quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Ser realista sem perder a utopia

O PT chega ao seu V Congresso, nesta 5ª feira, ancorado em um texto-base que desafia o partido, há 11 anos no poder, a ser realista, sem abdicar da utopia.

Saul Leblon                                             

PT
O PT chega ao congresso dos seus 33 anos  -- que começa nesta 5ª feira, em Brasília--  ancorado em um texto-base que desafia o partido, há 11 anos no poder, a ser realista, sem abdicar da utopia. Para isso, adianta, precisa regenerar-se como o “intelectual coletivo” que se espera de um partido de esquerda. O PT se perdeu do socialismo, ‘não por negá-lo, mas por ser incapaz de pensá-lo de forma criativa’, diz o documento. Leia a seguir a íntegra da análise elaborada por Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini, bem como uma coleção de excertos de outros textos referenciais que marcaram a trajetória do partido.

Documento-base do V Congresso Nacional do PT- 2013


“Basta de realizações, queremos promessas!” Essa inscrição, bizarra e aparentemente insensata, apontava, no entanto, para uma questão crucial: as limitações de algumas experiências de governos de esquerda. Mostrava que o realismo político – que o exercício de responsabilidades governamentais exige – não pode sufocar a utopia, ficar cego e surdo às demandas que surgem na sociedade, mesmo quando elas aparecem como contraditórias.

Na esteira da Convocatória do Quinto Congresso (dezembro de 2012) e da Resolução sobre a situação política, do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (29 de julho de 2013), este documento propõe um conjunto de temas importantes para o debate interno do partido nesta primeira etapa congressual.

INTRODUÇÃO

A Convocatória do Quinto Congresso do Partido dos Trabalhadores (dezembro de 2012) conclamou o PT a realizar um balanço de seus 33 anos de existência e da experiência de uma década do Governo Democrático e Popular, iniciado em 2003 com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, cuja continuidade foi assegurada com a eleição de Dilma Rousseff, em 2010.

O documento destacou a Grande Transformação econômica, social e política que mudou a cara do Brasil em 11 anos, projetando o país, de forma inédita, na cena internacional.

Ao mesmo tempo em que celebrava as conquistas de uma década, a Convocatória chamava a atenção para as lacunas que persistem na reflexão partidária.

O PT não tem sido capaz de construir uma narrativa de sua experiência governamental, tarefa de enorme importância política.

A um Governo progressista não bastam realizações – e elas foram muitas e relevantes. É indispensável um discurso que dê conta das transformações realizadas, de seus alcances e limites e, sobretudo, de seus desdobramentos futuros.

É fundamental mostrar como essas mudanças fazem parte de um projeto mais amplo de transformação da sociedade brasileira. Temos de evitar a auto-complacência, a perda de perspectiva crítica e analisar os obstáculos que se colocam à ação governamental e partidária.

Em algum lugar do mundo, apareceu há tempos, nos muros de uma cidade, a consigna “Basta de realizações, queremos promessas!” Essa inscrição, bizarra e aparentemente insensata, apontava, no entanto, para uma questão crucial: as limitações de algumas experiências de governos de esquerda. Mostrava que o realismo político – que o exercício de responsabilidades governamentais exige – não pode sufocar a utopia, ficar cego e surdo às demandas que surgem na sociedade, mesmo quando elas aparecem como contraditórias. 

Resumindo: não é fácil para um Governo, sobretudo de esquerda: 

(1) estabelecer equilíbrio entre ação e reflexão e entre o urgente e o importante;

(2) resolver as dificuldades institucionais e burocráticas que se antepõe à ação governamental e

(3) entender e dar conta das novas reivindicações que surgem na sociedade. 

Mas não é fácil para o Partido, tampouco, realizar a complexa tarefa de apoiar seu Governo e, ao mesmo tempo, empurrá-lo para além dos limites que lhes impõem a conjuntura ou instituições, muitas vezes arcaicas.

Os partidos políticos de oposição, e os meios de comunicação que os substituíram, têm sua versão sobre os onze anos de Governo PT.

Tem sido dito e escrito que os êxitos econômicos de Lula-Dilma foram apenas continuidade do Governo FHC.

Omitiram a herança deixada: recessão, juros abusivos, fortes pressões inflacionárias, descontrole cambial, vulnerabilidade externa, para só citar alguns itens.

