O ex-juiz Baltazar Garzón, que se tornou mundialmente conhecido por ter determinado a prisão do general Augusto Pinochet, ditador do Chile, disse, durante debate em Brasília, que o Brasil precisa dar um “passo definitivo” na superação de seu passado e que, para isso, o Supremo Tribunal Federal deveria rever sua decisão sobre a lei da Anistia cobrir os assassinatos e torturas ocorridos no regime militar.
Ele ressaltou que é preciso respeitar “o que se decide em cada país “, mas defendeu que devem prevalecer as regras dos tratados e cortes internacionais a que estes países aderiram.
Garzón sentiu na pele as consequências de não aceitar que anistias possam dar cobertura a crimes de Estado. Perdeu seu cargo de juiz na Espanha, mas continua sendo um dos juristas mais respeitados do mundo e assessora o Tribunal Penal Internacional de Haia. É, também, advogado de Juien Assange, do Wikileaks, contra o qual diz que se armou um falso processo criminal, em razão de ter divulgado operações secretas dos Estados Unidos.
A agência alemã Deutsche Welle publicou matéria sobre as posições de Garzón, que transcrevo a seguir. É uma voz que precisa ser ouvida, embora nossos jornais se interessem pouco por isso.
Brasil precisa dar salto definitivo frente ao passado, diz Baltasar Garzón
Em termos mundiais, a defesa dos direitos humanos avançou, novos temas foram adicionados à pauta de discussões – e os tribunais e organismos internacionais são o melhor exemplo. Entretanto, ainda falta ao Brasil um “passo definitivo” na reparação dos danos causados pela ditadura.
A avaliação é do jurista espanhol Baltasar Garzón Real, conhecido por determinar a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, pela prisão, tortura e morte de cidadãos espanhóis durante o regime militar no Chile.
“Para o Brasil, falta dar um passo definitivo, que é a ação da Justiça”, disse Garzon em conversa com jornalistas após um debate sobre o direito à memória, verdade e justiça, parte da programação do Fórum Mundial de Direitos Humanos, em Brasília.
Durante a conversa, que contou com a presença de especialistas brasileiros e estrangeiros, predominou o discurso de que é preciso que o Supremo Tribunal Federal dê uma resposta que seja vista pela população como um verdadeiro engajamento da Justiça no processo de reparação às vítimas da ditadura.
Supremo e a anistia
Na avaliação de Garzón, o Brasil já percebe avanços na própria sociedade civil e das forças políticas, mas falta uma resposta do Judiciário. “Falta esse impulso que somente em forma pontual estão conseguindo alguns promotores”, avaliou o jurista, ex-juiz da Audiência Nacional espanhola e atualmente assessor do Tribunal Penal Internacional de Haya.
O jurista espanhol Baltasar Garzón: “Uma lei de anistia não pode impedir o acesso à Justiça”. “No âmbito internacional, os tribunais penais internacionais e as cortes de direitos humanos, especialmente a Corte Interamericana, estão marcando uma pauta claramente definitiva em favor da investigação, do processo devido, das garantias, de apoio às vítimas, isso tudo ao encontro da impunidade”, completou.
Durante todo o debate, especialistas reiteraram a preocupação com a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida em 2010, que considerou improcedente uma ação iniciada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava a aplicação da lei de anistia também para os agentes públicos que praticaram crimes durante a ditadura.
A lei, de 1979, beneficiou aqueles que tiveram seus direitos políticos cassados pelo regime, incluindo servidores públicos e militares. No entendimento do STF à época, era preciso considerar o contexto histórico em que a lei foi promulgada.
No mesmo ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o país a encontrar e punir os culpados por crimes cometidos durante a ditadura, especialmente no caso da Guerrilha do Araguaia.
“No meu ponto de vista – e respeitando o que se decide em cada país – não posso estar de acordo com a não aplicação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Uma lei de anistia não pode impedir o acesso [à Justiça] e a ação da Justiça”, opinou Baltazar Garzón. Para ele, o fato de cortes internas não reconhecerem o sistema interamericano ou mesmo de colocarem dificuldades para aplicá-lo é um mau exemplo. “É um retrocesso e sobretudo um desamparo para a proteção integral das vítimas”, disse.
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