quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Um novo vídeo dos Anonymous sobre os protestos no Brasil finalmente  explica o  que o grupo quer: nada                                 

Kiko Nogueira                      

Saudações, mundo. Nós somos Anonymous
Qualquer cidadão que começasse uma conversa com “saudações, mundo” precisaria de tratamento psiquiátrico. No caso dos Anonymous, é apenas um pouco pior porque, como eles mesmos dizem, não se trata de uma pessoa, mas de uma ideia.
O grupo lançou um novo vídeo explicando as manifestações do ano passado. “Em 2013, o Brasil viveu um momento histórico, em que centenas de milhares de pessoas foram às ruas para reivindicar seus direitos e se posicionar contra situações injustas”, conta o narrador, em inglês, em sua irritante voz de Google Tradutor.
“Em tese, tudo isso é muito bom, não é? Entretanto, temos observado que muitas dessas pessoas que tomaram as ruas não sabiam exatamente pelo que estavam lutando”.
E então você imagina que virá um insight sobre os protestos — ou, no mínimo, sobre as causas que os Anonymous apoiam. Não. O que se segue é uma espécie de confissão blasé de que eles não têm ideia do que estão fazendo nas ruas. Claro que tudo de uma maneira grandiloqüente e pseudomisteriosa.
Para uma coisa, pelo menos, o vídeo serve: esquecer a conversa fiada de que eles se inspiram no ideário de Guy Fawkes, o soldado inglês que tentou explodir o Parlamento durante a “Conspiração da Pólvora” no século XVII.
Ao contrário do que muita gente acredita, a ideia Anonymous não é baseada na história de ‘V’, nem na ideologia de Guy Fawkes. É verdade que, em alguns aspectos, a ideia Anonymous pode assemelhar-se com alguns diálogos presentes no filme, mas não é assistindo ao filme ou lendo as HQ’s que você entenderá a consistência do ideal Anonymous.                                                                                                        
Vocês podem perguntar: ‘por que usam uma máscara?’ Para responder precisamos voltar alguns anos no tempo: apresentamos aqui, para quem ainda não conhece, o Projeto Chanology. Era início do ano de 2008, quando vazou na internet um vídeo de Tom Cruise fazendo declarações sobre a Igreja da Cientologia.                                   
O vídeo se espalhou rapidamente pela rede e a igreja foi igualmente rápida ao censurar o vídeo alegando violar direitos autorais. Bem, é melhor ser cauteloso antes de desrespeitar a liberdade na internet: Anonymous orquestrou uma série de ataques contra sites da Cientologia e trotes aos centros da igreja.                                          
Foi nesse contexto que Anonymous se organizou protestos nas ruas, pela primeira vez! Era uma experiência nova e o alvo tinha um extenso histórico de censura e opressão aqueles que se mostravam publicamente contrários as suas crenças. E foi aí que surgiu a ideia dos manifestantes usarem uma máscara e a escolhida foi a máscara de Guy Fawkes/V. Porque ela representa muito bem a questão de ser Anonymous na internet: todos são iguais, todos podem ser qualquer um, e até mesmo somente um, e todos representam a mesma coisa.”                                                                            
A culpa é de Tom Cruise, portanto. Não há diferença entre o messianismo dos Anonymous e o das, digamos, testemunhas de Jeová (exceto que os primeiros sabem mexer no computador).
Eles querem salvar você, embora você não queira ser salvo. Ademais, ser salvo para quê? O que eles oferecem como proposta?
“Nós somos os 99% da população que se levanta contra a tirania de 1% e estamos nos organizando mundialmente com este objetivo”. É muito pouco para tanto barulho. Eles não são de esquerda e nem de direita. Eles não são anarquistas ou fascistas.
Embora critiquem a “mídia”, as páginas dos Anonymous no Brasil todas reproduzem as mesmas matérias de sempre com os mesmos escândalos de corrupção de sempre. Tudo envelopado naquela auto-importância e soberba.
É apenas mais uma seita. Mascarado por mascarado, o Batman do Leblon é muito mais interessante. Fica lá na dele, apoia um rolezinho, discute com um cineasta, apanha da polícia, volta para casa e vai trabalhar de protético. Ao invés de “saudações, mundo”, dá “bom dia e boa tarde”.
Kiko Nogueira é diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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