sexta-feira, 11 de abril de 2014

A Globo não é mais a 'fera indomável' que, face a interesses cartoriais país a fora, produziu pernicioso 'Brasil de     audiência' desde a Ditadura                     


Do AMgóes - Vale a pena  rememorar matéria postada, em setembro/2013, pelo CONVERSA AFIADA, sobre a vitoriosa 'Ley de Medios' implantada na Argentina e sua correlação com a libertinagem da mídia  brasileira(também de gênese golpista), ainda  flanando livre, leve a solta, face ao engavetamento, pelo governo, do anteprojeto regulatório de nossos  veículos de comunicação de masssa.                      
O governo da presidente Cristina Kirchner acabou, por exemplo, com a farra do        
grupo Clarín (dono da 'Globo' de lá)  em relação ao futebol. A televisão pública adquiriu os direitos de transmissão do campeonato nacional, os jogos voltaram a horários compatíveis com os hábitos da população e não(como aqui) de acordo com os interesses da programação da TV.                                                                                                   

Publicado em 30/10/2013

COMO A LEY DE MEDIOS ENQUADRA

A GLOBO ARGENTINA


Globo de lá não pode ter mais de 35% da audience.
A Suprema Corte argentina reconheceu nessa terça-feira (29) a constitucionalidade de 4 artigos que eram contestados na Ley de Medios, aprovada pelo Congresso em 2009. 

Sobre o assunto, Paulo Henrique Amorim entrevistou, por telefone, o professor Laurindo Lalo Leal Filho, da ECA-USP. 

Segue a íntegra da entrevista, em áudio e texto:

PHA: Lalo, qual é a consequência dessa decisão na Argentina?
Laurindo Leal: Ela representa, não só para a Argentina, mas para toda a América Latina, um passo que eu considero gigantesco na luta pela democratização da comunicação. 

E não só para comunicação. Porque uma decisão como essa reverbera na democracia de todos os países.  

Eu considero a Ley de Medios argentina como a lei mais avançada do mundo. Ela foi feita por acadêmicos e políticos argentinos com base nas legislações mais modernas e democráticas do mundo. 

A lei tem em todos os seus artigos uma remissão para dizer de onde ele (o artigo) foi tirado, quais são as referências, para deixar os artigos mais claros para a população. 

Eu acho que ela vai provocar – aliás, já está provocando, porque ela está em vigor há quatro anos, só quatro artigos não estavam, e foram considerados hoje constitucionais – ela está mudando o panorama audiovisual da Argentina. 

É impressionante o número de emissoras e o número de produções que foram criadas nesses quatro anos. 

Ela (a lei) é uma referência para a América Latina e, eu espero, Paulo, que seja uma referência política para o Brasil, que fica cada vez mais atrás dos países vizinhos. 


PHA: Quais são esses quatro artigos que foram considerados hoje constitucionais, e que com isso, tornam agora a lei toda constitucional?
Leal: O primeiro deles torna as concessões intransferíveis. 

É bom frisar para o nosso ouvinte e para o nosso leitor que a lei é de audiovisual: ela trata apenas dos meios eletrônicos – não tem nada a ver com mídia impressa. 

O primeiro artigo que foi hoje considerado constitucional trata das transferências de concessão. 

As concessões são intransferíveis. Não pode ocorrer, como ocorre aqui no Brasil, de o empresário receber a concessão e, um tempo depois, vender como se ele fosse o dono. 

Isso ocorria na Argentina, e a lei agora proíbe. O Clarín contestou esse artigo e o Supremo entendeu que ele é constitucional – esse é o primeiro artigo, o 41. 

O artigo 45 é o que limita o número de concessões. 

É pra acabar com a farra, porque o Clarín possuía 240 licenças de TV a cabo pela Argentina – portanto, é para acabar com o monopólio.

Agora há um limite de frequência para cada grupo empresarial e há um limite na abrangência da audiência. 

A audiência (potencial, nacional) não pode ser superior a 35% da população. 

Então, é um limite no número de licenças e na abrangência dessas licenças. 



PHA: Só para deixar claro então: por esse artigo 45 existe um limite na audiência que aquele canal atinge?
Leal: Exatamente. Há um limite de mercado para que não haja monopólio, para que outras vozes possam ser ouvidas em um mesmo mercado.


PHA: Qual seria o terceiro artigo?
Leal: É o 48, que descarta a figura do ”direito adquirido” para as empresas que tem um número maior de licenças do que o previsto na lei.

A lei estipula um limite para as concessões, mas o Clarín argumentava que ele tinha “direito adquirido” sobre as licenças que ele tinha antes da lei.

