pagam os salários aos trabalhadores, sem grande discrepância em relação ao que recebem os que trabalham em empresas ou organismos cubanos. Os médicos que trabalham no exterior recebem mais do que os que trabalham em Cuba. Mas, algo como, nem muito que seja um desincentivo aos que ficam, nem tão pouco que não incentive os que saem.

- O governo dos Estados Unidos tem um programa especial para atrair médicos cubanos que trabalham no exterior. Eles são procurados por funcionários estadunidenses e lhes são oferecidas inúmeras vantagens para “desertar”, como visto de entrada, passagem gratuita, permissão de trabalho e dispensa de formalidades para exercer a atividade. Os que atuam na América Latina são os mais procurados e uma condição para serem aceitos no programa é que critiquem o sistema político cubano e digam que os médicos no exterior são oprimidos e mantidos quase como escravos. Os que aceitam as ofertas dos Estados Unidos, os que emigram para outros países ou ficam no país que os recebe depois de terminado o contrato representam cerca de 3% dos efetivos. No Brasil, mantida essa média, pode-se esperar que até 120 dos quatro mil médicos cubanos “desertem”.

Um sistema 'irreal'

A citação a seguir é do New England Journal of Medicine: “O sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso (dos EUA) não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os EUA”.

Menções elogiosas ao sistema de saúde cubano e a seus profissionais são frequentes em publicações especializadas e ditas por autoridades médicas e organizações internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, a Organização Panamericana de Saúde e o Unicef. Mas mesmo assim, querendo negar a realidade, médicos e políticos brasileiros insistem em negar o óbvio, chegando ao absurdo de dizer que nossa população está correndo riscos ao ser atendida pelos cubanos.

Para começar, os indicadores de saúde em Cuba são os melhores da América Latina e estão à frente dos de muitos países desenvolvidos. A mortalidade infantil, por exemplo (4,8 por mil), é menor do que a dos Estados Unidos. Aliás, para os que gostam de dizer que Cuba estava melhor antes da revolução de 1959, naquela época era de 60 por mil. A expectativa de vida dos cubanos é também elevada: 78,8 anos. 

Outro, aliás, quanto aos saudosistas: em 1959, Cuba tinha seis mil médicos, sendo que três mil correram para os Estados Unidos quando viram que não haveria mais lugar para o sistema privado de saúde e que os doutores elitistas e da elite perderiam seus privilégios. Hoje tem 78 mil médicos, um para cada 150 habitantes, uma das melhores médias do mundo. Isso permite a Cuba manter mais de 30 mil médicos no exterior. Desde 1962, médicos cubanos já estiveram trabalhando em 102 países.


Em 2012 formaram-se em Cuba 5.315 médicos cubanos em 25 faculdades públicas e 5.694 estrangeiros, que estudam de graça na Escola Latino-americana de Medicina (Elam). A Elam recebe estudantes de 116 países, inclusive dos Estados Unidos, e já formou 24 mil estrangeiros.

Os médicos cubanos se formam após seis anos de graduação, incluindo um de internato, e mais três ou quatro anos de especialização. Os generalistas, que atendem no sistema Médico da Família (um médico e um enfermeiro para 150 a 200 famílias, e que moram na comunidade que atendem), são preparados para atuar em clínica geral, pediatria, ginecologia-obstetrícia e fazer pequenas cirurgias.

Dos quatro mil médicos que vêm para o Brasil, todos têm especialização em medicina de família, 42% já trabalharam em pelo menos dois países e 84% têm mais de 16 anos de atividade. Grande parte já atuou em países de língua portuguesa, na África e em Timor-Leste. Foi em Timor, a propósito, que ocorreu o fato seguinte: o embaixador estadunidense exigiu do então presidente Xanana Gusmão que expulsasse os médicos cubanos. Xanana perguntou quantos médicos dos Estados Unidos havia no Timor-Leste e quantos o país mandaria para substituir os mais de duzentos cubanos que estavam lá. Diante da resposta, de que havia apenas um, que atendia os diplomatas norte-americanos, e que não viria mais nenhum, Xanana, simplesmente, disse que os cubanos ficariam. E estão lá até hoje. Falando português.

Os limites do corporativismo

1 – Sindicatos de trabalhadores existem para defender os interesses das categorias profissionais que representam. São corporativistas por definição.

2 – É natural que esses interesses conflitem com os de seus empregadores, especialmente em questões ligadas à remuneração e condições de trabalho.

3 – Muitas vezes os interesses de uma categoria batem de frente com interesses de outras categorias, e aí cada sindicato defende seus representados, o que também é natural.

