segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A pedagogia dos médicos cubanos

Esse convênio, que poderia passar como um a mais entre tantos outros assinados, gerou uma onda de reações que propiciam um diagnóstico social de Brasil e Cuba.

Emir Sader                                                   Com bandeiras de Cuba e do Brasil, 225 profissionais cubanos desembarcaram no início da manhã desta quinta-feira no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Eles foram selecionados para trabalhar em Minas Gerais no Programa Mais Médicos. O secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães, recebeu os médicos. Ao todo, 450 estrangeiros formados em Cuba irão atuar no Estado - Ramon Lisboa/EM/D.A.Press    

“As médicas cubanas parecem empregadas domésticas.” A afirmação, a mais expressiva da (asquerosa) onda de expressões de intolerância e de discriminação racista, feita por uma jornalista brasileira de direita, representa, sem perceber, o mais significativo elogio de Cuba.

                                                        
Diante das necessidades de atendimento médico da população, o governo brasileiro, depois de convocar a médicos brasileiros a ocupar os postos nas regiões do país com mais necessidades e menor atenção, fez um convênio com o governo de Cuba para trazer ao Brasil a profissionais de saúde do país que inquestionavelmente tem uma das melhores, senão a melhor medicina social do mundo. Os extraordinários índices de saúde da população cubana – da mortalidade infantil à expectativa de vida ao nascer -, ainda mais pelo nível de desenvolvimento econômico do pais, confirmam essa avaliação.

Esse convênio, que poderia passar simplesmente como um a mais entre tantos outros assinados entre o Brasil e Cuba, gerou uma onda de reações que propiciam um diagnóstico social de uma e de outra sociedade, inédito e de uma profundidade inesperada.  Começando pelos próprios médicos brasileiros, na sua grande maioria formados em universidades públicas – as melhores do país -, mas que não são obrigados a entregar praticamente nenhuma contrapartida à sociedade que os formou, de forma gratuita. Frequentemente concluem seus cursos e abrem consultórios nos bairros melhor situados das grandes cidades brasileiras, para atender a uma clientela de grande poder aquisitivo.

 Como resultado, o mapa das doenças do país e a localização dos médicos costuma ser brutalmente desencontrado, praticamente oposto: onde estão as doenças, não estão os médicos; onde estão os médicos, não estão as doenças.
                                           

Mesmo assim, depois de se negar a atender a população mais pobre – a grande maioria – tentaram impedir que o governo brasileiro trouxesse médicos de fora do pais – de outros países, alem de Cuba – para atender à população. Fizeram manifestações, criaram situações de constrangimento para os médicos cubanos na sua chegada, anunciaram que fariam campanhas contra a reeleição da Dilma, acreditando dispor de autoridade política com seus pacientes.

A declaração com que começa este artigo se insere nesse cenário de elitismo e de falta de sensibilidade social de médicos brasileiros. A frase, que pretende desqualificar a médicas cubanas, porque no lugar da imagem do médico homem, branco, com fisionomia dos doutores dos filmes de Hollywood, são pessoas nascidas no meio do povo cubano, se revela como um imenso elogio da sociedade cubana e em uma crítica da brasileira. Mulheres de origem humilde, que no Brasil seriam empregadas domésticas, em Cuba é normal que possam se formar como médicas e expressar sua solidariedade com outros povos, necessitados dos profissionais que Cuba consegue formar em excesso para as necessidades do seu país.
                                               
Essa reversão do  sentido  da  frase  se deu também  no plano  mais  geral  da   sociedade brasileira  que,  confundida  no começo,    muito    rapidamente  reagiu de  forma  muito positiva,   com mais de 80%   apoiando  a vinda  dos  médicos  cubanos ao  Brasil.    Pelas necessidades que passaram a ser atendidas por esses médicos, assim como também  pela atenção que  imediatamente começaram a   receber  setores  populares muito amplos do Brasil, até ali sem nenhuma assistência ou com atenção médica absolutamente  precária. Cidades que nunca tinham tido a presença de médicos, em que a população tinha  que  se deslocar  quilômetros   de  distância  para  ter uma assistência  esporádica,   começam a conhecer  um   direito  essencial  à atenção   médica   direta  e  permanente,  graças aos médicos cubanos.
                                         

É um programa de saúde pública, mas que encerra em si mesmo uma lição, uma pedagogia política de grande evidência – que é o que mais incomoda à direita brasileira. Pessoal formado em universidades públicas – e em Cuba todas o são – tem que atender prioritariamente as necessidades fundamentais do seu povo, que além de tudo paga os impostos que financiam as universidades públicas, mas que, via de regra,  não pode ter seus filhos com acesso a essas mesmas universidades – mais ainda aos cursos de medicina.

 O Brasil está avançando como nunca na sua história no combate à desigualdade, à pobreza e à miséria, mas não encontra ainda correspondência nas estruturas educacionais que formam os profissionais de medicina. Daí o apoio de Cuba – que  Dilma agradeceu a Fidel, por ocasião da recente reunião  da Celac em Havana, quando se inaugurou a primeira parte do porto de Mariel, ora em construção pelo Brasil na Ilha, colaborando com a ruptura do bloqueio imposto pelos EUA.
                                         
Os médicos cubanos são melhores que grande parte dos médicos que o Brasil tem hoje porque – além da sua excelente formação profissional -, são melhores cidadãos, formados por uma sociedade orientada não pela medicina mercantil, mas pelas necessidades reais da população. A vinda dos médicos cubanos permite, como nenhum manual de educação política, esclarecer princípios das sociedades capitalistas – voltadas para os valores de troca – e das sociedades socialistas – voltadas para os valores de uso. Uma atendendo as demandas do mercado; a outra, as necessidades das pessoas.

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