As políticas sociais têm sido apresentadas como extensão de iniciativas do Governo anterior. Os mais radicais as desqualificam como “esmola populista”.

A política externa soberana – altiva e ativa – é caracterizada como “isolacionista”, fruto de um “extremismo terceiro-mundista”.

Grupos que, no passado, haviam privatizado o Estado, promovendo desmandos e privilégios, se transformaram em arautos da ética e da moralidade, escondendo as iniciativas, de nossos Governos, de transparência e de combate aos malfeitos nestes 11 últimos anos.

Quem governou longe da sociedade, criminalizando os movimentos sociais, se sente hoje no direito de apontar para supostas tentações “autoritárias” – quando não “totalitárias” – do PT. 

Esses e muitos outros exemplos mostram a necessidade do Partido construir a narrativa de seu Governo. Sem ela, ficamos na defensiva, ao sabor das versões que os monopólios de comunicação constroem cotidianamente.

Desde 2003, sobretudo, temos enfrentado dificuldades em mudar o sistema político brasileiro, verdadeira camisa de força que impede transformações mais profundas e impõe um “Presidencialismo de coalisão”, que corrói o conteúdo programático da ação governamental.

Embora crítico à conciliação que tem marcado a história do Brasil, o partido tem conseguido imprimir novo rumo e ritmo a suas políticas. Mas é ainda prisioneiro de um sistema eleitoral que favorece a corrupção e de uma atividade parlamentar que dificulta a mudança, a despeito da vontade das forças progressistas.

O sistema judicial, lento, elitista e pouco transparente, tem sido igualmente permeado por interesses privados. 

As medidas de reforma do Estado não foram capazes de remover os obstáculos burocráticos que criam empecilhos para o avanço mais rápida dos grandes projetos de infraestrutura, vitais para dar nova qualidade a nosso desenvolvimento.

Partido e Governo não souberam, afinal, desenvolver instrumentos de comunicação social que pudessem contra arrestar a permanente ofensiva conservadora dos grandes proprietários de jornais, rádios e televisões.

Na justa celebração das conquistas dos Governos democrático-populares dos 11 últimos anos, não podemos esquecer os enormes déficits sociais que ainda perpassam nossa sociedade: na saúde, na educação, no cotidiano das grandes cidades, especialmente na mobilidade urbana, no enfrentamento da violência e na segurança cidadã. É importante que o Governo afirme que o fim da pobreza é apenas um começo. Mas é importante igualmente avançar na reforma político- institucional do país para dar continuidade e mais velocidade à transição econômica e política em curso no país.

O Governo e o PT, responsáveis pela Grande Transformação da última década, sofreram paradoxalmente os efeitos das mudanças que desencadeamos. Essas  mudanças fizeram emergir novos segmentos sociais, portadores de novas demandas, valores e aspirações que, muitas vezes, não tivemos a capacidade de entender plenamente. Em recentes processos eleitorais - no último pleito municipal de São Paulo, por exemplo – já se havia manifestado o fenômeno da atração de parte do eleitorado tradicionalmente petista por um candidato conservador, revestido de discurso populista. Nas manifestações de rua, de junho último, amplos segmentos da sociedade, sobretudo jovens, expressaram sua desconformidade para com a precariedade de muitas políticas públicas. Mais do que isso, manifestaram de forma difusa e, não raro contraditória, seu desconforto com o sistema e as práticas   políticas brasileiros. Esses protestos atingiram as instituições e os políticos em geral e não pouparam nem mesmo o PT e governantes ligados ao partido.

Sem compreender plenamente o alcance e os limites das mudanças realizadas e o que estão pensando e sentindo os novos atores sociais será impossível superar as dificuldades do momento.

Partido e Governo não souberam, afinal, desenvolver instrumentos de comunicação social que pudessem contra arrestar a permanente ofensiva conservadora dos grandes proprietários de jornais, rádios e televisões. Não se trata de converter o Partido e o Governo em uma academia, mas de atribuir à reflexão política e econômica a importância decisiva que ela tem para uma ação transformadora.

