Do AMGóes - Corruptores e corruptos constam às pencas na história do mundo, desde priscas eras. Há dois mil anos, fariseus de Jerusalém meteram trinta pratas na mochila de Judas Escariotes, que lhes entregou de bandeja o Divino Mestre. Deu no que deu. Muito antes, a libertina serpente, para ‘melar’ a obra do Criador, convenceu Adão a cair de boca na maçã de Eva, subvertendo a paz no Paraíso. Prova de que o crime jamais compensou, o primeiro varão carregou às costas, para sempre, o peso do pecado original no planeta Terra.
Aqui no Brasil, nossas estruturas sociopolíticas nasceram contaminadas por uma tríade perversa - patrimonialismo, clientelismo e coronelismo -, invenção ibérica de dominação, trazida de Portugal. Assim, El-rei de lá implantou entre nós o sistema feudal de sesmarias, favorecendo notórios apaniguados com as capitanias hereditárias. Não deu certo e a corte de Lisboa tratou de criar o governo-geral, a fim de apertar o cerco na arrecadação de impostos e exploração predatória de nossos recursos naturais.
A corja de aristocratas lusitanos, parasitas grudados na jugular dos negociantes da colônia, apenas fiscalizava, arrecadava e consumia. Os gajos nada produziam, exceto a ruína da metrópole. O regime patrimonialista não fazia distinção entre o público e o privado. A relação clientelista ensejava permanente troca de favores e apoio político. Instaurou-se o mando das oligarquias e os cargos oficiais eram objeto de apropriação(indébita). Após a Independência, foi criada a Guarda Nacional, depois que Pedro I se mandou(a fim de não ser despejado) e promovido um festival de patentes de ‘coronel’ para os oligarcas locais, oficializados militarmente, com poder de vida e morte sobre a população.
Instituto originário da ganância e extrema voracidade dos homens('públicos' e 'privados'), a corrupção sempre existiu em toda parte, desde que o mundo é mundo. No Brasil-colônia, o modelo administrativo propiciava a rapinagem geral. Para não perder os dedos, a vassalagem entregava os anéis, barganhando a liberação do osso, como obediente cão-de-guarda. Joaquim Silvério dos Reis, flagrado de calça arriada pelo fisco real, era devedor remisso do famigerado ‘quinto dos infernos’. Para tirar o ‘seu’ da reta, delatou Tiradentes e toda a turma da conjuração de Minas Gerais. Naquele tempo, segunda metade do século XVIII, já era ‘normal’ levar ‘algum’ por fora e os barões das terras ‘lavaram a égua’. O mote, sempre o mesmo: ‘Vosmecê facilite o meu lado, que não vai se arrepender...’ O expediente de ‘molhar a mão’ dos arrecadadores de impostos ensejava o sumiço de processos contra notórios inadimplentes da Coroa. Já naquela época, o artifício da ‘taxa de pressa’ acelerava, com olímpica velocidade, qualquer demanda de interesse dos chefes políticos e seus periféricos.
Herdamos dos portugueses a burocracia cartorial. As repartições públicas, com suas exigências documentais, controlavam a vida dos exauridos contribuintes. Com a República, consolidou-se no balcão oficial a ‘indústria’ do ‘trocado para o cafezinho’, depois com sua variação ‘para a cervejinha’, que ninguém era de ferro. A ‘propina’ foi admitida como instituição nacional, eficaz ‘amolecedora’ de servidores intransigentes na rigorosa observância dos trâmites burocráticos. Nascia, ‘na baixa’, sem alarde, por trás da moita, o proverbial ‘jeitinho brasileiro’. O hábito de ‘levar algum’ nem sequer poupou a rigidez eclesiástica nas igrejas-matrizes e catedrais. Por conta de piedosa ‘espórtula’, oficialmente destinada à redenção dos pecadores, sacristães expediam batistérios para acobertar relações adúlteras de conhecidos benfeitores das obras eclesiais. O generoso ‘óbulo’ extra se sobrepunha(providencialmente) a eventuais vexames que, de repente, poderiam abalar a ‘reputação’ de vetustos cidadãos, tidos como exemplares pais-de-família, na verdade dissimulados garanhões que passavam ‘nas armas’ indefesas e pobres mocinhas do lugar.
Desde antigamente, o ‘homem(ou mulher) da mala’ tem sido o mais desejado personagem a percorrer, sorrateiramente, os corredores e labirintos oficiais. Nos gabinetes de governantes, ministérios e secretarias, assembleias estaduais, câmaras de vereadores e(claro!) no Congresso Nacional, usam-se envelopes dos grandes, malotes e similares, abarrotados de grana firme, a depender do ‘câmbio’ de cada um. No caso de empreiteiras, construtoras de estradas, pontes e edificações públicas, envolvendo propinas milionárias, convencionou-se o salutar depósito na conta de ‘laranjas’, preferencialmente numa agência bancária situada em ‘Deus-me-livre’, para não deixar rastro. No manual da corrupção, capítulo primeiro, a máxima’ de que, por enquanto, só não se dá jeito na morte. Por enquanto. Um dia – quem sabe? , dobraremos o incorruptível ‘anjo’ da própria e ele baterá asas sem consumar o ‘aviso prévio’ que, rotineiramente, é endereçado aos mortais.
(Publicado originariamente em abr/2009)
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