O artigo 48 descarta essa figura do “direito adquirido”. Portanto, o Clarín tem que devolver as licenças – esse é o grande problema contra o qual eles se debatiam – para o órgão regulador. 
PHA: E ai, então, refazer a licitação?
Leal: Claro. Devolve ao órgão regulador, ele vai colocar essas licenças em licitação e, obviamente, aqueles que já tem o número limite não vão poder participar da concorrência. É para abrir espaço para que novos grupos possam participar daquele mercado. 

O artigo 161, que ainda provoca alguma dúvida, é aquele que dava prazo de um ano para as empresas se adaptarem à lei. 

O Supremo considerou esse artigo constitucional. A dúvida que fica é se esse prazo começa a ser contado da aprovação da lei – portanto há quatro anos – ou se a partir de agora. 

Essa é uma dúvida que permanece e que deve ser esclarecida nos próximos dias. 


PHA: Pelo próprio Supremo, imagino.Leal: Sim, pelo próprio Supremo. 

Então, na pior das hipóteses, esses grupos terão um ano para se adequar à nova lei, se o Supremo considerar o prazo a partir de hoje. Se não, eles vão ter que se adequar imediatamente, porque a lei foi aprovada em 2009.


PHA: O que significa isso para o Clarín?
Leal: Para o Clarín, empresarialmente, as ações já mostraram a resposta econômica e empresarial. 

As ações do Clarín já caíram muito hoje [as ações do grupo caíram 5,7%. Para evitar que o valor das ações continuasse a cair, a Bolsa de Buenos Aires interrompeu no meio da tarde a negociação dos papéis do grupo.]

O Grupo Clarín terá a partir de agora – e nos próximos anos -  suas ideias, seus valores que são veiculados para a sociedade argentina confrontadas com outros grupos que ocuparão as concessões que o Clarín ocupa agora. 


PHA: Como você compararia – levando em consideração o mercado da Argentina e levando em consideração o mercado do Brasil – Clarín e Globo?
Leal: O Clarín tem, no caso das concessões de TV a cabo, uma abrangência maior que a Globo. 

Mas, do ponto de vista político, eles são grupos semelhantes. 

Porque se nós fôssemos levar em consideração as ramificações que a Globo tem através de suas afiliadas por todo o país, no frigir dos ovos, ela passa a ter a mesma dimensão de cobertura nacional que o Clarín na Argentina. 

São empresas semelhantes que se repetem por toda a América Latina, porque os processos históricos de ocupação do espectro são semelhantes.


PHA: A gente tem que levar em consideração, se me permite, Lalo, que na Argentina a disseminação do cabo é muito maior que no Brasil. Por isso, a cobertura do Clarín é muito maior. 
Leal: É verdade, no cabo. 

PHA: E o Clarín também tem, como a Globo, jornal, rádio e uma série de outros produtos de comunicação.
Leal: É verdade, mas a Ley de Medios não toca nisso. A Ley de Medios é exclusivamente para regular o mercado audiovisual, rádio e televisão.

PHA: Sobre esse projeto, que é o mais recente e talvez o mais sofisticado, do Fórum Nacional de Democratização da Mídia, que pretende se tornar um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, quais são as semelhanças dele com a Ley de Medios da Argentina?
Leal: Olha, eu não tenho aqui em mãos esse projeto. Mas, acredito,que ele é mas abrangente que a Ley de Medios argentina. 

Porque ele trata também da internet, da comunicação pública. Me parece, que a proposta brasileira, para essa lei popular, é mais abrangente que a lei argentina. 


PHA: Você comentou que o Brasil está atrás de outros países da América Latina. Quem mais tem legislação parecida com a Ley de Medios?
Leal: O Brasil está atrasado com relação à Europa e aos EUA em mais de 80 anos, porque eles tem órgãos de regulação e leis, você sabe bem disso. 

E está ficando para trás também com relação aos seus vizinhos latino-americanos. 

Além da Argentina, tem o Uruguai, que aprovou uma Ley de Medios semelhante à da Argentina. 

O Equador, que depois de uma longa batalha, que durou mais de quatro anos, aprovou sua Ley de Medios. 

A Venezuela, que, desde 2004 tem a sua Ley Resort – que é excelente, as pessoas precisavam estudá-la. Não tem nada a ver com ”ditadura de Chávez”, tem a ver com democratização dos meios de comunicação. 

A lei inclusive discute questões subjetivas, questões de conteúdo, de uma forma muito objetiva, não estabelecendo qualquer tipo de censura, mas tratando dos horários de exibição. 

