Agronegócio
A especulação com os preços dos alimentos
Uma boa forma de fugir dessa armadilha é consultar como andam oferta, consumo e estoques finais dos produtos agropecuários
Rui Daher
Agência Brasil
Grãos, algodão, soja e outras oleaginosas, além do complexo de carnes,
são previstos passarem com estoques finais superiores aos verificados
nas duas últimas safras
Ufa! A coluna neste site de CartaCapital completou um ano. O sítio cresceu, ganhou ótimos escrevinhadores, e eu fui ficando mais escondidinho (olha aí, Marcio Alemão, comida das boas).
A dificuldade de sempre: encontrar temas agropecuários que interessem o leitorado não ligado à atividade.
Quando amplio para o agronegócio, vem a reação irada dos que acreditam ainda precisarmos de reforma agrária. Quando escrevo de direitos campesinos, indígenas ou ambientais, ruralistas confederados me rotulam urbanoide que nunca pegou na enxada. Assim navego.
Andam a culpar os alimentos pela persistência da inflação no Brasil. Nada de estranho. Campanhas políticas trazem opiniões eleitoreiras.
Em seu regozijo crônico pelo pior, esta a manchete principal da Folha de São Paulo na quarta-feira 9: “Alimento dispara e inflação chega a 6,15% em 12 meses”.
Se já era alto o volume das trombetas nas folhas e telas cotidianas, a notícia preocupará ainda mais os olhares de William e Patrícia, no Jornal Nacional, e fará a festa do interior se espalhar entre espadas de fogo, travadas por analistas que desejam mudar-se para o Planalto e aqueles que lá pretendem ficar.
Interessante na Folha é, logo abaixo da manchete bombástica, um gráfico mostrar que, nos últimos doze meses, os preços dos alimentos foram apenas o quinto maior aumento porcentual, abaixo de despesas pessoais, educação, habitação e artigos de residência.
É que no estômago dói mais, certo? Outro exagero é anunciar o apocalipse comparando o salto em dois meses subsequentes. Mais sazonal do que isso só mesmo árvore de Natal.
Fato é que o papo do chuchu, com Simonsen, e dos tomates, na época da Revolta das Cantinas, pegou. Vem aí a Páscoa. O bacalhau que se prepare.
Tentam fazer-nos perder o sono em situações conjunturais movidas a clima e sazonalidade. Pouco importa os traseiros em cada lado da gangorra, ricos ou pobres.
A seca impactou os preços de alguns produtos? É claro. Como sempre o faz e teria feito com outros produtos caso houvesse chovido a cântaros.
Mais do que nos preços dos alimentos ou na excitação do consumo, a inflação atual tem origem nas expectativas criadas pela conflagração governo x capital privado. Pra isso não existe juro alto que cure nem mentira que perdure.
O raciocínio dentro de qualquer organização produtora, mercantil ou de serviços é simples. Se tudo irá piorar, os preços de matérias-primas, tarifas e atacado explodirão em breve, o baixo crescimento não permitirá aumentos de escala, o governo tem viés estatizante, taxas de juros e gastos públicos são crescentes, políticos viajam nas asas confortáveis e módicas de jatinhos alheios, sobra apenas um recurso: aumentar os preços e proteger as margens futuras.
E a competitividade, perguntará o empedernido fã da mão invisível do mercado? Calma. A tesouraria já está autorizada a manter um pé grande nas aplicações financeiras (vide índices recentes na Bovespa).
Se não funcionar, tá cheio de economistas mais ortodoxos do que o Patriarca de Constantinopla sugerindo voltar ao velho hábito de cortar empregos em nome da produtividade.
Dito isso, vamos aos alimentos, embora a batata esteja pela hora da morte e o tomate já baixou.
A FAO, que cuida de agricultura e alimentação na ONU, tem sido usada para emprestar seriedade ao pânico nacional.
De forma equivocada. As altas na cesta de alimentos (carnes, laticínios, cereais, óleos vegetais e açúcar), em fevereiro e março deste ano, foram pontuais e, até aqui, apenas fizeram voltar os patamares de um ano atrás.
A própria organização reconhece nessas altas situações episódicas e já superadas de clima e crise política (Ucrânia).
Na outra ponta da gangorra, Brasil e Argentina estão despejando altas produções no mercado, e o Hemisfério Norte prevê crescimento do plantio, para a safra 2014/15.
Não esqueçamos, também, que além do aspecto eleitoral nesta Federação de Corporações, os povos produtores, corretores e comerciantes opinam de olho em suas posições vendedoras ou compradoras.
Daí o distinto público brasileiro se ver, frequentemente, ameaçado por murchos grãos de café, canas afogadas na hora da colheita e bois ruminando terra, pois o pasto acabou.
Uma boa forma de fugir das armadilhas da especulação com os preços dos alimentos é consultar como andam oferta, consumo e estoques finais dos produtos agropecuários.
Sugiro o relatório do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), “Estimativa da Oferta e Demanda Agrícola Mundial” (WASDE, na sigla em inglês), que acaba de sair do forno (09/04).
Para a coisa não ir mais longe, resumo: grãos (trigo, milho, arroz, e os demais com pouco consumo no Brasil), algodão, soja e outras oleaginosas, além do complexo de carnes, são previstos passarem com estoques finais superiores aos verificados nas duas últimas safras.
Estoques mais altos e preços explodindo? Então tá...
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