domingo, 9 de fevereiro de 2014


A mentira dos tri, tetra, penta e(ansiado) hexa    

Publicada originalmente no Logo

                                                                                                                               

Do AMgóes - Você pode me detonar como ‘empata-aquilo’, pregador de cultura inútil etc e tal. Reconheço nada mais apaixonante para a galera do que ufanar-se apoplética, principalmente se houver um argentino por perto, com o  todo mundo tenta, mas só o Brasil é penta’.  Argumento definitivo para a ensandecida galera, indiferente a eventuais análises linguísticas fora de hora.

Assim, toco de primeira para o que interessa: o Brasil não é ‘tri’ nem ‘tetra’ e muito menos ‘penta’. Somos, corretamente falando, competentes bicampeões, de 1958 e 1962. Nossa ‘grande’ mídia, comprometida até a alma(penada) com os ‘anos de chumbo’ da Ditadura, produziu a expectativa falaciosa de um ‘tri’, atropelando as mais elementares regras da linguagem, à base do ‘Pra frente, Brasil!’, espécie de biombo para encobrir as atrocidades cometidas nos DOI-Codi da vida(e da morte).
                                                                                                             Ilustração do AMgóes
Declaro-me incorrigível ortodoxo, quando se trata de preservar a lógica dos significados idiomáticos, que não podemos submeter às vãs manifestações hepáticas  de plantão, como ocorreu em 1970. Os acenos do ‘milagre’ econômico, nos marcos do AI-5, dependiam de reflexos no previsível ‘pão-e-circo’ do futebol,   à época mascarado pelo timaço que foi ao México na perspectiva de nos trazer em definitivo a ’Coup Jules Rimet’.

Quatro décadas atrás, nós, o Uruguai (1930-1950) e a Itália (1934-1938) éramos candidatos ao privilégio de levar para casa, sem retorno, o ambicionado troféu da FIFA, outorga destinada ao primeiro que o fizesse, mesmo alternadamente, pela terceira vez. Foi o nosso caso, embora, anos depois,   sofrêssemos descomunal vexame com seu misterioso roubo, na sede da CBD, Rio de Janeiro, e sua provável transformação em pó.

E o que tem  a ver tudo isso com nossos festejados ‘tri’ de 70, ‘hexa’ de 94 e ‘penta’ de 2002? Compete-me informar ao ‘respeitável público’ que referidos ‘radicais’(bem assim os ‘mono’, ‘bi’, hepta, octa, enea e deca), de origem grega, designam a pluridade ‘sequencial’ semântica de um mesmo registro substantivo, necessariamente ‘consecutivo’, sem interrupção.  São os tais ‘prefixos matemáticos’. E como repete aquele comentarista na TV, ‘a regra é clara’.

“Assunto para a Academia de Letras!”, dirá você, entediado com este súbito corte em seu desvairado tesão de torcedor verde-amarelo, babando pelo ansiado ‘hexa’,  que nos escapara na fatídica arrumada de meia do Roberto Carlos em 2006, e escanteado pelo ‘chega pra lá’ holandês de 2010. A onda agora é,  com a reprise da ‘família Scolari’, ganhar geral em solo pátrio e correr para o abraço em alucinante finalíssima no Rio, sem essa de ‘maracanazzo’ uruguaio,  que não cola mais. O midiático, quão falacioso,  ‘hexa’ estará solenemente consumado e o resto é resto.

Apropriadamente, alemães(1954-74-90) e italianos(1934-38-82-2006) não se proclamam ‘tri’  e ‘tetra’. A ‘squadra azzurra’, a exemplo do Brasil, é simplesmente bicampeã. Por aqui,  a bolorenta imprensa, ‘escrita, fala e televisada’  alimenta  há 44 anos a doce mentira que, repetida a cada Copa, sacode nossa autoestima futebolística com foros de veracidade e ponto final.

Valdir Amaral,  em cuja equipe esportiva trabalhei de 1977 a 81,  enfatizava, entre outros, o bordão ‘Rádio Globo, a sua emissora, torcedora  três vezes campeã do mundo!’ O ‘indivíduo competente’ jamais se referiu, por inexistente, ao suposto ‘tri’. Ainda que você, louco para me deletar, reitere e proclame o hipotético ‘penta’ de 2002, sustento tratar-se de grosseira manipulação de ‘marketing’ herdada do regime autoritário, que colou, oportunista, de 1970 em diante,  no imaginário nacional.

A fim de você também encrespar-se por não dispormos de ‘tetra’ ou ‘penta’, para consumo nacional de nossos clubes,  diferentemente do que alardeiam, vamos às verdadeiras  sequências de títulos no ‘Brasileirão’: bicampeões - Flamengo(82/83), Internacional(75/76), Palmeiras(72/73), Santos(2002/03); tricampeão – São Paulo(2006/07/08). O rubro-negro carioca detém duas séries de 10 conquistas(ininterruptas): decacampeão de remo e basquetebol, no âmbito regional, entre os anos 50 e 60 do século passado.

Na expectativa da indulgência de ocasionais leitores cristãos quanto à (insólita) questão aqui explicitada, pondero que a Bíblia Sagrada cita o ‘Pentateuco’ (olhe aí novamente o radical grego, ‘penta’), ordem cronológica dos cinco primeiros  livros do Velho testamento: Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

Embora às portas da Inquisição, por desmistificar  ‘religiosas’ e ‘dogmáticas’ versões esportivas em curso,  torço(claro!) pelo êxito dos ‘canarinhos’ dentro de casa neste 2014. E que o peso da importuna realidade, sobre conquistas (sequenciais, sequenciais!) entre as quatro linhas do gramado, afinal me seja leve. Amém.

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