UM MUNDO EM TRANSIÇÃO

Em 2008, a falência do LEMON BROTHERS desencadeou a mais grave crise da economia mundial desde 1929. Nos anos que antecederam esse episódio, muitos analistas denunciavam as ameaças que as políticas econômicas das grandes potências – sobretudo dos Estados Unidos – traziam para o conjunto da humanidade. A desregulamentação financeira havia transformado a economia mundial em um grande cassino, aumentando os riscos inerentes à atividade especulativa. Os Estados Unidos e a União Europeia experimentaram desaceleração, quando não recessão, de suas economias. Já a República Popular da China, depois de mais de duas décadas de crescimento acelerado, chegou à condição de segundo PIB global, com perspectiva de superar os EUA na próxima década, na dependência do êxito que tenha sua nova política de privilegiar a expansão de seu mercado interno.

Nos primeiros anos, a crise afetou desigualmente a economia mundial. Além da China, Brasil, Índia e Rússia, outros países ditos “emergentes”, experimentaram forte expansão, passando a ser responsáveis pelo crescimento da economia mundial.
 
Mas os efeitos prolongados da crise atingiram, mais tarde, também os emergentes, que não conseguem hoje reproduzir os bons resultados dos últimos anos, como se pode ver do desempenho atual da China e do próprio Brasil, entre outros.

No caso brasileiro, o dinamismo que a expansão do mercado interno criou, ainda que muito importante, não foi suficiente para garantir o crescimento mais acelerado que o país necessitava para dar conta dos enormes desafios que tinha pela frente.

Apesar dos avanços que se observam no Sul do mundo, que a formação e desenvolvimento do BRICS ilustram, as dificuldades que ainda enfrentam as grandes economias capitalistas, semeiam incerteza sobre o futuro.

A expansão monetária praticada originalmente pelos EUA e mais tarde pelo Japão, acarretou graves problemas para as economias emergentes – sobrevalorização de moedas nacionais – afetando sua capacidade exportadora. A mudança recente dessa orientação, por parte do Banco Central (FED) dos EUA, poderá comprometer os investimentos nos países emergentes.

A União Européia, mesmo tendo conseguido superar as ameaças que pesavam sobre o Euro, vive um prolongado período de recessão, agravado pelas políticas de “austeridade”, que estão desmontando o Estado de Bem-Estar, construído no pós Segunda Guerra Mundial. Milhões de homens e mulheres – sobretudo jovens – são lançados no desemprego e na desesperança. A persistência dessas políticas conservadoras, muito semelhantes àquelas praticadas pelos governos latino-americanos nos anos 80/90 do século passado, não encontra respostas à altura na maioria das forças de esquerda do Velho Mundo, estejam elas no Governo ou na oposição. Abrem espaço para o crescimento de grupos de extrema direita, para a proliferação do racismo e da xenofobia e corroem a democracia. Exemplo disso foram os “golpes” políticos aplicados pela alta finança na Grécia e na Itália, que desembocaram na constituição de governos tecnocráticos nesses dois países.

A continuidade dessas políticas tende a aprofundar a recessão, produzindo resultados opostos àqueles pretendidos e anunciados. A América Latina, como foi dito, conhece bem essa história! O capitalismo, quando não sofre pressão das esquerdas, tende a mostrar sua face mais cruel.

Do ponto de vista político, a situação europeia acompanha seu declínio econômico.
A Europa tem sido “terceirizada” pelos Estados Unidos para aventuras militares neo-coloniais na África, sobretudo, ou para provocações como a que envolveu recentemente o constrangimento imposto ao Presidente Evo Morales, “acusado” de transportar em seu avião o cidadão norte-americano Edward Snowden.

Os Estados Unidos superaram a fase mais aguda da crise, em função da força de sua economia, da capacidade de sua produção científica, tecnológica e de inovação – que injeta nova vitalidade a sua indústria – de seu poderio militar, e da autonomia energética que vêm conquistando.

Mas essa potência está enfrentando graves problemas nas esferas social e política.

No âmbito social, a recuperação da economia norte-americana tem sido acompanhada de forte concentração de renda, que aprofunda a desigualdade social.

