Fernando Henrique pirou de vez?
No seu artigo publicado no último domingo, 2, “Mudar, com pé no chão e visão de futuro”, o ex-presidente Fernando Henrique, no afã de tentar motivar a oposição para as próximas eleições – mas com uma visão de passado –, diz coisas sem o pé no chão. A primeira frase é um primor: “As pesquisas eleitorais estão a indicar que os eleitores começam a mostrar cansaço”. Que pesquisas são essas, Fernando Henrique? Aquelas que indicam a possibilidade de Dilma vencer no primeiro turno? Não há certa incongruência na afirmação?
Em seguida, Fernando Henrique refere-se às manifestações de rua de 2013: “A insatisfação estava nas ruas, a despeito das melhorias inegáveis do consumo popular e de alguns avanços na área social”. Entenderam mais essa incongruência? Ele reconhece que o país inegavelmente avançou e diz que, ainda assim, as ruas querem mudanças. Mas isso, Fernando Henrique, não quer dizer que querem voltar atrás, voltar aos tempos do grande atraso social. As ruas querem que o atual governo avance ainda mais – esse é o recado óbvio.
O próprio Fernando Henrique concorda com isso na frase seguinte: “É que a própria dinâmica da mobilidade social e da melhoria de vida, e principalmente o aumento da informação, geram novas disposições anímicas. As pessoas têm novas aspirações e veem criticamente o que antes não percebiam. Começam a desejar melhor qualidade, mais acesso aos bens e serviços e menos desigualdade”. Absoluta verdade. Mais um motivo para não voltar atrás.
Outro motivo foi dado por Fernando Henrique, quando, pela bilionésima vez, tenta provar que as “políticas de distribuição de renda” (em outras palavras, o Bolsa Família!) foram criadas pelos tucanos. Ora, tenha paciência! Criaram mas não fizeram?!? São as ruas que dizem: quem prometeu, e não fez, perdeu a vez.
Mas ele não para. Quando trata da questão da segurança, resolve citar trabalho tucano em São Paulo como exemplo! Vou repetir: resolve citar trabalho tucano em São Paulo como exemplo! Chega a aconselhar “pôr fim, como está fazendo São Paulo, às cadeias em delegacias”. Meu Deus, Fernando Henrique, o governo Garotinho fez isso no Rio em 2000, com as Delegacias Legais! E o governo tucano de São Paulo ainda está longe de chegar a algo parecido com as UPPs do governo Sérgio Cabral!
Quando resolve entrar na área da moradia, o desatino é total: “Por que não mostrar que o festejado programa Minha Casa, Minha Vida tem um desempenho ruim quando se trata de moradias para a camada de trabalhadores também pobres, mas cuja renda ultrapassa a dos menos aquinhoados, teoricamente atendidos pelo programa?” Sabe por que a oposição não pode nem tentar provar isso? Primeiro, porque 1,5 milhão de famílias (com renda até R$ 5 mil por mês) já foram beneficiadas e mais 1,7 milhão de casas e apartamentos estão em construção em todo o país. Segundo, porque quem hoje está na oposição nunca fez nada quando estava na situação. Não lembro de nada que tenha sido feito sobre moradia popular, desde os tempos da ditadura.
Em uma de suas premonições de derrotado, Fernando Henrique divaga: “Talvez a população queira eleger gente com maior capacidade organizacional e técnica, que conheça os nós que apertam o país e saiba como desatá-los”. Na verdade, aí está o nó da questão: ele sonha com o retorno à política neoliberal de seu governo, onde o desemprego não tinha tanta importância, a imensa desigualdade social era preservada com afinco, os juros iam às alturas – enquanto o “mercado”, com seus nós bem frouxos, sorria feliz.
No final, Fernando Henrique diz algo que aplaudo: “Também chegou a hora de uma reforma política e eleitoral. Não dá para governar com 30 partidos, dos quais boa parte não passa de legenda de aluguel”. Fora isso, o que vejo em seu artigo pode ser traduzido por uma de suas frases:
“Ocorre que a realidade existe e que às vezes se produz o que os psicólogos chamam de ‘incongruências cognitivas”.
(*) Hayle Gadelha, do Rio de Janeiro, é publicitário, jornalista e poeta.
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