4 – Outras vezes os interesses de uma categoria colidem com interesses do país e da sociedade. Essa é uma questão complicada: quem tem legitimidade para definir os interesses nacionais é a população, que só é consultada quando elege seus governantes e representantes. E esses governantes e representantes têm, muitas vezes, sua legitimidade contestada.

A contradição entre interesses corporativos e interesses nacionais e da sociedade, assim, só pode ser resolvida pelos que têm legitimidade para expressar esses interesses nacionais e da sociedade em seu conjunto.

Nos últimos dias, tivemos três bons exemplos de como os interesses corporativos colidem com os da sociedade. São três causas que podem interessar às categorias profissionais, mas violam a legislação e ferem os direitos humanos e sociais:

- O sindicato dos servidores no Legislativo defendeu que funcionários da Câmara e do Senado recebam remunerações que superam o teto salarial que deve vigorar para todos.

- O sindicato dos aeroviários defendeu a tripulação que criou absurdos e desnecessários constrangimentos a uma criança de três anos e a sua família, por causa de uma doença não infecciosa.

- Os sindicatos de médicos são contra o trabalho de médicos estrangeiros no Brasil, mesmo não havendo médicos brasileiros interessados no trabalho que eles vão fazer.

O corporativismo é inevitável, e os interesses corporativos devem ser discutidos e considerados. Não podem é prevalecer quando contrariam interesses e direitos da sociedade: o teto salarial dos servidores tem de ser respeitado, ninguém pode ser submetido a constrangimentos por causa de uma doença e as pessoas têm o direito de receber assistência médica, seja de um brasileiro ou de um estrangeiro.

Sistema cubano dá “de lavada”

As frases a seguir são de um médico cubano radicado no Brasil desde 2000. Insuspeito, pois abandonou Cuba. Formou-se lá e se especializou em epidemiologia e administração da saúde. Trabalhou por dois anos em Angola e veio para Santa Catarina em um acordo da prefeitura de Irati com o governo de Cuba.

Dois anos depois resolveu ficar no Brasil, onde vive com a mulher e quatro filhos. Critica  
o sistema de pagamento aos médicos, dizendo que ficava com 50% do que era pago pela 
prefeitura. Mesmo tendo “desertado”, não entra na onda dos médicos brasileiros e dos
oposicionistas de direita que atacam a vinda dos cubanos.

O que o médico cubano Alejandro Santiago Benítez Marín, 51 anos, disse ao portal G1: 

Em dois meses, eu já entendia perfeitamente tudo (diferenças culturais, língua). Fazer medicina é igual em todo o lugar, só muda o endereço”.

Eu não sou contra que eles venham, não. Os médicos cubanos são muito bons, nossa medicina é a melhor do mundo. Só não concordo com a forma como o governo quer pagar, repassando o dinheiro para Cuba e Cuba vai decidir a quantia que vai repassar. Isso não tem cabimento(AMgóes: segundo a nova visão 'brasileira' do doutor Marín, é claro).

Há médicos cubanos fazendo um excelente trabalho no Norte e Nordeste. O Conselho Federal de Medicina tem nos ofendido sem necessidade desde o início, chamando-nos de curandeiros, feiticeiros. Eu sou incapaz de ofender um médico brasileiro, mesmo conhecendo médicos brasileiros que cometem erros, a imprensa publica sempre. Tem médico ruim e bom tanto no Brasil quanto em Cuba. Não temos culpa do que está acontecendo no Brasil e que os médicos de fora têm que vir”.

Em Cuba é bem mais fácil o atendimento, não tem esta fila que há hoje no SUS, em que há a demora de três meses para a realização de exames simples, como ultrassonografia ou ressonância. Em Cuba este exame é feito no mesmo dia ou na mesma semana. Esta demora faz o diagnóstico médico ter que esperar”.

O sistema cubano dá ‘de lavada’ no SUS, tanto no atendimento normal quanto de emergência. A nossa especialização é muito boa, tanto que Cuba exporta médicos para mais de 70 países”.

(*) Helio Doyle é jornalista e pesquisador da UnB.



sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Livro diz que FHC “vendeu o país para comprar sua reeleição”          

