sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Pânico sobre deflação mundial

wallerstein crise
Não faz muito tempo, os “especialistas” e os investidores viam os “mercados emergentes” – um eufemismo para China, Índia, Brasil e alguns outros – como salvadores da economia-mundo. Eram eles que iriam sustentar o crescimento e, portanto, a acumulação de capitais, quando os EUA, a União Europeia e o Japão declinavam, em seu papel tradicional de pilastras do sistema capitalista global.

Por isso, é chocante que, nas duas últimas semanas de janeiro, o Wall Street Journal (WSJ)Financial Times (FT), o Main Street, a agência Bloomberg, o New York Times (NYT) e o Fundo Monetário Internacional tenham, todos, soado o alarme sobre o “colapso” destes mesmos mercados emergentes; e que tenham advertido, em especial, sobre a deflação, que poderia ser “contagiosa”. Tive a impressão de que estão em pânico, quase indisfarçável.
Primeiro, algumas palavras sobre deflação. Mercados “calmos” são aqueles em que os preços nominais não caem e sobem devagar. Isso permite aos vendedores e compradores prever, com razoável confiança, quais suas melhores decisões. Os mercados mundiais não estão calmos há bastante tempo. Muitos analistas associam o fim desta calma à crise, em 2008, do mercado de hipotecas norte-americano. De minha parte, vou além. Penso que o declínio começou no período entre 1967 e 73, e não foi interrompido desde então.
Os mercados não estão calmos quando há deflação ou inflação significativas. Estes dois fenômenos têm, ambos, impacto nas estatísticas de emprego e, portanto, na demanda mundial efetiva por todos os tipos de produção. Se os índices de emprego real caem, por uma das duas razões, há sofrimento agudo para a vasta maioria da população e um grande aumento das incertezas, que tende a paralisar novos investimentos produtivos. Isso leva a mais sofrimento e mais paralisia, num círculo vicioso. 
É claro que alguns capitalistas são capazes de tirar proveito da situação, por meio de manipulações financeiras engenhosas, envolvendo especulação. O problema é que estão fazendo uma grande aposta – que pode levar tanto à valorização maciça de seus ativos quanto à falência. Mas, pelo menos, têm uma chance de lucrar muito. Para a maioria da população mundial, o prognóstico provável é perder, às vezes maciçamente.
O que dizem estes relatos de pânico? Michael Arnold pergunta, no WSJ: “A desvalorização das moedas levará os bancos centrais dos mercados emergentes a elevar as taxas de juros?” Ele diz que o desarranjo foi provocado por “estatísticas de crescimento desapontadoras” na China e pela desvalorização da moeda argentina. Arnold adverte, em especial, para a situação da Índia e Indonésia, que têm “alta carga de dívidas e dependência pesada de empréstimos externos – por isso, estão tentando reduzir a inflação. Ele menciona a Turquia como outra zona de problemas.
Hal M. Bundrick enfatiza, no Main Street, o contágio. Ele aponta tanto a mudança na política monetária dos EUA quando as preocupações com a economia chinesa – além das tensões políticas na Turquia, Argentina e Ucrânia – como “aceleradores do declínio”. Cita um banqueiro russo, que fala sobre a queda do rublo e a atmosfera “próxima ao pânico”. Afirma que tal sensação está “se deslocando dos mercados emergentes para os desenvolvidos”.
O título de uma matéria de Gavyn Davies, no FT, é “O mundo emergente descarrilhará a recuperação global?” O autor diz que as moedas emergentes estão “em queda livre”. Também ele vê a desaceleração chinesa como um fator principal, em particular por causar impacto nas “economias abastecedoras” (ou seja, países que vendem produtos primários à China) – em particular Brasil, Rússia e África do Sul. Ele diz que os riscos de uma bolha de crédito não são um problema apenas na China, mas também na Turquia, Índia e Indonésia. Se a redução do crescimento chinês se prolongar muito, ela poderá provocar “ampliação da recessão global”. Embora faça previsões moderadamente otimistas, ele imediatamente recua, ressalvando que suas simulações (que alimentam seu otimismo contido) baseiam-se em padrões antigos, que podem não mais funcionar.
No FT, Ralph Atkins fala no “espectro da deflação”. O fenômeno, mesmo que positivo a curto prazo, é “definitivamente negativo para os ativos”, no longo prazo. Sua preocupação particular dirige-se à zona do euro. Depois de citar argumentos de outros analistas, que veem os aspectos positivos, ele termina dizendo: “o espectro da deflação vestiu seu manto de invisibilidade”.
E ninguém menos que Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, afirmou, aos representantes do Establishment reunidos no Fórum Econômico Mundial, em Davos, que há uma ameaça ao mercado global, quando os Estados Unidos cortam seus estímulos monetários. Existe um “novo risco no horizonte, e ele precisa ser examinado de perto”. Ela cita as “repercussões… nos mercados emergentes”.
Naquele mesma semana, um editorial da agência Bloomberg começava assim: “As economias emergentes viveram uma semana brutal”. O texto vê estes mercados como muito ligados ao dólar e, portanto, “excessivamente sensíveis a flutuações – reais ou imaginárias – na política monetária norte-americana”. Por isso, pede que o FED, banco central dos EUA, “não feche a torneira muito cedo” e (previsivelmente), que os países emergentes “melhorem suas políticas”.
Não menos importante, Lando Thomas informa, no NYT, que a nova palavra da moda em Wall Street, substituindo os BRICS, é “os cinco fracos” [“the Fragile Five”]. A lista inclui três membros dos BRICS (Brasil, Índia e África do Sul) mais Turquia e Indonésia. Exclui tanto a China quanto a Rússia, cujo impacto geopolítico parece pesar decisivamente.
Todos parecem oferecer bons conselhos, certos de que, de alguma maneira, eles irão aliviar a situação. Poucos parecem admitir que a demanda efetiva global é o verdadeiro problema. Mas é nítido que, abaixo da superfície, já o detectaram. É por isso que estão em pânico, porque, então toda sua ênfase no “crescimento” – uma fé crucial – estará minada. Neste caso, a crise deixa de ser cíclica e torna-se estrutural: não pode ser resolvida com paliativos, mas com a invenção de um novo sistema. Esta é a famosa bifurcação, em que há duas saídas possíveis – uma melhor e outra pior que o sistema existente. Um jogo em que todos nós estaremos envolvidos.
(*) Immanuel Wallerstein, 83 anos, nascido em Nova Yo5r, é doutor em Sociologia. . Estudioso do marxismo e crítico do capitalismo global, é uma das principais referências teóricas dos movimentos antiglobalização. É autor, entre outras obras, de "O universalismo europeu" (Boitempo, 2007).
 Publicado originalmente em Agence Globalem 1 de janeiro de 2015. A tradução é de Antonio Martins..

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