O jornal eletrônico Notícias do Dia, de Santa Catarina, publica hoje uma entrevista com o jornalista e escritor Fernando Morais que é ótima leitura para quem pensa em comunicação – o que cada vez somos todos – e trabalha com ela profissionalmente.
Dela – embora seja toda ótima e lúcida, tratando de política e relações internacionais – extraí os trechos que falam disso.e do filme Chatô, baseado em seu livro biográfico sobre o primeiro grande “chefão” da mídia no Brasil , finalmente concluído.
E diz, sem “meia-conversa”:
“É preciso deixar claro, sobretudo para o pessoal mais jovem, para não alimentar falsas ilusões e esperanças, imprensa está a serviço dos interesses e da ideologia de quem paga as contas”.
Abaixo, trechos, mas recomendo fortemente que a leiam na íntegra, aqui.
Notícias do Dia: O tema da sua palestra é “Os rumos do jornalismo, a crise da mídia tradicional e credibilidade em tempos de redes sociais”. Como enxerga esse panorama?
Fernando Morais: Essa revolução que está acontecendo nas comunicações não tem paralelo, é uma transformação infinitamente mais profunda do que a gente viveu do rádio para a televisão nos anos 1950. Essa geração que está pintando vai ser, ao mesmo tempo, a coveira e a parteira… Os jornais estão emagrecendo cada dia mais e acho que a televisão também já está sendo vitimada pela revolução da internet. Isso está se processando com uma velocidade fora do comum, e essa geração precisa se preparar para isso. Não é que o jornalismo está acabando, ele está sofrendo uma mutação profunda. Isso tem vantagens enormes, que é uma quebra dos monopólios sem dar um tiro e sem expropriar o jornal de ninguém. Se você estiver dando informação correta, precisa e inédita, vai aparecer gente para anunciar, porque você vai estar falando para uma quantidade grande de pessoas. Por outro lado, tem a desvantagem que a pessoa pode jogar na internet toda bobagem que passa na cabeça dela, inclusive mentiras. Tenho a impressão que vai haver uma seleção darwiniana nos meios de comunicação da internet, que vai demorar, e da qual vão sobreviver os que tiveram credibilidade.
ND: Isso terá implicações na prática, no ofício, do jornalismo?
FM: Vai trazer implicações saudáveis. Essa transformação vai obrigar o sujeito a pesquisar melhor se ele quiser estar no jogo, quiser disputar espaço, porque é o universo. Não é mais Floripa, Belo Horizonte ou São Paulo. É o universo. Você escreve em Floripa e é lido em Tóquio, em Hong Kong. No fundo, aí vai uma certa abstração… O que é que faz uma pessoa escrever bem, saber escrever? Em primeiro lugar é ler. Você só aprende a escrever lendo. Essa transformação também vai passar a exigir mais dos jornalistas, inclusive porque está deixando de existir um certo filtro entre o repórter e o leitor, que é o miolo da redação, que é o copydesk, o editor… Vai exigir mais dos profissionais, porque só vão ficar os que tiverem credibilidade. Quando a televisão veio para o Brasil, quem é que fez televisão? As pessoas que faziam rádio. Elas continuaram, durante muito tempo, como uma adaptação do rádio. Agora, poucas pessoas já perceberam que a internet não é a transposição do jornalismo impresso para o eletrônico. Internet é muito mais imagem. Um exemplo disso foi o assassinato do [Muammar al]Gaddafi, linchado publicamente. Ali em volta, estavam pessoas com celulares na mão filmando tudo e, minutos depois, aquilo estava no planeta inteiro. No dia seguinte, não tinha nenhum jornal do mundo que desse uma informação melhor do que a que você viu com os seus olhos. A imprensa convencional já não consegue mais acompanhar a internet.
ND: Como é escrever um relato jornalístico, equilibrando as informações com um texto mais próximo à literatura?
FM: Eu procuro dar aos meus livros um tratamento literário, mas que não é ficcional. É uma elegância. Você vê que o parágrafo está feio, escreve de novo. Isso te toma tempo, mas permite que você faça uma coisa detalhada. Por que sou tão detalhista? Quero que o camarada que esteja lendo um livro meu se sinta na cena. Pode até não ser relevante, mas acho que você transforma o texto numa coisa mais sedutora. ::
ND: Você tem equipe de apoio durante a pesquisa e apuração do tema de um livro?
