sábado, 12 de abril de 2014

The Guardian: protestos para  manter
privilégios(da minoria conservadora e
racista) na Venezuela                               

Fernando Brito                               
guarimba
Seumas Milne, um dos editores do jornal inglês The Guardian, tem um artigo publicado neste sábado, 12, na Folha de são Paulo, trazendo uma nota dissonante ao que toda a mídia no Brasil vem dizendo sobre as manifestações de rua na Venezuela.
Usar bandanas e montar barricadas – ou ter queixas legítimas – não significa automaticamente que os manifestantes estejam lutando pela democracia e pela justiça social.”, diz Seumas,  aformando que “aquilo que vem sendo retratado como protesto pacífico tem todas as marcas de uma rebelião antidemocrática, eivada de privilégio de classe e racismo”.
Seumas relata o que diz Anacauna Marin,  um ativistas do  barrio (favela) 23 de Janeiro, em Caracas, “historicamente protestos eram uma maneira de os pobres exigirem melhora em suas condições. Mas aqui os ricos estão protestando e os pobres estão trabalhando”.
Vale a pena a leitura:




Venezuela mostra que protesto pode ser uma defesa do privilégio

Seumas Milne    12 de abril de 2014                               
Se já não soubéssemos disso, a disparada nos protestos mundiais dos dois últimos anos ensinou uma vez mais a lição de que protestos de massa podem ter significados sociais e políticos inteiramente diferentes.