Há muitas experiências positivas na América Latina que nós nem chegamos a conhecer. 

Outra coisa, Paulo, que eu gostaria de registrar, é a minha tristeza com relação à universidade brasileira. 

A Ley de Medios argentina foi gestada na universidade, depois nos sindicatos, e colocada em debate nas ruas.  

A universidade brasileira tem uma dificuldade muito grande em se aproximar dessa discussão, não contribui. Nós estamos muito atrás dos nossos hermanos, nossos vizinhos. 



PHA: O acadêmico brasileiro sonha em aparecer na Globo, Lalo…
Leal: Claro… e nas Páginas Amarelas (da Veja).


Em tempo: 
Conversa Afiada reproduz artigo de Miro Borges:

LEY DE MEDIOS APAVORA A GLOBO


Por Altamiro Borges

A Suprema Corte da Argentina declarou nesta terça-feira (29) a constitucionalidade de quatro artigos da “Ley de Medios” que eram contestados pelo Grupo Clarín. Com esta decisão histórica, o governo de Cristina Kirchner poderá finalmente prosseguir com a aplicação integral da nova legislação, considerada uma das mais avançadas do mundo no processo de democratização da comunicação. A decisão representa um duríssimo golpe nos monopólios midiáticos não apenas na vizinha Argentina. Tanto que a TV Globo dedicou vários minutos do seu Jornal Nacional para atacar a nova lei.

Pelas regras agora aprovadas pela Suprema Corte, os grupos monopolistas do setor serão obrigados a vender parte dos seus ativos com o objetivo expresso de “evitar a concentração da mídia” na Argentina. O império mais atingido é o do Clarín, maior holding multimídia do país, que terá de ceder, transferir ou vender de 150 a 200 outorgas de rádio e televisão, além dos edifícios e equipamentos onde estão as suas emissoras. A batalha pela constitucionalidade dos quatro artigos durou quatro anos e agitou a sociedade argentina. O Clarín – que cresceu durante a ditadura militar – agora não tem mais como apelar.

O discurso raivoso da TV Globo e de outros impérios midiáticos do Brasil e do mundo é de que a Ley de Medios é autoritária e fere a liberdade de expressão. Basta uma leitura honesta dos 166 artigos da nova lei para demonstrar exatamente o contrário. O próprio Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La Rue, já reconheceu que a nova legislação é uma das mais avançadas do planeta e visa garantir exatamente a verdadeira liberdade de expressão, que não se confunde com a liberdade dos monopólios midiáticos.

Aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional e sancionada pela presidenta Cristina Kirchner em outubro de 2009, a nova lei substitui o decreto-lei da ditadura militar. Seu processo de elaboração envolveu vários setores da sociedade – academia, sindicatos, movimentos sociais e empresários. Após a primeira versão, ela recebeu mais de duzentas emendas parlamentares. No processo de pressão que agitou a Argentina, milhares de pessoas saíram às ruas para exigir a democratização dos meios de comunicação. A passeata final em Buenos Aires contou com mais de 50 mil participantes.

Em breve será lançado um livro organizado pelo professor Venício Lima que apresenta a tradução na íntegra da Ley de Medios, além dos relatórios Leveson (Reino Unido) e da União Europeia sobre o tema. A obra é uma iniciativa conjunta das fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois e do Centro de Estudos Barão de Itararé e visa ajudar na reflexão sobre este assunto estratégico no Brasil – hoje a “vanguarda do atraso” no enfrentamento da ditadura midiática. Reproduzo abaixo os quatro artigos agora declarados constitucionais pela Suprema Corte. A tradução é de Eugênio Rezende de Carvalho:

*****

ARTIGO 41. – Transferência das concessões. As autorizações e concessões de serviços de comunicação audiovisual são intransferíveis.

Excepcionalmente, será autorizada a transferência de ações ou cotas das concessões assim que tenham transcorrido cinco (5) anos do prazo de concessão e quando tal operação seja necessária para a continuidade do serviço, respeitando a manutenção, pelos titulares de origem, de mais de cinquenta por cento (50%) do capital subscrito ou por subscrever, e que este represente mais de cinquenta por cento (50%) da vontade social. Tal transferência estará sujeita à análise prévia da autoridade de execução, que deverá expedir parecer fundamentado sobre a autorização ou a rejeição do pedido de transferência, tendo em vista o cumprimento dos requisitos solicitados para sua adjudicação e a manutenção das condições que a motivaram.

A realização de transferências sem a correspondente e prévia aprovação será punida com o vencimento de pleno direito da concessão adjudicada e será nula, de nulidade absoluta.