A divisão que o país atravessa dificulta a adoção de políticas sociais para atenuar as desigualdades. A recente paralisação da atividade governamental, como consequência do boicote Republicano no Congresso, é um exemplo. As pressões conservadoras têm empurrado a política externa mais para a direita, em linha semelhante ao Governo Bush. A prioridade concedida à segurança tem sacrificado os proclamados ideais de liberdade. As “execuções” indiscriminadas, sem julgamento, pelos aviões não-tripulados dos EUA, as denúncias do Wiki Leaks e, mais recentemente, de espionagem global, particularmente no Brasil, corroem a imagem liberal que os EUA pretendem projetar no mundo. O fiasco da posição norte-americana em relação à Síria e as oscilações no caso do Irã, mostram o caráter errático da posição do EUA no mundo.

Hostil ao multilateralismo, os EUA formulam uma política de contenção da China e, mais discretamente, do BRICS. Suas propostas de uma zona de livre comércio com a Europa e a TPP (Parceria Trans-Pacífica) fazem parte dessa estratégia, assim como o estímulo à formação da Aliança do Pacífico, que reedita, de forma pouco disfarçada, o derrotado projeto da ALCA e busca criar uma alternativa ao MERCOSUL, à UNASUL e à CELAC.

A humanidade vive tempos incertos, cuja análise se faz urgente. A história ensina que, em circunstâncias semelhantes, são fortes os riscos de soluções de força para enfrentar as grandes contradições mundiais.

Ganha importância, assim, a política externa brasileira fundada na luta pela paz, na defesa do princípio de não-intervenção nos assuntos internos de outros países, na afirmação do multilateralismo e na constituição de um mundo multipolar capaz de dar nascimento a uma nova correlação de forças mundial.  

Desafios Programáticos

Reiterando que a orientação programática do Quinto Congresso do PT não se confunde com o enfoque que deve ter o Programa  de nossos candidatos nas eleições de 2014, explicitam-se aqui os principais desafios do partido, em uma perspectiva mais duradoura.

* Uma política econômica que, preservando a estabilidade macroeconômica, seja capaz de impulsionar crescimento mais acelerado do país. O fortalecimento do mercado interno é plenamente compatível com um maior dinamismo de nossas exportações. O desenvolvimento será logrado com a expansão do investimento, com a continuidade e aprofundamento da renovação da estrutura logística e energética do país, com maior produtividade, resultante do desenvolvimento da educação e da inovação, e com um controle e regulação maior do capital financeiro, que dê prioridade à atividade produtiva.

* As políticas sociais, em sintonia com a política econômica, como vem ocorrendo, darão seguimento ao combate à pobreza e à desigualdade, por meio de políticas de emprego e renda, crédito, apoio técnico e financeiro a pequena, micro e média propriedades urbana e rural, educação e saúde de qualidade, habitação e saneamento, mobilidade urbana e segurança cidadã.

* O fortalecimento e aprofundamento da democracia, exige um ritmo mais acelerado da reforma do Estado e das instituições políticas e do combate à corrupção. Sem essas mudanças – que incidirão sobre a organização dos partidos, as eleições e a participação social – será impossível superar a crise dos mecanismos de representação, que se arrasta por anos e que ganhou particular importância nos últimos meses.

* Combate à violência do Estado e na sociedade. É urgente  desmilitarizar as polícias estaduais, combater à tortura, reformar radicalmente o sistema prisional. A cidadania e os Direitos Humanos são atingidos duramente pelo massacre sistemático de nossa juventude, pela multiplicação dos atos de violência contra as mulheres, pelas recorrentes manifestações de racismo e/ou homofobia. Não haverá democracia sem cidadania forte. É fundamental a expansão dos direitos civis e a garantia plena de direitos para todos os setores da sociedade – minoritários ou não.

* A política externa do Brasil continuará marcada por uma presença soberana do país no mundo, pela busca da paz, respeito ao Direito Internacional e à autodeterminação dos povos, fortalecimento do multilateralismo e crescente integração da América do Sul, da América Latina e Caribe, assim como aliança com a África.

* Em sua política externa e interna o Brasil defenderá os princípios de uma economia social e ambientalmente sustentável, com todas suas consequências no plano energético, agrícola, industrial e no ordenamento urbano.

* A expansão e qualificação da educação, da ciência, tecnologia e inovação são elementos essenciais para um novo projeto de desenvolvimento e para a extensão da cidadania.

* A socialização dos bens culturais, a valorização das distintas expressões da cultura e a preservação do patrimônio histórico e natural são componentes fundamentais da democratização da sociedade.

SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS DO PT

O Quinto Congresso do PT deve ser igualmente um momento de reflexão e debate sobre o presente e o futuro da estrutura partidária.

