O vale-tudo da direita
pelo impeachment
de Dilma
Por qual critério uma contribuição a Aécio é considerada legal, enquanto uma feita à Dilma, menor, é tipificada como propina?
Jeferson Miola(*) - original na Carta Maior
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Por qual critério uma contribuição a Aécio é considerada legal, enquanto uma feita à Dilma, menor, é tipificada como propina?
O risco de regressão jurídica e democrática representa um retrocesso da democracia brasileira. Assistimos ao atentado reiterado ao devido processo legal nascido com as revoluções modernas oitocentistas, que poderá retroceder o país para o regime inquisitorial – uma viagem ao obscurantismo da Idade Média.
Na sexta-feira (26), a OAB, máxima instância da advocacia brasileira, em nota oficial instou o Conselho Nacional do Ministério Público a se posicionar “sobre a inconstitucionalidade da determinação de prisão provisória com intuito de obtenção de delação premiada”.
Na nota, a OAB sublinha que “a todos é devido um julgamento justo, respeitando-se o devido processo legal e as demais garantias constitucionais, como a presunção da inocência e a utilização apenas de provas obtidas por meios lícitos. A defesa é tão importante quanto a acusação. Todos os fatos devem ser investigados com profundidade, denunciados com fundamentação, defendidos com altivez e julgados com isenção e imparcialidade”.
A entidade alerta, ainda, que “O descumprimento das garantias constitucionais pode determinar a anulação de investigações e processos, ..., não interessando à sociedade desfechos dessa natureza em procedimentos que envolvam denúncias de malversação de recursos públicos”.
No sábado, a advogada da Odebrecht disse em entrevista ao Globo que está “estudando como fazer uma denúncia até internacional [contra o Juiz Sergio Moro] pela violação de direitos humanos dos meus clientes. O que está acontecendo é muito grave”.
A corrupção é como um câncer, doença que requer prevenção para não acontecer e que, quando instalada num organismo, deve ser radicalmente extirpada. Com a corrupção não se transige, seja em relação aos corruptos – os agentes públicos, autoridades políticas e dirigentes partidários de qualquer partido político –; seja em relação aos corruptores – que são, em regra, as pessoas com posses ou com poder de corromper.
No combate à corrupção a justiça deve valer para todos, indistintamente. Mas, como apregoava Salvador Allende, “Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos”.
Se comprovado que qualquer petista praticou desvios e crimes, mesmo que alegadamente “em nome coletivo” – e, portanto, não em nome individual de cada um dos mais de um milhão e quinhentos mil filiados que não foram consultados sobre as escolhas dele –, este petista deve responder pelos desvios e crimes cometidos.
O ex-tesoureiro João Vaccari é o petista mais visado no momento. Como não se conhecem as bases materiais que comprovam as acusações contra ele, não se pode condená-lo antecipadamente. Mas, como tampouco se conhece a “caverna escura” em que se converteu a tesouraria do PT, aplaudí-lo é um gesto temerário de solidariedade.
É cada vez mais urgente a separação do mundo da política do mundo do dinheiro e dos negócios, que acaba sendo, no fundo, das negociatas. Lamentavelmente muitas pessoas estão na política somente porque a política é uma maneira de fazer negócio. Os deputados, que são os principais beneficiários desta mistura indecente entre dinheiro e política, comprovaram que jamais farão a reforma política para extirpar este câncer que abala a democracia brasileira.
O que está em andamento no Brasil é mais que o combate à corrupção, mas o uso instrumental e seletivo dela com o objetivo de destruir o PT perante o imaginário social. Uma tentativa de “destruição semiótica” do PT enquanto utopia societária de esquerda.
Neste final de semana foi montada nova orquestração político-jurídico-midiática com a seleção de trechos da delação premiada do corruptor Ricardo Pessoa para vincular o financiamento da campanha da presidente Dilma com a Operação Lava Jato e, assim, reforçar o clima de impeachment.
O empreiteiro corruptor confessou ter repassado dinheiro para políticos de diversos partidos, inclusive para Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB; para Júlio Delgado, do PSB; para Gim Argelo e Fernando Collor, do PTB; e de outros partidos.
Apesar disso, o noticiário incrimina o PT, e dá por válidas as explicações dos receptores não-petistas de dinheiro. As contribuições financeiras das empresas implicadas na Lava Jato para políticos do PSDB, PTB, PSB, DEM são “legais e oficiais”, ao passo que quando feitas a políticos do PT pelos mesmos caixas das empresas, são propinas!
Escondem ainda a informação de que Aécio recebeu 8,7 milhões de reais da UTC na última eleição, enquanto Dilma recebeu 7,5 milhões de reais. Por qual critério a contribuição a Aécio é considerada legal, enquanto a feita à Dilma, 1,2 milhões a menos, é tipificada como propina? Pelo critério exclusivo de se tratar do PT – fenômeno semelhante à atmosfera de ódio e intolerância vivida pelos judeus perseguidos pelo nazi-fascismo nos anos 1920 e 1930 na Alemanha: “olha um judeu, mata o judeu”.
Com a ânsia de derrotar o governo e o PT a qualquer preço, a narrativa político-midiática converte mentiras em “verdades absolutas”, mistifica a realidade e atropela as Leis e a Constituição.
Enquanto o governo se regozija com o “sonho ingênuo” da autonomia e independência do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, setores dessas instituições aparelham e partidarizam o Estado, instrumentalizando-as em sintonia com a estratégia oposicionista e da luta política contra o governo e o PT.
A manifestação da OAB vale como um alento de resistência jurídica e democrática tão necessária neste momento de risco de retrocesso. E é também um estímulo para que seja feita a conclamação das instituições, setores, movimentos, intelectuais e partidos democráticos do país em defesa da democracia e da justiça, valores ameaçados nesta etapa de hiperpolarização do confronto ideológico que tem como pano de fundo o golpe do impeachment.
*Jeferson Miola, é integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea).
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