Eduardo Guimarães                                                     BLOG DA CIDADANIA
**Há mais ou menos duas semanas, fui convocado para uma reunião com a Geração Editorial, que lançou o best-seller “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que vendeu perto de duas centenas de milhar de cópias e que contou os negócios obscuros de José Serra durante a privatização de empresas públicas no governo FHC.
A editora se preparava para lançar outro livro-bomba que ainda não podia ser divulgado porque, sabe-se lá como, o PSDB havia tomado conhecimento dele e estava fazendo ameaças de processar não só a Geração Editorial, mas também o autor da obra que está sendo lançada e que conta como Fernando Henrique Cardoso conseguiu o seu segundo mandato.
O autor de “O Príncipe da Privataria” é o jornalista e escritor Palmério Dória, que já publicara, pela mesma Geração Editorial, o laureado “Honoráveis Bandidos”, que contém as peripécias de José Sarney em seu feudo eleitoral, o Maranhão.
O livro-bomba de Dória esmiúça o escândalo da compra de votos de deputados pelo governo Fernando Henrique Cardoso, ao custo de R$ 200 mil por cabeça, para votarem a favor da emenda constitucional que lhe permitiu se reeleger. O livro traz à luz um personagem que o jornal que denunciou o escândalo – a Folha de São Paulo, através do então repórter Fernando Rodrigues – nominou como “Senhor X”.
Aquela matéria da Folha de 13 de maio de 1997 tornou público fatos que seriam solenemente ignorados por toda a grande imprensa. O jornal O Estado de São Paulo só tocou no assunto uma vez e, ainda assim, para defender FHC. Abaixo, a matéria que contém entrevista do “Senhor X”, quem denunciou todo o esquema a Fernando Rodrigues.
FOLHA DE SÃO PAULO
13 de maio de 1997
Governadores do Acre e Amazonas negociaram pagamento a políticos
FERNANDO RODRIGUES - DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As conversas do deputado Ronivon Santiago sobre a votação da emenda da reeleição foram captadas ao longo de vários meses, em diversas oportunidades. Essas conversas ocorreram todas depois da votação do primeiro turno da emenda, em 28 de janeiro passado. Segundo as gravações em posse da Folha, os governadores do Acre, Orleir Cameli (sem partido), e do Amazonas, Amazonino Mendes (PFL), foram os responsáveis pela compra dos votos de cinco deputados acreanos.
Para não despertar suspeitas, a pessoa que fez as gravações falou sobre assuntos variados. São conversas pessoais, que se arrastam às vezes por cerca de uma hora a respeito de assuntos sem interesse público. Partes das gravações foram condensadas ou suprimidas. Isso foi feito porque a divulgação completa dos diálogos poderia permitir a identificação do interlocutor de Ronivon. A Folha vai preservar o nome do interlocutor de Ronivon. Ele está identificado como “Senhor X”.
A reportagem teve acesso às fitas originais das conversas. As datas e as circunstâncias em que se deram esses diálogos não serão reveladas também para preservar a identidade da pessoa que se dispôs a fazer as gravações. A seguir, a Folha selecionou os trechos mais relevantes. A ordem das declarações é cronológica. Como as conversas ocorreram em dias diferentes, os assuntos muitas vezes se repetem:
O negócio
Neste trecho, Ronivon é indagado sobre um suposto pagamento que o governador do Acre, Orleir Cameli, teria de fazer aos deputados federais do Estado -com alguma ligação a aprovação de projetos no Orçamento federal.
O deputado muda de assunto e diz que recebeu apenas R$ 100 mil “agora para a votação”. No final deste trecho, é possível identificar que “a votação” era a da emenda da reeleição.
Ronivon também explica que recebeu R$ 100 mil em dinheiro. E mais R$ 100 mil lhe seriam pagos por intermédio de uma empreiteira, a CM. Essa empresa teria executado uma obra para o governo do Acre e lhe repassaria R$ 100 mil quando recebesse o pagamento do governador Orleir Cameli:
Senhor X – Ele (Orleir Cameli) não pagou nada daqueles do Orçamento de 94, de 95?
Ronivon Santiago – Não. Ele me deu R$ 100 mil… R$ 100 mil agora para a votação. Deu em cheque e em dinheiro. Me deu um cheque. Aí, depois, me deu dinheiro. Eu devolvi o cheque. Me deu R$ 100 mil, em dinheiro.
Senhor X – Para a votação?
Ronivon – É. Mas, dentro daquele negócio. Aí, eu fui e acertei com ele. Eu digo, olha, faz o seguinte: aí tem uma nota para mim, quando eu receber de 400 e poucos mil de um (trabalho) que a firma fez, que é para poder me reter o meu dinheiro. Mas está lá para pagar e até hoje não pagou esse dinheiro. E esse dinheiro que dá para pagar todos esses pagamentos. Estou aguardando.
Senhor X – Mas, me diga uma coisa. Ele não deu 200 mil para cada um?
Ronivon – Mas eu peguei só 100.
Senhor X – E quem foi que pegou?
Ronivon – Não, todo mundo pegou 200.
Senhor X – Todo mundo pegou 200… pela votação?
Ronivon – E eu peguei 100. Mas eu tinha um assunto meu. Que ele ia me pagar isso aqui. Aí ficou pra CM. Aí, eu, né…? Ficou pra CM, porque a empresa que está lá, pra faturar essa nota, que é para poder me pagar tudo. Aí, ficou dentro os meus outros 100. Tô pra receber, ele vai me pagar…
Senhor X – Orleir chegou a dizer a algumas pessoas lá no Acre que os votos tinham sido pagos…
Ronivon – 200 paus.
Senhor X – 200 paus para cada um?
Ronivon – É.
Senhor X – E você, tirou 200?
Ronivon – Só um. Mas eu tenho… vou receber. Está negociado.
Senhor X – O João Maia também recebeu os 200?