O partido nasceu da grande efervescência dos anos 70/80 quando as lutas das classes trabalhadoras da cidade e do campo e de outros segmentos da sociedade brasileira colocaram na ordem do dia o fim da ditadura militar e, ao mesmo tempo, a construção de um Brasil mais justo econômica e socialmente e de uma democracia onde se fizesse ouvir a voz de todos os brasileiros.

Mantendo uma enorme capilaridade em relação aos movimentos sociais, o Partido desenvolveu, por mais de uma década, importantes experiências governamentais em cidades e estados da Federação, que serviram para acumular experiência e formar os quadros necessários para conduzir o Governo da nação. Teve, igualmente, significativa atividade parlamentar.

Nos mais de trinta anos de existência do PT a sociedade brasileira mudou profundamente. Mas nem sempre o partido acompanhou essa mudança.

Preservou e aprofundou, por certo, sua democracia interna, garantindo um pluralismo político e ideológico que não existe em outras organizações partidárias.
Incorporou as mulheres, de forma paritária, a suas direções. Abriu espaços importantes de participação para os jovens.

Suas atividades governamentais ou parlamentares contribuíram para enriquecer uma visão concreta, não doutrinária, dos problemas nacionais, mas, ao mesmo tempo acarretou um certo afastamento do partido em relação a suas bases originais e  àqueles novos segmentos que foram sendo beneficiados pelas políticas aplicadas por petistas em seus governos.

Governantes e parlamentares do PT, pressionados por seus afazeres institucionais, ganharam exagerada autonomia em relação à atividade partidária. Sindicalistas e dirigentes de organizações sociais nem sempre acompanharam as mudanças por que passaram seus movimentos. Esses e outros fatores contribuíram para certa burocratização do partido e consequente perda de importância de suas direções junto aos governos. Perdemos capacidade de análise das conjunturas e das perspectivas de médio e longo prazos de evolução do país e do mundo.

Somente a renovação de nossas instituições democráticas dará aos Governos e à sociedade a estabilidade Para que esses princípios se afirmem será necessário garantir a mais ampla e irrestrita liberdade de expressão, combater os monopólios da “indústria cultural” e regular os meios de comunicação, sem que isso implique em qualquer forma de censura ou controle de conteúdos. 

A democracia petista tem de expressar o pluralismo de ideias, nunca o conflito de interesses de indivíduos e/ou grupos.

Mas o partido dispõe de todas as condições para retomar sua trajetória original, dentro de um quadro histórico evidentemente distinto daquele de sua fundação e de seus primeiros anos.

Dispõe de bases sociais, fortemente ancoradas no povo brasileiro. Suas experiências no parlamento e em Governos, sobretudo na Presidência da República, proporcionaram-lhe um conhecimento extraordinário do Brasil. É um partido democrático, capaz de conviver com as diferenças internas, o que alimenta a curiosidade e o interesse de seus militantes em discutir os grandes problemas do Brasil e do mundo. Está, assim, apto a renovar sua cultura política e suas formas de ação.  

Deverá valer-se desses atributos para dar mais consistência a sua presença internacional, contribuindo para a recomposição das esquerdas em escala global, como ajudou a fazer na América Latina e Caribe com o Foro de São Paulo. 

REFERÊNCIAS POLÍTICO-IDEOLÓGICAS: PERSPECTIVAS ATUAIS DO SOCIALISMO 

O Partido dos Trabalhadores, como foi dito, nasceu em meio à mais grave crise pela qual passaram os distintos projetos socialistas do século XX. No ano de seu surgimento, a eclosão do movimento SOLIDARIEDADE, na Polônia, anunciava a crise do modelo soviético, que se aprofundaria em 89 com a queda do Muro de Berlim e, no ano seguinte, com a dissolução da URSS.

Nesse mesmo período, a Socialdemocracia da Europa, contaminada pelas idéias neo- conservadoras, começava a abandonar parte das políticas que haviam propiciado importantes conquistas às classes trabalhadoras daquele continente.

Esses dois movimentos históricos tiveram conseqüências profundas na correlação de forças internacional, aumentando o peso das grandes potências capitalistas, em particular os Estados Unidos. O PT e uns poucos partidos emergentes de esquerda no mundo não reivindicaram nem a herança autoritária do socialismo, nem  sucumbiram à maré neoliberal em nome de nome de uma suposta “modernização” programática, como ocorreu com vários movimentos progressistas.

