quarta-feira, 23 de abril de 2014

Alvos de disputas políticas, dissidentes cubanos acabam morando na rua, em Madri 

Grupo, que chegou à Europa graças a um acordo entre os governos espanhol e cubano, surpreendeu-se com situação de penúria no país que os recebeu e não sabe o que fazer
                          Opera Mundi
Do AMgóes - Liberados pelo governo de Havana, cubanos (na verdade, sutilmente não aceitos nos EUA) deixaram as origens, 'decepcionados' com a 'ditadura dos Castro' e foram se asilar...nas ruas da Espanha, país mergulhado em crise, com 25% de desempregados. Já o governo direitista da Espanha, atropelando o acordo 'humanitário' celebrado com a antiga colônia do Caribe, nem aí para eles...             


Rafael Duque/Opera Mundi
Grupo de cubanos mantém acampamento e protestos contra sua situação em Madri
Eles começaram a chegar em julho de 2010, após um acordo amplamente divulgado entre a Igreja Católica e os governos de Cuba e Espanha. Juntos, formavam um grupo de 115 presos e 782 familiares, liberados pelo governo da ilha caribenha e acolhidos em clima de festa pelo país europeu. Eles contam que chegaram a Madri ouvindo promessas de ajudas estatais, mas, três anos após desembarcarem no aeroporto de Barajas, na capital espanhola, muitos deles se dizem desiludidos e enganados.



Inicialmente, a promessa sempre foi feita de forma verbal. Entregaram-nos um documento chamado BRAO que nem sabemos o que significa a sigla e que carece de assinatura. Além disso, este documento foi entregue compartimentado, ou seja, entregaram duas ou três folhas a uma família, que são diferentes das que entregaram a outras. Verbalmente, o que nos disseram é que teríamos manutenção e alojamento por um ano, prorrogável a cada seis meses, até o máximo de cinco anos”, explica Douglas Faxas, um dos cubanos que mora em uma barraca em frente ao Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação (MAEC) há quase dois anos.

Faxas reclama que o governo dispersou o grupo por todo o território espanhol e que as ajudas chegaram apenas durante um ano para a maioria, ainda que admita que alguns tiveram o auxílio por mais de um ano. O grupo afirma que outros pontos do acordo também não foram levados a cabo, como a homologação de diplomas e a inscrição em cursos profissionalizantes.

À medida que os auxílios financeiros iam acabando, os integrantes do grupo começaram a morar nas casas dos dissidentes que ainda recebiam as ajudas. Com o tempo, o programa acabou e, sem fonte de renda estável, eles se viram obrigados a ocupar apartamentos vazios, buscar ajuda de entidades religiosas e, em muitos casos, morar na rua.

Vieram aqui para nos levar a um centro de acolhida, onde temos que sair às 7h da manhã e entrar às 18h. Os homens separados, em um extremo de Madri, mas temos mulheres e filhos, todos em outro extremo. Nós não viemos aqui para isso. Se eu soubesse que vinha aqui nesta situação, eu simplesmente não traria a minha família, viria sozinho”, afirma Faxas.

Dificuldades da rua

Ele afirma que as condições em que vivem são péssimas, devido ao frio e à falta de dinheiro. “Aqui na rua as condições em que vivemos são desumanas. Não temos atenção sanitária, só em alguns casos que abriram uma certa exceção, mas de forma geral não possuímos acesso ao serviço de saúde. Nenhuma instituição, nem governamental, nem não governamental, nos deu nenhuma resposta concreta”, explica o dissidente enquanto mostra cartas enviadas pelos mais diversos órgãos públicos estatais, nas quais a frase “estamos analisando a sua situação” se repete.

Atualmente, seis pessoas moram na barraca montada em frente ao MAEC, mas há pouco mais de um ano eram mais. “Vieram aqui para levar nossos filhos, porque parece que existe uma lei que proíbe que crianças morem nas ruas. Mas isso deveria ser apenas para pais irresponsáveis, nós estamos aqui por um motivo político”, reclama. Os filhos das famílias que se encontram na praça entraram em um programa de uma entidade religiosa e vivem em quartos alugados enquanto os pais continuarem na rua.

Rafael Duque/Opera Mundi
Imagem do local onde moram os cubanos na capital espanhola

Carlos Rodríguez, que afirma ter sofrido quatro infartos cardíacos durante o tempo em que mora em frente ao MAEC, explica como o grupo consegue comida para sobreviver: “Vamos trabalhar de noite em algum buffet. Eles não nos dão dinheiro mas sim o que sobra na mesa de comidas quentes e que eles não vão utilizar no dia seguinte. Nós ajudamos a limpar, a lavar a louça, qualquer coisa”.

Críticas às críticas

Apesar das reclamações e críticas dos dissidentes, as ONGs que trabalharam com o grupo defendem outra versão em relação às ajudas recebidas. “Nós sempre dizemos que todos os refugiados devem receber o mesmo tratamento e essas pessoas chegaram a receber quase 30 meses de ajudas, enquanto que um refugiado normal recebe no máximo 24”, salienta Estrella Galán, secretária-geral da CEAR (Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado).

Ela afirma que o auxílio foi pactuado com o governo espanhol por meio de um convênio e que a verba destinada a cada dissidente “era muito maior do que recebiam os outros refugiados, o que parecia discriminatório”. Estrella defende que o trabalho das ONGs visa transformar os refugiados em pessoas autônomas e independentes, para que se integrem na sociedade trabalhando.



Uma fonte da Cruz Vermelha espanhola afirmou a Opera Mundi que cada integrante do grupo recebeu um plano de ajuda feito sobre medida, de acordo com as necessidades de cada pessoa ou família. “A todos, fizemos a oferta que estávamos em condições de fazer, não podemos pagar um mestrado de dois milhões de pesetas. As ofertas de emprego que temos foram dadas a todos”, explica esta mesma fonte.

Jogo político

Estrella diz que o atendimento ao grupo foi difícil, mas entende que a situação foi gerada por uma disputa entre os dois principais partidos da Espanha. “Realmente trabalhar com eles foi complicado precisamente porque eles foram uma moeda política para alguns partidos. Nós, nisso, não entramos, mas realmente a integração deles foi dificultada porque eles sentiam que vinham dentro de um programa especializado, com compromissos especiais”, conta.

De fato, a vinda deste grupo foi utilizada como bandeira política tanto pelo PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), que foi o responsável por costurar o acordo e trazer os dissidentes à Espanha, como pelo PP (Partido Popular), que tradicionalmente é um dos maiores defensores da dissidência cubana e que levou alguns integrantes recém-chegados ao Parlamento Europeu para defender a Política Única Europeia em relação à ilha.

Rafael Duque/Opera Mundi

Procurado por Opera Mundi, o MAEC afirmou que “não consta” que exista qualquer documento escrito que descreva o acordo com o governo cubano e que, como o programa de auxílio já terminou, o assunto é de competência do Ministério de Emprego e Previdência Social, que possui um grupo de estudos para resolvê-lo. A reportagem também entrou em contato com o órgão, mas não obteve resposta sobre o trabalho do citado grupo de estudos.

Sem encontrar solução, Faxas afirma que agora a meta é sair do país: “queremos ser reassentados nos Estados Unidos ou em qualquer outro país que nos ofereça um emprego”. Enquanto isso não ocorre, ele diz que o grupo seguirá acampado em frente ao ministério por opção própria. Já a Cruz Vermelha diz que o grupo pode se candidatar a outros programas de ajudas e que, para todos, “as portas sempre estarão abertas”.

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