Ronivon – Recebeu.
Senhor X – Os 200?
Ronivon – Todo mundo… Osmir, Zila…
Senhor X – Então quer dizer que, nesse caso, na reeleição, tudo o que se votou, isso? Hein? O Inocêncio não lhe arrumou nada de dinheiro, não?
Ronivon – Não. Inocêncio, não.
O cheque sustado
Neste trecho, o deputado explica que a primeira tentativa do governador Orleir Cameli teria sido pagar em cheque. Depois, houve a troca por dinheiro.
O dinheiro só foi entregue na medida em que os deputados se apresentavam e rasgavam o cheque recebido anteriormente:
Senhor X – E aquele cheque? Foi pago?
Ronivon – Foi. Só que veio em dinheiro.
Senhor X – O cheque não foi descontado, não?
Ronivon – Não. Rasgou.
Senhor X – Você rasgou?
Ronivon – Rasguei. Não só o meu, como o do Osmir, da Zila, de todo mundo.
Senhor X – Eu pensava que naquele episódio da reeleição você tinha arrumado mais…
Ronivon – Não. O que tem de mais aí ficou acertado. Ele ligou na minha frente para fazer a nota de 400 e poucos paus. Está lá, está feito. Está autorizado lá, está tudo prontinho lá. Saiu, aí eu pego. É meu. Então, eu não briguei por uns 100 real porque estou vendo que está embutido. A hora que sair a firma me dá, sem problema nenhum.
Senhor X – Quer dizer que o acerto eram 200?
Ronivon – 200 para todo mundo.
Senhor X – E por que que ele desconfiou daquele cheque que eles deram…?
Ronivon – Não, porque ali foi uma jogada. O Amazonino: “Você é tão infantil, rapaz? Vai dar esse cheque para esse pessoal? Pega um dinheiro e leva”. Aí, ele pegou todo mundo e deu a todo mundo em dinheiro. Eu e com o Orleir, nós fizemos um acerto lá que…
Senhor X – Mas esse cheque não foi dado na véspera da votação?
Ronivon – Mas no outro dia ele deu em dinheiro.
Senhor X – Deu em dinheiro?
Ronivon – De manhã, antes da votação aqui à tarde.
Senhor X – Arrumaram esse dinheiro como, hein?
Ronivon – Sei não. Aí você me enrolou (risos).
As dívidas (1)
Aqui o deputado fala um pouco das suas dívidas bancárias. O assunto é recorrente nas conversas.
Neste trecho, são citados o Banco do Brasil e o Banacre:
Senhor X – Mas, Rôni, aquele episódio da reeleição… Você, de qualquer maneira, diminuiu um pouco o seu sufoco, não diminuiu? Pagou os seus negócios de banco, já?
Ronivon – No Banco do Brasil. Todinho, total, não devo nada. Tenho só R$ 10 mil para o dia 10.
Senhor X – E lá no Banacre? Acertou?
Ronivon – No Banacre eu tenho lá, mandei resumir, dá tudinho dá 132. Eu recebi essa nota, entra, já tá autorizado para descontar. Eu negociei através da nota.
O acerto da empreiteira
Aqui, neste trecho, fica mais evidente que parte do pagamento do voto da reeleição seria por meio de uma empreiteira, a CM:
Senhor X – Mas quer dizer que essa nota faz parte…
Ronivon – Faz parte do acerto da CM.
Senhor X – Da CM e dos 100 que faltou lá do acerto lá da reeleição, é?
Ronivon – É. Eu vou até esperar para receber…
Senhor X – Na semana anterior da votação, já tinha ficado acertado que ia ser R$ 200 mil para cada um?
Ronivon – Levei R$ 100 mil só dele. Só isso. Entregou aqui de manhã. Pro cheque, por aquele cheque.
Senhor X – Quer dizer que os outros R$ 100 mil…
Ronivon – Tá dentro do que eu vou receber ainda.
Senhor X – Os R$ 100 mil do voto?
Ronivon – Na semana que vem. Vem dentro do outro, dos 400 e poucos. É só entrar lá, aí desconta tudo, vou descontar meu negócio do Banacre.
Os interlocutores
Ronivon explica agora que houve muita confusão na negociação dos votos. Os governadores do Acre, Orleir Cameli, e do Amazonas, Amazonino Mendes, tiveram participação ativa na montagem da operação, segundo o deputado:
Senhor X – Esse foi um assunto (reeleição) que foi tratado direto com o Orleir?
Ronivon – O caso é o seguinte. Deixa eu te contar. Houve um rolo do caralho. O Amazonino tinha uma jogada aí, pro lado do governo. Finalmente, apareceu o Amazonino. Você está me entendendo? Amazonino, você sabe que é assim, né? Eu, muito vivo, eu fui na hora da reunião -estava o Osmir, estava a Zila, estava todo mundo- eu disse, olha: Amazonino, eu não sabia que era com você a reunião, pra mim era com o pessoal do governo. Mas, já que é você que vai acertar, eu não tenho acerto nenhum com você. Eu tenho com o Orleir Cameli, porque sou fiel a ele até o final. E aqui, o resto da conversa com o Orleir eu fiquei de fora. E fui embora. Ficou Zila lá… Ele chegou… Aí foi um rolo doido: Zila, Osmir… e eu lá fora.
Senhor X – Agora, aquele cheque…
Ronivon – Para todo mundo.
Senhor X – Se vocês não tivessem trocado o cheque por dinheiro, estariam sem receber até hoje?
Ronivon – Estava. Ah, estava. Tranquilo. Não, mas eu acho que não. O Osmir disse que recebeu. Ele disse que pegou o dele.
Senhor X – E o dele foi quanto?
Ronivon – 200. O meu também foi 200.
Senhor X – E João Maia?
Ronivon – 200. Todo mundo foi 200. Só que eu só peguei 100 porque eu tenho um negócio aí. Eu falei pra ele: eu tenho lá para receber que ele vai me fazer (…) para ele passar com os 100 lá dentro.
Dinheiro de Amazonino
Segundo Ronivon, o dinheiro da compra de seu voto teria sido providenciado pelo governador Amazonino Mendes. Aqui, o seu relato:
Ronivon – Mas aí, deixa eu te contar. Quem deu o dinheiro para ele (Orleir Cameli) lá foi o Amazonino. Ele não trouxe nem dinheiro. O problema é o seguinte: o Amazonino marcou dinheiro para dar 200 para mim, 200 pro João Maia, 200 pra Zila e 200 pro Osmir. Você está me entendendo? Então ele foi e passou pro Almir, tsk, pro Orleir. Só que ele foi… Mas no dia anterior ele parece que precisou dar 100, parece que foi pro Chicão, e só deu 100 pra mim.