Pós-comunista e pós-socialdemocrata, o Partido dos Trabalhadores enfrentou combativamente, em fins dos anos 80 e início dos 90, a enorme pressão do neoliberalismo que se fez sentir no Brasil e na maioria dos países da América Latina. Contra-corrente,   contribuímos para a desconstrução do Consenso de Washington aqui e, sucessivamente, em quase toda a América do Sul.

Pós-neoliberal, aplicamos políticas que fortaleceram a democracia econômica, social e política.

Acossados pelas tarefas de Governo e pelas vicissitudes da luta política, não fomos capazes, no entanto, de inserir as transformações que realizamos em uma estratégia de longo prazo, que pudesse apontar para uma efetiva renovação do socialismo no século XXI.

Para vencer esse desafio, são necessários o conhecimento teórico e histórico das distintas experiências socialistas, mas também uma análise da realidade brasileira que permita definir e lutar realisticamente por um projeto pós-capitalista no país.

A agenda é vasta e complexa e envolve a discussão de formas de propriedade e de organização da economia, inclusive a democratização do espaço fabril e de todos os locais de trabalho.

Envolve, também, a democratização e socialização da política, mudanças radicais na esfera da cultura e no cotidiano, sob a égide da mais ampla liberdade e do respeito dos Direitos Humanos.

O MOMENTO ATUAL E SEUS DESAFIOS

O Quinto Congresso do PT realizar-se-á em uma conjuntura política excepcional, marcada pelo renascimento de manifestações sociais, como as ocorridas em junho deste ano. A nova situação criada no país a partir dessas mobilizações e as soluções concretas que formos capazes de apresentar e realizar terão influência sobre a estratégia mais geral do Partido e do Governo e, de forma especial, sobre as eleições de 2014. 

A experiência acumulada nos últimos onze anos mostra que a superação de crises políticas semelhantes sempre passou pela mobilização da sociedade, especialmente dos amplos segmentos que historicamente nos têm acompanhado e daqueles que, mais recentemente, foram beneficiados pelas transformações econômicas, sociais e políticas lideradas pelos Governos Lula e Dilma. O passado ensina também que a mobilização de nossas bases sociais e políticas ajuda a recompor a sustentação institucional do Governo, inibe aventureiros, inclusive aqueles que se ocultam em uma fraseologia anti-capitalista e frustra as tentações golpistas que uma crise possa despertar.
Parte da sociedade, inclusive aquela beneficiária das transformações dos últimos anos, está insatisfeita com o ritmo – que considera lento – das mudanças e não vê alternativas para suas demandas nos políticos e nas instituições atuais. A violência e o vandalismo, que têm marcado algumas mobilizações, provocam ao mesmo tempo um sentimento de insegurança em parte da sociedade. Criam imagem de desgoverno e de ruptura do tecido social. Animam os aventureiros e os que defendem soluções autoritárias.

A Presidenta Dilma e o PT, diferentemente do ocorrido em situações análogas em outras partes do mundo, saudaram as manifestações e dialogaram com os manifestantes. Apresentaram propostas que buscam soluções para as reivindicações concretas das ruas e propuseram ampla consulta popular para enfrentar as questões político-institucionais.

Mas é fundamental mostrar claramente o que está em jogo no atual momento: a continuidade, o aprofundamento e inclusive a correção do que foi até agora conquistado. As oposições não apresentam um projeto alternativo. A  maioria não consegue esconder a contra-reforma que pretendem levar adiante – medidas de austeridade que diminuirão os investimentos e porão fim à atual política salarial e de rendas, junto  com o abandono do pleno emprego, para só citar algumas propostas que afetarão os setores mais desfavorecidos da sociedade. O MERCOSUL e a UNASUL serão enfraquecidos, quando não abandonados em proveito de projetos que reeditam a ALCA, ainda que sob forma distinta. A política externa soberana será substituída pelo alinhamento com as grandes potências. A América Latina, o Caribe e a África sairão de nossas prioridades.

O Partido dos Trabalhadores e o Governo nada têm a temer, salvo sua omissão e paralisia. Mais que um amplo conjunto de realizações passadas, temos um futuro a anunciar e a construir juntos.

