A
mentira dos tri, tetra, penta e(ansiado)
hexa
Publicada originalmente no
Do AMgóes - Você
pode me detonar como ‘empata-aquilo’, pregador de cultura inútil etc e tal.
Reconheço nada mais apaixonante para a galera do que ufanar-se apoplética,
principalmente se houver um argentino por perto, com o ‘todo mundo tenta, mas só o Brasil é penta’. Argumento definitivo para a ensandecida galera,
indiferente a eventuais análises linguísticas fora de hora.
Assim,
toco de primeira para o que interessa: o Brasil não é ‘tri’ nem ‘tetra’ e muito
menos ‘penta’. Somos, corretamente falando, competentes bicampeões, de 1958 e
1962. Nossa ‘grande’ mídia, comprometida até a alma(penada) com os ‘anos de
chumbo’ da Ditadura, produziu a expectativa falaciosa de um ‘tri’, atropelando
as mais elementares regras da linguagem, à base do ‘Pra frente, Brasil!’,
espécie de biombo para encobrir as atrocidades cometidas nos DOI-Codi da vida(e
da morte).
Ilustração do AMgóes
Declaro-me
incorrigível ortodoxo, quando se trata de preservar a lógica dos significados
idiomáticos, que não podemos submeter às vãs manifestações hepáticas de plantão, como ocorreu em 1970. Os acenos
do ‘milagre’ econômico, nos marcos do AI-5, dependiam de reflexos no previsível
‘pão-e-circo’ do futebol, à época mascarado
pelo timaço que foi ao México na perspectiva de nos trazer em definitivo a
’Coup Jules Rimet’.
Quatro
décadas atrás, nós, o Uruguai (1930-1950) e a Itália (1934-1938) éramos
candidatos ao privilégio de levar para casa, sem retorno, o ambicionado troféu
da FIFA, outorga destinada ao primeiro que o fizesse, mesmo alternadamente,
pela terceira vez. Foi o nosso caso, embora, anos depois, sofrêssemos
descomunal vexame com seu misterioso roubo, na sede da CBD, Rio de Janeiro, e
sua provável transformação em pó.
E
o que tem a ver tudo isso com nossos
festejados ‘tri’ de 70, ‘hexa’ de 94 e ‘penta’ de 2002? Compete-me informar ao
‘respeitável público’ que referidos ‘radicais’(bem assim os ‘mono’, ‘bi’,
hepta, octa, enea e deca), de origem grega, designam a pluridade ‘sequencial’
semântica de um mesmo registro substantivo, necessariamente ‘consecutivo’, sem
interrupção. São os tais ‘prefixos
matemáticos’. E como repete aquele comentarista na TV, ‘a regra é clara’.
“Assunto
para a Academia de Letras!”, dirá você, entediado com este súbito corte em seu
desvairado tesão de torcedor verde-amarelo, babando pelo ansiado ‘hexa’, que nos escapara na fatídica arrumada de meia
do Roberto Carlos em 2006, e escanteado pelo ‘chega pra lá’ holandês de 2010. A
onda agora é, com a reprise da ‘família
Scolari’, ganhar geral em solo pátrio e correr para o abraço em alucinante
finalíssima no Rio, sem essa de ‘maracanazzo’ uruguaio, que não cola mais. O midiático, quão falacioso, ‘hexa’ estará solenemente consumado e o resto
é resto.
Apropriadamente,
alemães(1954-74-90) e italianos(1934-38-82-2006) não se proclamam ‘tri’ e ‘tetra’. A ‘squadra azzurra’, a exemplo do
Brasil, é simplesmente bicampeã. Por aqui, a bolorenta imprensa, ‘escrita, fala e
televisada’ alimenta há 44 anos a doce mentira que, repetida a cada
Copa, sacode nossa autoestima futebolística com foros de veracidade e ponto
final.
Valdir
Amaral, em cuja equipe esportiva
trabalhei de 1977 a 81, enfatizava, entre outros, o bordão ‘Rádio
Globo, a sua emissora, torcedora três
vezes campeã do mundo!’ O ‘indivíduo competente’ jamais se referiu, por
inexistente, ao suposto ‘tri’. Ainda que você, louco para me deletar, reitere e
proclame o hipotético ‘penta’ de 2002, sustento tratar-se de grosseira manipulação
de ‘marketing’ herdada do regime autoritário, que colou, oportunista, de 1970
em diante, no imaginário nacional.
A fim de você também encrespar-se por não dispormos de ‘tetra’ ou ‘penta’, para consumo nacional
de nossos clubes, diferentemente do que
alardeiam, vamos às verdadeiras
sequências de títulos no ‘Brasileirão’: bicampeões -
Flamengo(82/83), Internacional(75/76), Palmeiras(72/73), Santos(2002/03); tricampeão
– São Paulo(2006/07/08). O rubro-negro carioca detém duas séries de 10
conquistas(ininterruptas): decacampeão de remo e basquetebol,
no âmbito regional, entre os anos 50 e 60 do século passado.
Na
expectativa da indulgência de ocasionais leitores cristãos quanto à (insólita)
questão aqui explicitada, pondero que a Bíblia Sagrada cita o ‘Pentateuco’ (olhe
aí novamente o radical grego, ‘penta’), ordem cronológica dos cinco
primeiros livros do Velho testamento:
Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
Embora às portas da
Inquisição, por desmistificar
‘religiosas’ e ‘dogmáticas’ versões esportivas em curso, torço(claro!) pelo êxito dos ‘canarinhos’
dentro de casa neste 2014. E que o peso da importuna realidade, sobre
conquistas (sequenciais, sequenciais!) entre as quatro linhas do gramado, afinal
me seja leve. Amém.
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