Senhor X – Ah, Chicão também pegou?
Ronivon – Peeegouuu! Eu não sei de nada. Pelo amor de Deus. Não sei se foi 200. Eu sei que parece que ele prometeu lá… Eu sei que ele tinha de dar 200 pra Zila, 200 por Osmir, 200 pro João Maia e 200 pra não sei quem, e, no finalmente, ele só me deu 100 porque ele teve de deixar 100…
Cheques rasgados
Neste trecho é relatado o episódio em que os cheques de R$ 200 mil foram devolvidos rasgados em troca de dinheiro vivo:
Senhor X – Mas naquela altura vocês já estavam com o cheque… E o cheque era de quem?
Ronivon – Do Eládio (Cameli, irmão de Orleir). Da firma do Eládio lá no Banco do Amazonas.
Senhor X – Mas, quer dizer que o cheque foi cancelado?
Ronivon – Rasgou.
Senhor X – Rasgaram?
Ronivon – Na hora. Aí, eu sei que eu soube depois, já a posteriori, porque ele não me deu, porque eu cheguei por último. Então, ele foi deu… ele tinha acertado um negócio com o Chicão, parece…
Senhor X – Quer dizer que o Orleir quando veio naquele dia, ele não trouxe o dinheiro?
Ronivon – Ele não tinha, não. Zerado. Não. Ele ligou e mandou chamar o Eládio: “Você vem aqui que eu quero acertar uns negócios aqui (…). Você sabe que eu não posso tirar dinheiro. Não posso fazer isso. Você sabe que lá no Acre é difícil. Vou mandar meu irmão, é pessoal. Vocês vão depositar os cheques de 200 paus e vão retirar. Ou, então, vou mandar o Eládio trocar no dia tal”.
Senhor X – E o Eládio veio com o cheque?
Ronivon – Veio. Aí o Eládio veio com o cheque e voltou.
Senhor X – O Eládio veio de Manaus para cá só para entregar o cheque?
Ronivon – Foi.
Senhor X – Aí, saiu cada um com seu cheque na mão?
Ronivon – Cada um com seu cheque na mão.
Senhor X – Aí, quando foi à noite, disseram: “O cheque não presta”?
Ronivon – É… Aí, de manhã cedo ele ligou pra todo mundo e mandou ir lá. Eu fui o único que não cheguei. E ele já tinha conversado com Chicão às 7h30. Mas aí chegou o Osmir, tava lá com a sacola assim… (risos) João Maia com a outra. Aí o Orleir: “Êpa, melhorou esse negócio!” Aí, ele me chamou lá dentro. “Não, não. Tu leva só esses 100 aqui porque depois eu te dou os 100 dentro daquele acerto que tu tem. Aí eu pago tudo dentro daquele pra você tem por lá. Aí, tô aí. O meu foi assim.
As dívidas (2)
É importante notar que esse valor citado pelo deputado (“196 pau”) não se refere apenas ao Banco do Brasil.
A pergunta do interlocutor inclui o Banco do Brasil, mas Ronivon faz um corte abrupto -isso é perceptível na fita de áudio- para dizer que pagou todas as suas contas:
Senhor X – E João Maia? Pagou também todas as contas?
Ronivon – Não sei. Aí, eu não sei. Eu só fiquei a Caixa um pouquinho.. Ah, eu tô no BRB também, mas é pouquinho.
Senhor X – Mas você pagou, você pagou, o Banco do Brasil…
Ronivon – Numa porrada só.
Senhor X – Logo? Na mesma hora?
Ronivon – Não… Na semana passada… Na semana passada (risos). Sou leso? Não, isso foi tudo na semana passada… Deixei assentar a poeira. Fui lá e negociei. Paguei 196 paus.
Senhor X – 196?
Ronivon – Pau! Os meus cheques sem-fundos tudinho. Eu tive que arrecadar esses cheques tudinho. Paguei, só de cheques aí deu 46 mil de cheques. Em Rio Branco tinha seis.
Senhor X – A reeleição lhe salvou, né?
Ronivon – Ôô!
Senhor X – A reeleição.
Ronivon – Eu me protejo, rapaz…
Os pagamentos
A seguir, mais detalhes sobre os pagamentos pela reeleição e quem seriam os deputados que receberam, segundo Ronivon Santiago.
É curioso que em um trecho anterior Ronivon diz ter sido o único a receber apenas R$ 100 mil. Os outros colegas do Acre teriam embolsado R$ 200 mil. Nesta parte da conversa, entretanto, ele afirma que o deputado João Maia (PFL) também teria recebido só R$ 100 mil:
Senhor X – Na véspera da reeleição… aquele dinheiro que foi chegando lá e seus colegas estavam saindo com ele na sacola, ali tinha R$ 800 mil. Eram R$ 200, R$ 200, R$ 200, R$ 200. E na hora ‘H’ saiu R$ 200, R$ 200, R$ 200, R$ 100 e R$ 100. Você e o João Maia que receberam R$ 100?
Santiago – João Maia só pegou R$ 100 também.
Senhor X – E ele já completou os outros R$ 100?
Ronivon Santiago – O João Maia, não.
Senhor X – Também não?
Santiago – Eu acho que não, não sei. Não perguntei. Só vi o meu… Eu não sei. Eu sei o meu.
**Voltando ao presente, o livro de Palmério Dória traz à luz o “Senhor X”. Trata-se do acreano Narciso Mendes, de 67 anos. Mendes usou um gravador emprestado por Fernando Rodrigues para gravar conversas de deputados federais que foram subornados pelo ministro das Comunicações de FHC, Sergio Motta, para aprovarem emenda constitucional que permitiu a Fernando Henrique Cardoso disputar a própria sucessão, em 1998.
Dória, dono de um estilo literário que prende o leitor da primeira à última página do livro – que este blogueiro já leu, pois recebeu um “boneco” da obra encadernado com espiral em papel tamanho ofício –, define, em uma frase, a verdadeira “grande obra” de FHC: “Vendeu o país para comprar a própria reeleição”.
“O Príncipe da Privataria”, pois, chega às livrarias nesta sexta-feira, 30 de agosto de 2013. Sugiro que você, leitor, corra para buscar o seu porque a primeira edição já está praticamente esgotada e, também, porque o PSDB já promete fazer tudo para censurar um livro que desnuda Fernando Henrique Cardoso dos pés à cabeça.
*
Abaixo, fac-símile da capa de O Príncipe da Privataria
folhacoxinha