Pessoas de existência jurídica sem fins lucrativos. As licenças concedidas a prestadores de gestão privada, sem fins lucrativos, são intransferíveis.

(…)

ARTIGO 45. – Multiplicidade de concessões. A fim de garantir os princípios da diversidade, pluralidade e respeito pelo que é local, ficam estabelecidas limitações à concentração de concessões.

Nesse sentido, uma pessoa de existência física ou jurídica poderá ser titular ou ter participação em sociedades titulares de concessões de serviços de radiodifusão, de acordo com os seguintes limites:

No âmbito nacional:

a) Uma (1) concessão de serviços de comunicação audiovisual sobre suporte de satélite. A titularidade de uma concessão de serviços de comunicação audiovisual via satélite por assinatura exclui a possibilidade de titularidade de qualquer outro tipo de concessão de serviços de comunicação audiovisual;

b) Até dez (10) concessões de serviços de comunicação audiovisual mais a titularidade do registro de um sinal de conteúdo, quando se trate de serviços de radiodifusão sonora, de radiodifusão televisiva aberta e de radiodifusão televisiva por assinatura com uso de espectro radioelétrico;

c) Até vinte e quatro (24) concessões, sem prejuízo das obrigações decorrentes de cada concessão outorgada, quando se trate de concessões para a exploração de serviços de radiodifusão por assinatura com vínculo físico em diferentes localidades. A autoridade de execução determinará os alcances territoriais e de população das concessões.

A multiplicidade de concessões – em nível nacional e para todos os serviços -, em nenhuma hipótese, poderá implicar na possibilidade de se prestar serviços a mais de trinta e cinco por cento (35%) do total nacional de habitantes ou de assinantes dos serviços referidos neste artigo, conforme o caso.

No âmbito local:

a) Até uma (1) concessão de radiodifusão sonora por modulação de amplitude (AM);

b) Uma (1) concessão de radiodifusão sonora por modulação de frequência (FM) ou até duas (2) concessões quando existam mais de oito (8) concessões na área primária do serviço;

c) Até uma (1) concessão de radiodifusão televisiva por assinatura, sempre que o solicitante não seja titular de uma concessão de televisão aberta;

d) Até uma (1) concessão de radiodifusão televisiva aberta sempre que o solicitante não seja titular de uma concessão de televisão por assinatura;

Em nenhuma hipótese, a soma do total das concessões outorgadas na mesma área primária de serviço ou o conjunto delas que se sobreponham de modo majoritário, poderá exceder a quantidade de três (3) concessões.

Sinais:

A titularidade de registros de sinais deverá se conformar às seguintes regras:

a) Para os prestadores designados no item 1, subitem “b”, será permitida a titularidade do registro de um (1) sinal de serviços audiovisuais;

b) Os prestadores de serviços de televisão por assinatura não poderão ser titulares de registro de sinais, com exceção de sinal de geração própria.

Quando o titular de um serviço solicite a adjudicação de outra concessão na mesma área ou em uma área adjacente com ampla superposição, ela não poderá ser concedida se o serviço solicitado utilizar uma única frequência disponível na referida zona.

(…)

ARTIGO 48. – Práticas de concentração indevida. Antes da adjudicação de concessões ou da autorização para a cessão de ações ou cotas, deverá ser verificada a existência de vínculos societários que revelem processos de integração vertical ou horizontal de atividades ligadas, ou não, à comunicação social.

O regime de multiplicidade de concessões previsto nesta lei não poderá ser invocado como direito adquirido frente às normas gerais que, em matéria de desregulamentação, desmonopolização ou de defesa da concorrência, sejam estabelecidas pela presente lei ou que venham a ser estabelecidas no futuro.

Considera-se incompatível a titularidade de concessões de distintas classes de serviços entre si quando não cumpram os limites estabelecidos nos artigos 45, 46 e complementares.

(…)

ARTIGO 161. – Adequação. Os titulares de concessões dos serviços e registros regulados por esta lei, que até o momento de sua sanção não reúnam ou não cumpram os requisitos previstos por ela; ou as pessoas jurídicas que, no momento de entrada em vigor desta lei sejam titulares de uma quantidade maior de concessões, ou com uma composição societária diferente da permitida, deverão ajustar-se às disposições da presente lei num prazo não maior do que um (1) ano, desde que a autoridade de execução estabeleça os mecanismos de transição. Vencido tal prazo, serão aplicáveis as medidas que correspondam ao descumprimento, em cada caso.

Apenas para efeito da adequação prevista neste artigo, será permitida a transferência de concessões. Será aplicável o disposto pelo último parágrafo do Artigo 41.
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