sábado, 26 de abril de 2014

Ex-preso político considera morte de coronel no RJ
 'queima de arquivo'


Paulo Malhães foi assassinado dentro de casa, na Baixada Fluminense. Para Vitória Grabois, Comissão da Verdade fica ameaçada com o crime.

Lilian Quaino  G1/Rio                                                                                 
Cid Benjamin diz que o assassinato de Malhães foi uma "queima de arquivo" (Foto: Reprodução/GloboNews)Cid Benjamin diz que morte de Malhães foi
queima de arquivo (Foto: Reprodução/GloboNews)
morte do coronel reformado do Exército Paulo Malhães, conhecido por sua atuação na ditadura, gerou tensão entre quem luta para revelar a verdade do período de repressão política. O crime ocorre um mês depois de o militar ter admitido à Comissão Nacional da Verdade que participou de torturas e desaparecimentos, inclusive o do ex-deputado Rubens Paiva. Para o jornalista Cid Benjamin, ex-preso político, exilado e autor do livro “Gracias a la vida – Memórias de um militante”, o assassinato foi uma "queima de arquivo".
“Evidentemente estamos diante de uma queima de arquivo. Esse assassinato só reforça a necessidade de que os arquivos da repressão política sejam abertos e de que se passe a limpo tudo o que aconteceu nos porões da ditadura. Sem que isso aconteça estaremos sempre diante de novas ameaças à democracia”, disse Cid.

Victória teme que as investigações da Comissão da Verdade sejam prejudicadas devido ao assassinato. “A morte do coronel é uma ameaça, porque outros torturadores podem ficar acuados para prestar depoimentos e esclarecimentos sobre o que aconteceu na época da ditadura militar. Temos que abrir os arquivos da ditadura o quanto antes”, disse Victória.Presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Victória Grabois considera que o crime demonstra “perigo” para quem investiga a ditadura. “É estarrecedor o que aconteceu. Espero que o Estado brasileiro tome as medidas cabíveis, acione as policiais estadual e Federal para apurarem o que realmente aconteceu. Nós, dos direitos humanos, temos que ficar atentos. Se isso aconteceu com um militar, nós estamos passando por muito perigo”, declarou Victória, que ainda se reuniria com outros representantes do grupo Tortura Nunca Mais para emitir um comunicado oficial.

A Comissão da Verdade de São Paulo manifestou "surpresa e preocupação" com o assassinato e pediu "uma apuração rigorosa e célere dos fatos para que se desvende, o mais rápido possível, a motivação desse crime". Representantes da Comissão Estadual da Verdade do Rio se reúnem à tarde para discutir o fato. Uma nota deve ser enviada à noite.
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, solicitou ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em contato telefônico mantido no início da tarde, que a Polícia Federal acompanhe as investigações da Polícia Civil do Rio.
Morto em casa
Malhães foi morto dentro de casa, no bairro Ipiranga, na área rural de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Segundo a Divisão de Homicídios da Baixada, a casa do coronel de 76 anos foi invadida por volta das 13h desta quinta (24) e, segundo sua mulher, Cristina Batista Malhães, ela e o caseiro teriam sido feitos reféns até as 22h.

Ainda segunda a viúva, que já prestou depoimento, pelo menos três homens participaram da ação, um deles com o rosto coberto. Os criminosos mantiveram as vítimas em cômodos separados e fugiram levando armas que o oficial colecionava. Segundo policiais, os peritos não encontraram marcas de tiros no local, mas a hipótese de que ele tenha sido baleado não foi descartada.
O local não tem câmeras de segurança, de acordo com o delegado Fábio Salvadoretti, que investiga o caso. A mulher e o caseiro não conseguiram reconhecer os criminosos, mas afirmam não ter sofrido violência física. O corpo de Paulo Malhães foi levado para o Instituto Médico Legal de Nova Iguaçu.
O Clube Militar, associação que reúne militares da reserva do Exército, informou que não se pronunciará sobre o caso por não conhecer as circunstâncias da morte do coronel. O chefe de gabinete da presidência da instituição, coronel Figueira Santos, disse que o Clube Militar só irá se manifestar se surgir algum "fato novo". O Comando Militar do Leste, no Rio, também informou que não vai comentar o caso, já que as investigações estão a cargo da Polícia Civil.
Comissão da Verdade
Em março, em dois depoimentos diferentes, um à Comissão Estadual da Verdade do Rio, no dia 21, e outro na Comissão Nacional da Verdade, dia 25, Paulo Malhães deu detalhes sobre torturas e desaparecimento de corpos durante a ditadura. Primeiro, declarou terdesaparecido com o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, morto em 1971. No segundo momento, voltou atrás e afirmou não lembrar se foi ele que executou a ação (no vídeo, veja depoimento de Malhães em reportagem do Jornal Nacional).

“Eu só disse [à imprensa] que fui eu porque eu acho uma história muito triste, quando a família leva 38 anos dizendo que quer saber o paradeiro. Eu não sou sentimental, não, mas tenho as minhas crises”, justificou, na época.
O quarto onde Malhães foi assassinado (Foto:  Luiz Roberto Lima/Extra)
O quarto onde Malhães foi assassinado (Foto: Luiz Roberto Lima/Extra
)

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