FM: Varia de livro para livro. No caso do Chatô… O Chatô era um personagem, primeiro com uma vida muito longa, e segundo com a memória muito fragmentada pelo mundo. Não só pelo Brasil inteiro, porque ele tinha veículos em todos os lugares, de Santa Maria até a fronteira com a Guiana. Ele tinha jornal, rádio e televisão, foi político, embaixador, deu um colar de água marinha para a rainha da Inglaterra, encheu Londres de faixas em português, no dia da coroação: “Senhor Bonfim da Bahia, salve a rainha”… Se eu fosse fazer as 200 e tantas entrevistas pessoalmente, eu, provavelmente, estaria até hoje fazendo entrevista. Quando estou diante de uma situação como essa do Châteaubriant, eu procuro pegar pesquisadores, em geral jovens jornalistas e historiadores. Não tenho equipe, eu contrato os profissionais pelo salário de mercado. Você pode ver nesses livros maiores, a lista de agradecimentos é interminável. O ideal seria que o autor fizesse tudo, até porque chega determinado momento do trabalho que você detém tanta informação, que só você sabe fazer as perguntas. Não adianta pedir para outro fazer, porque a pessoa não tem o arcabouço que o autor já acumulou. Se o cara me diz uma mentira, eu posso dizer “não, não é bem assim”.
ND: E os últimos acontecimentos políticos no Brasil e o papel da imprensa?
FM: A imprensa, com as exceções que a gente conhece, virou um partido político de direita, sem assumir isso. O famoso PIG [Partido da Imprensa Golpista]. O jornal, numa sociedade capitalista, você junta 10 pessoas, compra impressora e papel, contrata jornalistas e faz o jornal para defender suas idéias. Tem uma passagem no Chatô que é muito interessante, quando ele dá uma bronca no Davi Nasser porque ele fez um artigo dando um pau no Juscelino Kubitscheck. O Chatô o chamou e disse: “ô ‘seu’ Davi, – o Chatô chamava todo mundo de senhor – que história é essa do senhor escrever no Cruzeiro um artigo dando porrada no presidente JK?”. Ele disse: “mas doutor Assis, aquela é minha opinião, é uma coluna assinada”. “Se o senhor quer ter opinião, o senhor compre uma revista. Na minha revista, o senhor defende a minha opinião”. É preciso deixar claro, sobretudo para o pessoal mais jovem, para não alimentar falsas ilusões e esperanças, imprensa está a serviço dos interesses e da ideologia de quem paga as contas no final do mês. Isso, em todos os lugares, inclusive em Cuba, na China, nos EUA, no Brasil. Aí vem, de novo, a internet como instrumento alternativo para você fugir dessa armadilha. :: ND Quem foi mais influente na comunicação no Brasil, Châteaubriant ou Roberto Marinho? FM Châteaubriant, sem nenhuma dúvida. Mais importante que os Marinho, que os Civita… A Globo, na verdade, tem repetidoras regionais. O Châteaubriant, não. A outra diferença enorme entre os dois, é que o Roberto Marinho era um homem dos bastidores, de ficar atrás da cortina, um cara extremamente discreto. O Châteaubriant era uma figura escancarada. O que ele pensava, dizia e escrevia, por maior que fosse a barbaridade que ele tivesse na cabeça. Ele tinha um lado, que no Roberto Marinho ficou mais discreto, e nele era mais exposto, que era a chantagem. Ele construiu o maior museu do hemisfério sul (MASP – Museu de Arte de São Paulo) de peixeira na mão, tomando dinheiro de empresário.
ND: O que pensa sobre a regulamentação da mídia?
FM: O fundamental é a regulação dos meios eletrônicos de comunicação, porque jornal, bem ou mal, é propriedade de quem montou. Agora, rádio e televisão são concessões públicas, são propriedade social. Portanto, você não pode fazer daquilo o que der na sua cabeça. Outra coisa, propriedade cruzada: não pode ter. Nos EUA não tem, na Europa não tem… Se você é proprietário de um canal de televisão, você não pode ter jornal, não pode ter rádio. Não é censura. Você tem que estabelecer normas. A Globo não pode pregar golpe de estado, seja contra quem for. Aquilo ali é uma propriedade social, não é dos filhos do Roberto Marinho. Isso precisa ser visto com um pouco mais de responsabilidade pelo governo. Os grandes veículos de comunicação ficam enganando a população dizendo que a regulação da mídia é censura… Não tem nada de censura. Os jornais vão poder continuar escrevendo o que quiserem, mas rádio e televisão têm que se submeter a regras porque não são propriedades particulares. O sinal do rádio e o da televisão são propriedades sociais.
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