Folha repete o Dr. Mentira para atacar “Mais Médicos”. 

é pega em flagrante.


Fernando Brito - 30ago2013                           TIJOLAÇO                                              
A tolice da matéria de ontem da Folha, que a gente apontou aqui, era só uma amostra do péssimo jornalismo que ela resolveu fazer contra o “Mais Médicos”.
Anuncia que as prefeituras vão demitir seus médicos para fazer economia, colocando no lugar um profissional do “Mais Médicos”.
Isso é, sem meias-palavras, mentira.
E a Folha saberia – se é que não sabe – que, ao demitir um médico das suas unidades básicas de saúde, uma prefeitura perde os recursos que o Ministério já paga para que ela lhe custeie o salário, encargos e demais despesas.
Mas a Folha não foi sequer ouvir o Ministério da Saúde antes de abrir manchete.
Pegou boatos recolhidos por três funcionários em Manaus, Fortaleza e Recife, com a ajuda dos CRMs locais – duvido e faço pouco que os repórteres tenham viajado centenas de quilômetros pela selva e pelo sertão-  juntou tudo em São Paulo, bateu no liquidificador e fez uma peça digna de qualquer jornaleco sensacionalista.
A prova da mentira deliberada está aqui, neste vídeo, gravado diante dos repórteres da Folha, no dia 14, onde o ministro Alexandre Padilha explica que as prefeituras que fizerem isso perderão dinheiro, em lugar de ganhar.
                      
