terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Entre a ameaça de 'mentecaptos' e o
flagrante inusitado que encherá o bolso do patrão
                                  
                                                     Santiago Andrade  

                                 
                                                   Gelson Domingos

Do AMgóes Ao aludir à ameaça de 'mentecaptos', autodeclarados 'esquerdistas', a 'repórteres e não a patrões ou empresas', em seu texto aqui reproduzido nessa segunda-feira, 10 (http://www.amggoes.blogspot.com.br/2014/02/mataram-um-reporter-mataram-um.htmlo jornalista e escritor  Mário Magalhães  se reportou, nas entrelinhas, à recorrente (e necessária)  pressão social sobre os detentores dos meios de produção.

O patronato, com honrosas exceções, mundo afora,  segue faz séculos a lógica da 'servidão', quando não de dissimulada 'escravatura', impondo em suas empresas regimes de trabalho atentatórios aos próprios acordos(coletivos ou individuais) celebrados com seus empregados. É isso que constitui o 'olho do furacão' na luta de classes: a desenfreada ganância pelo poder absoluto, socioeconômico(e político), inclusive  sobre a vida e morte dos demais cidadãos.

A inadmissível distorção, historicamente implementada pelos setores dominantes, tem produzido, através dos tempos, as mais variadas formas de reação dos oprimidos. E todo processo que visa à ruptura, em qualquer sociedade, implica amiúde ações intempestivas, 'fora de esquadro', que, vez por outra, escapam ao controle do bom senso, infringindo os mais comezinhos princípios de civilidade, ao arrepio do arcabouço constitucional. Daí o braço coercitivo da lei, com dispositivos penais destinados a enquadrar eventuais recalcitrantes, subitamente travestidos em predadores do patrimônio público ou  privado e até  homicidas potenciais.

Há, entretanto, nas entrelinhas do delito cometido por um inconsequente 'black bloc', semana passada, aqui no Rio,  a realidade de 'um peso e duas medidas' quanto à abordagem midiática do fato refletido em nosso mais interior sentimento de indignação. Se, ao invés do cinegrafista da Band(atingido pelo petardo ao permanecer no centro de área conflagrada - com certeza no faro de um 'flash' singular -  sem equipamentos de pertinente proteção, por incúria da empresa e  da autoconfiança, vindo a veio a falecer ontem),  a vítima fosse  um dos milhares de passantes que transitam pelo local do conflito, rumo aos trens da SuperVia, na Central do Brasil, a tragédia não repercutiria com tanta intensidade nem ocuparia, dias seguidos, as principais manchetes da imprensa, esvaziando-se, até sair do foco, nos cadernos secundários dos impressos e horários 'menos nobres' da TV e rádio. Até certo ponto anônimos,  por situarem-se atrás das câmeras, fotógrafos e cinegrafistas acabam se transformando em 'figuras públicas 'post-mortem'. E passam, por algum tempo, à condição de 'heróis da liberdade de imprensa'.

Aos donos dos poderosos e conservadores meios de comunicação interessa, prioritariamente, a 'espetacularização' da notícia, garantidora de 'ibope' e, na esteira das pesquisas, de uma recheada grade de anunciantes. Outro cinegrafista da Band, Gelson Domingos, foi ferido mortalmente, em novembro/2011, face a tiro de fuzil disparado por um traficante, na favela Antares, zona oeste carioca, ao se expor para capturar a melhor imagem do 'entrevero' entre bandidos e policiais. DETALHE 1: Gelson usava um colete à prova de balas, insuficiente, contudo, para evitar o efeito do projétil. DETALHE 2: o formato do colete de Gelson não era o mais apropriado, a exemplo dos utilizados pelos repórteres de outros veículos em tais eventos. DETALHE 3: Dois anos depois, com os 'panos quentes' estrategicamente empregados, bem assim a cumplicidade de agentes do poder público e associações corporativas patronais, a morte de Gelson é hoje' página virada' e ninguém fala mais nisso, salvo o reflexo, sem eco, da dor de seus familiares.

Se Santiago Andrade portasse capacete específico, como previsto em tratativas de segurança, o desfecho, provavelmente, seria outro. Ele sofreu laceração na orelha e afundamento do crânio, que seriam minimizados(ou evitados) pelo equipamento, segundo especialistas. Ocorre que  patrões primam via de regra pela 'contenção de custos' e escamoteiam a observância quanto aos requisitos indispensáveis à integridade de seus empregados.

O repórter não é um burocrata entre quatro paredes como, por exemplo,   bancários, servidores públicos e outros similares de atividades laborais internas. No caso de repórteres, cinegrafistas ou fotojornalistas, sua rotina é a busca incessante de fatos e versões, com respectivas imagens captadas no clique do instante decisivo, percalços à parte, daí serem tidos como 'meio loucos' por quem não percebe as injunções 'pétreas' dessas apaixonantes profissões que se completam.

À cata do inusitado de cada dia, com  salários degradantes que os obrigam a jornadas paralelas de 'freelancer', em condições adversas de trabalho, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas acabam atropelando o princípio elementar da autopreservação. Até porque, para seus patrões, o 'show' não pode terminar. Cabe às CIPA e ao próprio sindicato, (também às demais instituições corporativas), a perenidade de sistemático processo de persuasão sobre as normas de segurança. Aliás, isso vale para qualquer contingente de trabalhadores, à mercê da multifacetada conjuntura do (complicado) 'mundo moderno'.

Na realidade, com tantos(e pesados) apetrechos(capacete, colete etc), muitos não se sentem à vontade para exercer  tarefas em que a velocidade na decisão quanto à melhor tomada de cena  é fator primordial na garantia do desejado  flagrante e, por consequência,  a  expectativa de ter reconhecido seu talento e lograr voos mais altos na(estressante, embora muito badalada) ) atividade. E vários deles, por conta desse espírito aventureiro do 'eu me garanto', acabam  abreviando abruptamente seus dias, deletando, na irrecorrível ida sem volta,  projetos acalentados anos a fio  para prover o futuro da própria estrutura familiar. 

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