O legado do Mensalão,
uma década depois
Paulo Nogueira
Passados dez anos, é possível enxergar com clareza as consequências do Mensalão.
São, numa palavra, terríveis.
O Mensalão é um marco tenebroso no processo de partidarização da Justiça. Se, até ali, havia pelo menos pudor em julgamentos de cunho político, o Mensalão escancarou o caráter ferozmente antipetista e plutocrata da Justiça.
O PT se deu mal com isso, naturalmente. Lideranças suas como Zé Dirceu foram arremessadas aos leões sem que sequer provas fossem consideradas necessárias.
Mas pior ainda ficou a imagem da Justiça, sobretudo o STF, e dentro dele particularmente Joaquim Barbosa. Porque Justiça sem parcialidade simplesmente não é Justiça.
Os juízes do STF deram ao país um espetáculo patético. Inventaram besteiras como a “dosimetria”, pela qual um acusado recebeu pena três vezes maior do que a que recaiu sobre o assassinato serial da Noruega.
Suas falas, pomposas e confusas, não escondiam a pobreza de pensamento.
Um juiz começou um pronunciamento dizendo que não passava dia sem que um novo escândalo eclodisse na imprensa.
Sabe-se hoje quantos “escândalos” foram e são inventados pela imprensa quando se trata de sabotar governos populares.
Foi assim com Getúlio e o “Mar de Lama” de que falava o Corvo, Carlos Lacerda. Foi assim como João Goulart. Foi assim com Lula. E é assim com Dilma.
Na ditadura militar, aquele juiz teria ficado pascaciamente tranquilo ao abrir os jornais e não encontrar escândalo nenhum.
O general Médici, numa frase antológica, afirmou certa vez que era bom, depois de saber dos dramas internacionais, ver o Jornal Nacional porque ali tudo estava lindo no Brasil.
Ninguém de mediana inteligência deve invocar a mídia para falar de roubalheira no Brasil, tantas vezes ela mente, distorce, inventa, amplia ou diminui conforme sua conveniência.
Mas aquele juiz parecia a Velhinha de Taubaté, com fé cega e obtusa nas manchetes de jornais e revistas.
Não foi apenas a Justiça que parou de fingir imparcialidade a partir do Mensalão. O mesmo movimento foi feito pela imprensa.
A Veja foi a primeira grande publicação a abandonar o compromisso com a seriedade em nome de sua cruzada antipetista.
Na edição impressa, o tom foi dado por Diogo Mainardi. Na edição digital, por Reinaldo Azevedo.
Logo Mainardis e Azevedos multiplicaram-se pelas demais empresas jornalísticas.
Nasceu ali um novo tipo de jornalista: aquele de quem se espera que bata incessamente em Lula e no PT.
Não se cobra deles precisão, qualidade, lógica. Nada. Basta atacar o PT e seus expoentes. É o suficiente para serem bem pagos e terem refletores à disposição.
De Sheherazade a Villa, de Augusto Nunes a Sardenberg, de Constantino a Setti, e por aí vai, foram se espalhando pelas publicações vozes que em geral em tom incandescente reproduziam os interesses dos donos das empresas jornalísticas.
Tais interesses, para simplificar, se traduziam e traduzem em atacar o PT e poupar os amigos.
Não é apenas uma questão ideológica. É de dinheiro vivo também.
O governo federal tem, no Brasil, uma massa de recursos que sempre foi mordida sem cerimônia pelos barões da mídia.
Publicidade, empréstimos maternais em bancos oficiais, compras de livros de subsidiárias das empresas jornalísticas – a lista de mamatas é longa.
A dependência dos privilégios enche de pânico os empresários do setor a cada eleição: e se o presidente eleito decide cortar a verba publicitária?
E então o apoio total vai para candidatos como Aécio. Até a moribunda Abril respiraria por mais alguns anos caso Aécio tivesse vencido: os favores oficiais logo apareceriam, em troca de cobertura amiga.
O Mensalão significou, portanto, não apenas uma Justiça partidarizada – mas uma imprensa brutalmente parcial.
Mas o brasileiro é mais resistente do que as pessoas pensam. A aliança entre a Justiça e a mídia desde o Mensalão não levou ao poder, pelas urnas, nenhum conservador.
O povo não é bobo.
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