A mesma informação pode ser lida aqui, na página do MS.
A Folha não precisava, aliás, nem ter ouvido o Ministério. Bastava que fizesse o que eu fiz, buscar no Google.
Mas não fez e, dessa forma, igualou-se ao espertalhão de Goiânia que quis justificar a sua demissão como uma “invasão dos cubanos”.
Certamente, entre as quase quatro mil prefeituras do país inscritas no “Mais Médicos” haverá demissão de algum profissional. Porque não aparece para trabalhar, porque brigou com alguém, porque, simplesmente, resolveu que não quer mais aquilo. Como acontece com qualquer profissão.
Transformar isso num problema do programa é simples desonestidade e sensacionalismo barato.
Barato, não, caro, porque desqualifica uma iniciativa que é importantíssima para a saúde e a vida de milhões de brasileiros pobres.
Daqui a pouco, estará rodando na internet este “escândalos”, movidos pelas reproduções de “coxinhas” e “anonimous” factóides de classe média, que, além de não terem capacidade de compadecer-se com a situação do povo pobre, não têm capacidade para raciocinar e verificar informações, exatamente como fez a Folha.
Se nesse país houvesse coragem para enfrentar e justiça para proteger a verdade, amanhã a Folha estaria sendo obrigada a publicar um desmentido de primeira página, em letras garrafais como as que usa para mentir.
Mas – e olhe lá – gaguejará “esclarecimentos” amanhã e sua ombudswoman, uma pessoa reconhecidamente gentil, escreverá “ai, que coisa feia, pessoal…”.

Olha a chefe dos cubanos! Uma negra, 

que horror! Mestra em Londres!        


Fernando Brito                                   TIJOLAÇO                                                         


carissa

Um dos muito bobalhões que resolveram brincar de fazer páginas de Anonymous na internet, talvez para que não se lhes descubra a identidade “coxinha” está difundindo como um grande “escândalo” a matéria de hoje da Folha, onde se alardeia que o “Convênio para importar cubanos foi firmado antes do Mais Médicos”.

O texto é de uma idiotia sem par, que se revela na leitura do nome do tal “documento” ardilosamente firmado: “80º termo de cooperação técnica para desenvolvimento de ações vinculadas ao projeto de acesso da população brasileira à atenção básica em saúde”.
Octogésimo!!!
Portanto, houve 79 antes deles! E é natural, porque a Organização Pan-Americana de Saúde, a mais antiga instituição médica do mundo – foi fundada em 1902, 57 anos antes da revolução cubana, em Washington, EUA! – reúne 49 países das três Américas além de observadores europeus e é órgão internacional mais adequado para intercâmbio de políticas e pessoal médico.
barbTalvez, como o ilustrador da matéria tenha posto uma barba nos bonequinhos que usou para representar os médicos cubanos – nas fotos não vi nenhum barbado até agora -, estejam se confundindo pelo fato de que a diretora-geral da OPAS, Carissa Etienne, é uma negra, por isso possa ser cubana também, não é?
Mas não é, é dominicana, formada na Jamaica e com mestrado em Medicina Tropical em Londres.
Antes de dirigir a Opas, era Subdiretora Geral de Sistemas e Serviços de Saúde da ONU (OMS) em Genebra, na Suíça.
É tudo de um primarismo que só não é maior que a falta de sensibilidade humana, porque sabem que vão atender gente pobre, que não tem, como eles, um médico para recorrer na hora em que precisam.
A matéria adotada pelos Anonymous, sem outra coisa na cabeça que não o capuz e a máscara, fala que “apesar de o contrato já estar valendo no lançamento do Mais Médicos, em julho, o Ministério da Saúde insistiu, na época, que os profissionais brasileiros eram a prioridade do programa”.
E não foram? Só que eles, aliás com o apoio dos CRMs, boicotaram o programa e rebarbaram um salário de 10 mil reais, além de moradia gratuita e mais R$ 20 mil a R$ 30 mil de ajuda de custo para a mudança, quando fossem para o Nordeste ou para a Amazônia, respectivamente.
Entrei na tal página para ver e os comentários são de uma puerilidade digna de descerebrados.
O que o Conselho Federal de Medicina  e os CRM fizeram, infelizmente, vai repercutir duramente sobre todos os médicos brasileiros. Sua insensibilidade, aliás, já deixou os médicos do serviço público, na sua maioria profissionais corretos e lutadores, expostos a serem confundidos com um bando de mercenários, que só enxergam na medicina uma máquina de ganhar dinheiro.

