Entre a ameaça de 'mentecaptos' e o
flagrante inusitado que encherá o bolso do patrão
Santiago Andrade
Gelson Domingos
Do AMgóes - Ao aludir à ameaça de 'mentecaptos', autodeclarados 'esquerdistas', a 'repórteres e não a patrões ou empresas', em seu texto aqui reproduzido nessa segunda-feira, 10 (http://www.amggoes.blogspot.com.br/2014/02/mataram-um-reporter-mataram-um.html) o jornalista e escritor Mário Magalhães se reportou, nas entrelinhas, à recorrente (e necessária) pressão social sobre os detentores dos meios de produção.
Santiago Andrade
Gelson Domingos
Do AMgóes - Ao aludir à ameaça de 'mentecaptos', autodeclarados 'esquerdistas', a 'repórteres e não a patrões ou empresas', em seu texto aqui reproduzido nessa segunda-feira, 10 (http://www.amggoes.blogspot.com.br/2014/02/mataram-um-reporter-mataram-um.html) o jornalista e escritor Mário Magalhães se reportou, nas entrelinhas, à recorrente (e necessária) pressão social sobre os detentores dos meios de produção.
O patronato, com honrosas
exceções, mundo afora, segue faz séculos
a lógica da 'servidão', quando não de dissimulada 'escravatura', impondo em
suas empresas regimes de trabalho atentatórios aos próprios acordos(coletivos
ou individuais) celebrados com seus empregados. É isso que constitui o 'olho do
furacão' na luta de classes: a desenfreada ganância pelo poder absoluto,
socioeconômico(e político), inclusive sobre a vida e morte dos demais cidadãos.
A inadmissível distorção,
historicamente implementada pelos setores dominantes, tem produzido, através
dos tempos, as mais variadas formas de reação dos oprimidos. E todo processo que
visa à ruptura, em qualquer sociedade, implica amiúde ações intempestivas,
'fora de esquadro', que, vez por outra, escapam ao controle do bom senso,
infringindo os mais comezinhos princípios de civilidade, ao arrepio do
arcabouço constitucional. Daí o braço coercitivo da lei, com dispositivos
penais destinados a enquadrar eventuais recalcitrantes, subitamente travestidos em
predadores do patrimônio público ou privado e até homicidas potenciais.
Há, entretanto, nas entrelinhas do delito
cometido por um inconsequente 'black bloc', semana passada, aqui no Rio, a realidade de 'um peso e duas medidas' quanto
à abordagem midiática do fato refletido em nosso mais interior sentimento de
indignação. Se, ao invés do cinegrafista da Band(atingido pelo petardo ao permanecer no centro de área
conflagrada - com certeza no faro de um 'flash' singular - sem equipamentos de
pertinente proteção, por incúria da empresa e da autoconfiança, vindo a veio a falecer ontem), a vítima fosse um
dos milhares de passantes que transitam pelo local do conflito, rumo aos trens
da SuperVia, na Central do Brasil, a tragédia não repercutiria com tanta intensidade nem ocuparia, dias
seguidos, as principais manchetes da imprensa, esvaziando-se, até sair do foco,
nos cadernos secundários dos impressos e horários 'menos nobres' da TV e rádio. Até certo ponto anônimos, por situarem-se atrás das câmeras, fotógrafos e cinegrafistas acabam se transformando em 'figuras públicas 'post-mortem'. E passam, por algum tempo, à condição de 'heróis da liberdade de imprensa'.
Aos donos dos poderosos e conservadores meios de comunicação interessa, prioritariamente, a 'espetacularização' da notícia, garantidora de
'ibope' e, na esteira das pesquisas, de uma recheada grade de anunciantes. Outro cinegrafista da Band, Gelson
Domingos, foi ferido mortalmente, em novembro/2011, face a tiro de fuzil
disparado por um traficante, na favela Antares, zona oeste carioca, ao se expor
para capturar a melhor imagem do 'entrevero' entre bandidos e policiais.
DETALHE 1: Gelson usava um colete à prova de balas, insuficiente, contudo, para
evitar o efeito do projétil. DETALHE 2: o formato do colete de Gelson não era o
mais apropriado, a exemplo dos utilizados pelos repórteres de outros veículos
em tais eventos. DETALHE 3: Dois anos depois, com os 'panos quentes'
estrategicamente empregados, bem assim a cumplicidade de agentes do
poder público e associações corporativas patronais, a morte de Gelson é hoje'
página virada' e ninguém fala mais nisso, salvo o reflexo, sem eco, da dor de
seus familiares.
Se Santiago Andrade portasse
capacete específico, como previsto em tratativas de segurança, o desfecho,
provavelmente, seria outro. Ele sofreu laceração na orelha e afundamento do
crânio, que seriam minimizados(ou evitados) pelo equipamento, segundo
especialistas. Ocorre que patrões primam via de regra pela 'contenção de custos' e escamoteiam a observância quanto aos
requisitos indispensáveis à integridade de seus empregados.
O repórter não é um burocrata
entre quatro paredes como, por exemplo, bancários, servidores públicos e outros
similares de atividades laborais internas. No caso de repórteres, cinegrafistas ou
fotojornalistas, sua rotina é a busca incessante de fatos e versões, com respectivas imagens captadas no clique do
instante decisivo, percalços à parte, daí serem tidos como 'meio loucos' por quem não percebe as injunções 'pétreas' dessas apaixonantes profissões que se completam.
À cata do inusitado de cada dia, com salários degradantes que os obrigam a jornadas paralelas de 'freelancer', em condições adversas de trabalho, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas acabam atropelando o princípio elementar da autopreservação. Até porque, para seus patrões, o 'show' não pode terminar. Cabe às CIPA e ao próprio sindicato, (também às demais instituições corporativas), a perenidade de sistemático processo de persuasão sobre as normas de
segurança. Aliás, isso vale para qualquer contingente de trabalhadores, à mercê da multifacetada conjuntura do (complicado) 'mundo moderno'.
Na realidade, com tantos(e pesados) apetrechos(capacete, colete etc), muitos não se sentem à vontade para exercer tarefas em que a velocidade na decisão quanto à melhor tomada de cena é fator primordial
na garantia do desejado flagrante e, por
consequência, a expectativa de ter reconhecido seu talento e
lograr voos mais altos na(estressante, embora muito badalada) ) atividade. E vários deles, por conta
desse espírito aventureiro do 'eu me garanto', acabam abreviando abruptamente seus dias, deletando, na irrecorrível ida sem volta, projetos
acalentados anos a fio para prover o futuro da própria estrutura familiar.
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