Estes onze anos de Governo democrático e popular não serão um intervalo progressista em uma larga trajetória conservadora de nossa história. A última década mostrou que um outro Brasil foi possível, pois milhões de homens e mulheres compartilharam ideias generosas de mudança.

Quando saíamos da noite da ditadura, soubemos dizer “Nunca Mais!” Agora, depois de uma década de grandes transformações, afirmamos “Nunca Menos!

COMO APROFUNDAR O DEBATE DO 5º. CONGRESSO

A preparação do Congresso deve provocar um conjunto de debates aprofundados sobre temas de vital importância para definir uma visão estratégica da sociedade brasileira e de sua transformação radical.

1. O contexto internacional e a política externa brasileira;

2. Do pós-neoliberalismo a uma política econômica de desenvolvimento soberano e inclusivo;

3. As mudanças da sociedade brasileira e sua nova estrutura de classes: “nova classe média” ou “nova classe trabalhadora”;

4. Reforma do Estado e da sociedade. Combate à violência, defesa dos Direitos Humanos. Fortalecer a cidadania para ampliar a democracia. Democratizar as relações de trabalho;

5. Democratização da informação e da cultura;

6. PT – um partido para enfrentar os desafios do século XXI. Visão estratégica. Democracia interna.

7. O desafio pós-capitalista. Qual socialismo?

(Sugestões de  Marcio Pochmann)

1. Globalização capitalista e caminhos para o socialismo;

2. Multipolaridade na geopolítica e as questões da soberania nacional;

3. Pós-neoliberalismo e as experiências dos governos progressistas na América Latina;

4. Brasil 2003-2013: próximos passos;

5. Nova estrutura social brasileira e as tarefas dos movimentos sociais;

6. Tecnologia, comunicação e informação – as bases da democracia e do desenvolvimento no século XXI;

7. Cadeias globais de valor e os desafios das políticas para o desenvolvimento produtivo;

8. Reconfiguração das ocupações e regulação das relações e condições de trabalho;

9. Integração e consolidação das políticas sociais frente às perspectivas de um novo padrão civilizatório;

10. Gestão pública diante da transição para a sociedade dos serviços;

11. Coesão social, violência e insegurança pública;

12. Padrão de financiamento e a progressividade tributária; questões a resolver;

13. Situações e soluções para as cidades e metrópoles brasileiras;

14. A sustentabilidade como desenvolvimento;

15. Representatividade e governabilidade: o modo petista na política brasileira.     
(Novembro de 2013)

Outros documentos referenciais da trajetória do PT

'A Nação é o povo e o Estado a sua expressão' 

"Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o País só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem as condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados e nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo."

(Manifesto de fundação do PT, no Colégio Sion, em São Paulo, em 10 de fevereiro de 1980. As primeiras fichas de filiação do partido seriam assinadas por Apolonio de Cavalho, Mário Pedrosa, Antonio Candido e Sergio Buarque de Hollanda)


'O socialismo petista pressupõe a socialização da política'

”A vitória eleitoral do nosso candidato em 2002 levou o PT para o governo, e o Partido passou a viver a experiência de ser Governo num país capitalista, numa sociedade de classes, em que o poder não é só o político, mas também o poder econômico, o da mídia e o militar.

O sonho de uma nova sociedade, superior à ordem capitalista vigente, diante das enormes tarefas de ser governo, levou a que nossos militantes, dirigentes e líderes maiores tomassem consciência de que a conquista de uma Nação soberana e democrática é parte integrante da luta pelo socialismo em nosso país.

Nesse sentido, as realizações do primeiro mandato do Presidente Lula e as que vêm ocorrendo neste segundo, no tocante à realização das tarefas democráticas e de defesa de nossa soberania são um importante passo para a acumulação de forças que vai permitir construir não só um Brasil socialmente justo, mas também independente e democrático.

"Para o socialismo petista a democracia não é apenas um instrumento de consecução da vontade geral, da soberania popular. 

Ela é também um fim, um objetivo e um valor permanente de nossa ação política. 

O socialismo petista é radicalmente democrático porque exige a socialização da política.

Isso implica na extensão da democracia a todos e na articulação das liberdades políticas - individuais e coletivas - com os direitos econômicos e sociais.