Usar bandanas e montar barricadas – ou ter queixas legítimas – não significa automaticamente que os manifestantes estejam lutando pela democracia e pela justiça social.
Nos últimos 12 meses, da Ucrânia à Tailândia, Egito e Venezuela, protestos em larga tiveram por objetivo, em alguns casos com sucesso, a derrubada de governos eleitos.
Em alguns países, as manifestações de massa foram lideradas por organizações da classe trabalhadora, em protesto contra a austeridade e o poder das grandes empresas.
Em outros, a inquietação promovida predominantemente pela classe média serve de alavanca à restauração de elites derrubadas.
Às vezes, na ausência de uma organização política, os protestos podem combinar as duas coisas. Mas não importa quem representem, na TV tendem a parecer iguais.
E as manifestações de rua vêm sendo tão efetivas em mudar governos, nos últimos 25 anos, que as grandes potências mundiais passaram a se envolver pesadamente no negócio do protesto.
Desde a derrubada do governo eleito de Mohammad Mossadegh, no Irã da década de 50, quando a Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana e o serviço secreto britânico MI-6 pagaram manifestantes pelos protestos contra o governo, os Estados Unidos e seus aliados são os líderes nesse campo: promovendo “revoluções coloridas”, bancando ONGs que promovem suas causas e treinando estudantes ativistas, alimentando o protesto nas mídias sociais e denunciando – ou ignorando – as ações violentas da polícia que reprime os protestos, de acordo com as conveniências de cada momento.
E depois de um período em que se vangloriavam de promover a democracia, eles estão voltando aos métodos antidemocráticos.
Um exemplo é a Venezuela, que nos dois últimos meses se viu abalada por protestos contra o governo com o objetivo de derrubar a administração socialista de Nicolas Maduro, eleito presidente no ano passado como sucessor de Hugo Chávez.
A oposição direitista da Venezuela há muito tem problemas com essa história de democracia, tendo sido derrotada em 18 das 19 eleições e referendos realizados desde que Chávez foi eleito pela primeira vez, em 1998 – em um processo eleitoral descrito pelo ex-presidente norte-americano Jimmy Carter como “o melhor do mundo”.
As esperanças da direita cresceram em abril do ano passado quando o candidato presidencial oposicionista foi derrotado por Maduro por margem de apenas 1,5% dos votos. Mas em dezembro, eleições nacionais conferiram 10% de vantagem nas urnas à coalizão chavista.
Assim, no mês seguinte líderes oposicionistas ligados aos Estados Unidos – diversos dos quais envolvidos no fracassado golpe apoiado pelos norte-americanos contra Chávez em 2002 – lançaram uma campanha para derrubar Maduro, apelando aos seus seguidores que “inflamassem as ruas com nossa luta”.
Com inflação alta, uma onda de crimes violentos e escassez de produtos básicos, havia muito com que alimentar a campanha – e os manifestantes responderam ao apelo literalmente.
Há oito semanas, eles vêm queimando universidades, edifícios públicos e estações de ônibus, e até 39 pessoas morreram [já são 40 os mortos].
A despeito das alegações do secretário de estado norte-americano John Kerry de que o governo está travando uma campanha de terror contra seus cidadãos, as provas sugerem que a maioria das vítimas fatais foi causada pela oposição, e entre elas estão oito membros das forças de segurança e três motociclistas decapitados por arames estendidos diante de barricadas.
Quatro simpatizantes da oposição foram mortos pela polícia, e diversos policiais foram detidos por conta disso.
Aquilo que vem sendo retratado como protesto pacífico tem todas as marcas de uma rebelião antidemocrática, eivada de privilégio de classe e racismo.
Formadas esmagadoramente por membros da classe média e confinadas aos bairros brancos e ricos, as manifestações agora se reduziram a atentados com bombas incendiárias e a combates ritualizados com a polícia, enquanto algumas alas da oposição concordaram em dialogar para a paz.
O apoio ao governo continua sólido nas áreas de classe trabalhadora, enquanto isso. Como disse Anacauna Marin, ativistas local no barrio 23 de Janeiro, em Caracas, “historicamente protestos eram uma maneira de os pobres exigirem melhora em suas condições. Mas aqui os ricos estão protestando e os pobres estão trabalhando”.
Não surpreende em nada, portanto, nas circunstâncias, que Maduro considere o que está acontecendo como uma desestabilização patrocinada pelos Estados Unidos, à moda da Ucrânia, como ele me disse. A alegação norte-americana de que essa é uma desculpa “infundada” é absurda.
Há volumosas provas de subversão norte-americana na Venezuela – do golpe de 2002 a cabogramas revelados pelo WikiLeaks que delineiam planos norte-americanos para “penetrar”, “isolar” e “dividir” o governo venezuelano, passando por contribuições financeiras continuadas e generosas a grupos oposicionistas.
Isso não acontece apenas porque a Venezuela controla as maiores reservas mundiais de petróleo, mas porque encabeça a maré progressista que varreu a América Latina na última década: desafiando o domínio norte-americano, recuperando recursos controlados por grandes empresas e redistribuindo a riqueza e o poder.
A despeito de seus atuais problemas econômicos, as realizações da Venezuela revolucionária são indisputáveis.
Desde que retomou o controle de seu petróleo, a Venezuela o vem usando para reduzir a pobreza à metade e a pobreza extrema em 70%, para expandir imensamente o serviço de saúde pública, a habitação, a educação e os direitos da mulher, para aumentar as aposentadorias e o salário mínimo, estabelecer dezenas de milhares de cooperativas e empreendimentos públicos, colocar recursos nas mãos de uma democracia participativa e de base, e bancar programas de saúde e desenvolvimento em toda a América Latina e Caribe.
Assim, não surpreende que os chavistas de Maduro continuem a contar com apoio majoritário. Para sustentá-lo, o governo terá de controlar a escassez e a inflação – e tem os meios para fazê-lo.
Os preços dispararam depois que as autoridades cortaram o fluxo de dólares para o setor privado, que domina as importações e a oferta de alimentos, enquanto boa parte dos produtos de preço controlado são exportados para a Colômbia e outros países para venda a preços muito mais altos.
Um recente relaxamento dos controles de câmbio já teve impacto. Apesar de todos os problemas a economia venezuelana continuou a crescer, e o desemprego e pobreza a cair.
A Venezuela está longe de ser o pandemônio que seus inimigos gostariam. Mas o risco é que, quando os protestos perderem o ímpeto, partes da oposição passem a recorrer à violência para compensar por seus fracassos nas urnas.
A Venezuela e seus aliados progressistas na América Latina importam para o resto do mundo – não porque ofereçam um modelo econômico e político pronto para ser copiado, mas porque demonstraram que existem múltiplas alternativas sociais e econômicas ao sistema neoliberal fracassado que ainda domina o Ocidente e seus aliados.
Os adversários do país esperam que o ímpeto de mudança da região tenha se esgotado com a morte de Chávez.
As recentes eleições da esquerdista Michelle Bachelet, no Chile, e do ex-líder esquerdista Sánchez Cerén, em El Salvador, sugerem que a maré continua a subir. Mas poderosos interesses, nesses países e no exterior, estão determinados a garantir que fracassem – o que significa que novos protestos ao estilo da Venezuela estão por vir.

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