Quem tem medo de mulheres negras

de jaleco branco?                                         


Douglas Belchior                                                   Carta Capital    


292903_341131172634615_1813540357_n

Eu já desde muito nova queria fazer Medicina… só que Medicina é um curso impensável para as pessoas de onde eu venho, para as pessoas como eu sou, negra, mulher, pobre, Capão Redondo. Ninguém sonha ser médico lá. Eu insisti que queria fazer medicina.” – Cintia Santos Cunha


Em seu texto sobre a polêmica dos médicos cubanos no Brasil e a reação de uma jornalista potiguar que escandalizou as redes sociais ao dizer que médicos cubanos pareciam “empregadas domésticas”, e que precisariam ter “postura de médico”, o que não acontecia com os profissionais cubanos, o professor Dennis de Oliveira sintetizou:
“(…) ela expressou claramente o que pensa parte significativa dos segmentos sociais dominantes e médios do Brasil: para eles, negros e negras são tolerados desde que em serviços subalternos. Esta é a “tolerância” racial brasileira.”
Essa mentalidade racista que sempre pressupôs o lugar do negro em nossa sociedade, contaminou milhares de jovens estudantes nas últimas muitas gerações. Isso somado ao descaso com a qualidade da educação pública faz com que, em sua grande maioria, jovens negros e/ou pobres sequer sonhem com universidades ou profissões “diferentes” daquelas nas quais percebem seus iguais.
HERDEIROS DE NINA RODRIGUES
A classe médica (e média) que hoje não se constrange em manifestar seu preconceito racial é herdeira de Nina Rodrigues. Racista confesso, o renomado médico baiano tentava dar cientificidade à sua tese sobre as raças inferiores. Acreditava ele que os negros tinham capacidade mental limitada e uma tendência natural à criminalidade.
No final do século XIX, Nina Rodrigues combatia a miscigenação por acreditar que qualquer mistura poderia degenerar a raça superior branca. Mais ainda, defendia a existência de dois códigos penais: uma para os brancos e outro para as raças inferiores. Esses e outros absurdos podem ser observados em seu livro “As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil’.
399362_342166102548032_1068443305_nA população negra perfaz mais de 50% da população brasileira, mas entre os formados em medicina o percentual foi de 2,66% em 2010. Na USP, por exemplo, são comuns listas de aprovados nos vestibulares mais concorridos sem sequer um único auto-declarado negro, como foi o caso deste ano de 2013. Isso se repete na Bahia, onde mais 70% da população é negra. Simbólica e triste a foto ao lado,que traz a turma de 2011 da Universidade Federal da Bahia.
A DECLARAÇÃO DE CÍNTIA, DO CAPÃO
Cintia Santos Cunha foi uma exceção. E ao a ouvi-la falar, ao perceber a postura de dignidade que todo ser humano pode – se quiser, carregar, independente de sua profissão, é possível entender o porquê de tanta oposição por parte das classes dominantes em relação à presença dos doutores de pele preta: a descoberta de sua mediocridade.
Médicos, imprensa e Conselho Federal de Medicina corporativistas, reacionários, cínicos e racistas, é para vocês a grande lição deixada pela estudante de medicina em CUBA, Cíntia Santos Cunha, que retornou a Ilha para concluir o curso em Fevereiro de 2014.
É do povo que vocês tem medo! E devem mesmo ter medo! Toda sua riqueza não é suficiente para compensar os mais de 500 anos de opressão.
Assistam ao vídeo abaixo e se assustem com a manifestaçãode Cíntia: tocante, sincera e fora do velho contexto a que historicamente estamos habituados no Brasil.