O socialismo petista pressupõe a construção de uma nova economia em que convivam, harmonicamente, crescimento com distribuição de renda. 

Para tanto, é fundamental reabilitar o papel do Estado no planejamento democrático da economia. 

O socialismo petista admite a coexistência de várias formas de propriedade: estatal, pública não estatal, privada, cooperativas e formas de economia solidária.

No caso brasileiro ganha especial importância o aprofundamento da reforma agrária e a relação a ser estabelecida entre a agricultura familiar e a agricultura de caráter empresarial [...].

O socialismo petista compreende que os recursos naturais não podem ser apropriados sob regime de propriedade privada, mas sim de forma coletiva e democrática, em sintonia com o meio ambiente e solidária com as futuras gerações". (III Congresso Nacional do PT; 2007)

Crise desloca a liderança da esquerda para a América Latina 

"A esquerda dos países europeus, que tanto influenciou a esquerda mundial desde o século 19, não conseguiu dar respostas adequadas à crise e parece capitular ao domínio do neoliberalismo. 

Por isso, há hoje um deslocamento geográfico de liderança ideológica da esquerda no mundo. Neste contexto, a América do Sul agora se destaca. 

Depois de ter passado por estagnação e forte inflação nas décadas perdidas%u0BC de 1980 e 90, e de seus governos aderirem à onda neoliberal, eis que despertou na década de 2000 para uma outra política, progressista e de forte conteúdo social. 

A luta da esquerda latino-americana contra as ditaduras militares fez dos valores democráticos parte integrante essencial nesta promoção de cidadania e soberania.

Neste cenário de crise mundial, cabe ao Partido dos Trabalhadores, bem como às demais forças de esquerda do Brasil e da América Latina, aprofundar seu compromisso com outra visão de mundo e com outro modelo de desenvolvimento, reafirmando a defesa da construção do socialismo.(...) 

A crise do neoliberalismo expressa sua incapacidade de responder aos desafios
sociais há muito tempo postos pelo socialismo, mas também aos desafios
ambientais de que o mundo adquiriu consciência nas últimas décadas. 

A dimensão ambiental desta crise internacional do capital é dramática, pelo
fortíssimo impacto da desregulamentação do capital nos recursos naturais do planeta e dos países do hemisfério Sul, em particular. 

Cada dia mais, a reflexão sobre nosso projeto de desenvolvimento no Brasil deve incorporar a dimensão da sustentabilidade ambiental, sem o que repetiremos os equívocos denunciados no 3º. Congresso Nacional do PT em certas tradições desenvolvimentistas de países capitalistas e do socialismo real. 

O Brasil, tanto por sua imensa diversidade natural, quanto pelos compromissos que de forma soberana e unilateral assumiu perante a comunidade internacional, não tratará a questão ambiental como apêndice, senão como parte essencial, de seu projeto de desenvolvimento. 

Como socialistas democráticos, queremos uma alternativa de civilização ao capitalismo, a ser construída democraticamente com o povo brasileiro, que esteja à altura de sua dignidade e de sua esperança, que promova a liberdade para todos, a soberania popular em regime de pluralismo, que universalize a condição plena e em igualdade dos cidadãos e das cidadãs, que seja multiétnica, que seja solidária com todos os povos oprimidos do mundo, que saiba construir novos modos de organizar a vida social para além da mercantilização do capital, da exploração social e da predação da natureza.

Um tal programa de civilização requer a construção histórica de um novo Estado democrático, republicano e popular no Brasil. 

Esta conquista só é possível em um quadro de um amplo e profundo ascenso dos partidos de esquerda, progressistas e democráticos, e dos movimentos sociais. 

Este ascenso apoia-se no fortalecimento estrutural das classes trabalhadoras e de seus direitos, promove a formação de uma maioria eleitoral sob a liderança da esquerda, dinamiza a formação de uma consciência pública afim aos valores do socialismo democrático, e, por fim, constrói uma rede de comunicação social capaz de expressar e dar voz pública plural a este bloco histórico.

É este programa que orienta o nosso diálogo com o povo brasileiro sobre o sentido das transformações que os governos Lula e o governo Dilma estão promovendo, suas conquistas históricas e seus limites - o que fomos capazes de construir e a longa caminhada que ainda temos pela frente.
(IV Congresso do PT; 2011)

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