segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Pleno emprego e Bolsa Família desmobilizam luta pela terra no Brasil, diz estudo

Relatório aponta que conjuntura econômica e transferência de renda afastaram trabalhadores rurais das ocupações de terra. Como consequência, assentamentos apresentam queda
Tadeu Breda   
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JONAS OLIVEIRA/FOLHAPRESS
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Acampamento do MST no Paraná: apesar da desmobilização no campo, movimento lidera ocupações
São Paulo – A conjuntura econômica favorável dos últimos anos, com baixos índices de desemprego, e os programas assistenciais do governo federal têm desestimulado os trabalhadores rurais brasileiros a embarcarem na luta pela reforma agrária. Essa é uma das principais conclusões do Relatório Dataluta 2012, que será publicado na próxima segunda-feira (6).
“Há disponibilidade de formas de aquisição de renda por meio do trabalho. Mesmo que não seja emprego formal, bem remunerado, há disponibilidade de trabalho no país. As pessoas passam a ter alternativas para obter pelo menos o mínimo. Isso desmobiliza a luta pela terra”, explica Eduardo Girardi, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Presidente Prudente (SP) e um dos coordenadores do estudo.
Em entrevista à RBA, Girardi explica que a possibilidade de sobreviver, ainda que seja com o pouco dinheiro distribuído pelo Bolsa Família, é uma das principais responsáveis pela redução no número de ocupações de terras no país. Em 2012 foram registrados 253 episódios. É um número baixo, se comparado com os índices de 1999, quando houve 856 ocupações, mas demonstra crescimento se observarmos os números de 2010, com 184.
O baixo número de ocupações reflete no baixo número de novos assentamentos construídos no país em 2012: apenas 117. De acordo com o Relatório Dataluta, o auge da destinação de terras para a reforma agrária ocorreu em 2005, com 879 novos assentamentos. “Podemos afirmar que a partir de então tem havido um decréscimo constante no número”, explica Girardi. “O Estado faz assentamento mediante pressão dos movimentos sociais.”
O estudo aponta ainda que no ano passado 436 mil pessoas se envolveram em manifestações que pediam acesso à terra no país. Apesar de ter se afastado do noticiário, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ainda é o grupo que mais promove ocupações no país, seguido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). No total, há 116 movimentos sociais organizados no campo brasileiro. Apenas 23 organizaram ocupações em 2012.
Girardi aponta que o país destina cada vez mais terras à agricultura, mas ressalva que o crescimento da estrutura fundiária ocorre de maneira concentrada. “A maior disponibilidade de terras ocorre paralelamente à manutenção dos níveis de concentração”, pontua. “Ou seja, novas terras estão indo para as mãos das mesmas pessoas que já são proprietárias.”
O relatório apontou um crescimento de 6,3 milhões de hectares na estrutura fundiária brasileira. A que se deve esse aumento?
Basicamente, à expansão da fronteira agrícola, regularização fundiária e grilagem de terras. Esse número não é obtido por detecção via satélite, mas por novas terras registradas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e que passaram a ter documentos legais ou pessoas que se declaram como suas donas. O avanço da fronteira agrícola não significa necessariamente desmatamento imediato. A pessoa pode se declarar posseira de uma área que ainda é floresta, mas, a partir do momento em que ela consegue a propriedade da terra, ela vai desmatá-la para transformá-la em capital. Porque a agricultura tradicional ainda é predominante.
O relatório mostra que as ocupações de terra diminuíram no país. Isso está relacionado a uma possível perda de força política dos movimentos do campo, como MST?
Essa é uma questão que inclusive discutimos no último encontro da Rede Dataluta. Uma das razões para essa diminuição é a própria conjuntura econômica do país. Há disponibilidade de formas de aquisição de renda por meio do trabalho. Mesmo que não seja emprego formal, bem remunerado, há disponibilidade de trabalho no país. As pessoas passam a ter alternativas para obter pelo menos o mínimo. Isso desmobiliza a luta pela terra.
Ou seja, tem a ver com as conquistas sociais dos últimos dez anos?
Não sei se seriam conquistas sociais, mas há possibilidade de obtenção de renda via trabalho. A maior parte desses empregos paga apenas um salário mínimo. E a gente sabe que um salário mínimo não supre todas as necessidades de uma família. Outra razão para a queda no número de ocupações tem a ver com os programas de assistência social, que servem para que as pessoas pelo menos não passem fome, porque o valor também é muito baixo. Também é outro fator que contribuiu para a diminuição do número de pessoas dispostas a se sujeitar à luta pela terra – porque a luta pela terra é árdua. Fazer acampamentos por anos, em condições precárias, enfrentar pessoas armadas etc. Acaba que essa situação toda desencoraja as pessoas a participarem das ocupações.
Houve uma espécie de pacificação da luta pela terra no país?
Pacificação tem a ver também com redução da violência. E não trabalhamos com dados de violência. A violência normalmente recai sobre os movimentos de resistência. Mas o fato é que o número de ocupações diminui bastante a partir dessa conjuntura de crescimento econômico. Isso não quer dizer que os problemas no campo foram solucionados: concentração, exploração do trabalhador rural etc. Também não quer dizer que as ocupações possam voltar a crescer. Em um cenário em que não haja essa conjuntura econômica favorável, podemos ter um novo momento de crescimento das ocupações no campo.
A redução no número de ocupações também se relaciona à redução no número de assentamentos?
Justamente. O Estado faz assentamento mediante... se pegarmos a partir da década de 1990, temos a criação de assentamentos mediante pressão dos movimentos sociais. Diminuindo a pressão, também diminui o ritmo de criação de assentamentos. Uma coisa está relacionada à outra. O auge do número de assentamentos ocorreu em 2005. Podemos afirmar que a partir de então houve um decréscimo constante no número de assentamentos. Foram de 879 em 2005 para 117 em 2012.
Houve alguma mudança de orientação no governo para essa redução?
A principal explicação é mesmo a redução no número de ocupações e de reivindicações dos movimentos. Criar assentamento tem implicações em relações de poder, orçamento, tudo isso. Mas a presidenta Dilma Rousseff declaradamente disse que preferia dar melhores condições aos assentamentos existentes em vez de criar novos assentamentos e deixá-los nas mesmas condições dos atuais. Mas a gente não está vendo nenhum tipo de melhoria nos assentamentos que já existem.
A criminalização da luta pela terra também contribuiu para a redução dos assentamentos?
Os movimentos têm atribuído à ação judicial um peso muito importante para que a luta se tornasse mais tímida. Em conversa com os membros dos movimentos, dizem que essa maior atuação do Judiciário com relação à luta pela terra é um dos motivos para explicar o número de ocupações e, por consequência, de assentamentos.
O MST ainda é o principal movimento no campo. Qual é seu papel hoje?
O MST está sofrendo com a diminuição do número de pessoas dispostas a lutar pela terra. Seu impacto e sua visibilidade pública também acabam diminuindo, porque o número de ações diminui. O MST foi uma grande referência para os movimentos sociais no período em que o número de ocupações era bastante significativo. Talvez, no futuro, com uma possível retomada das ocupações, o MST retome essa dimensão.
Como o sr. avalia a política agrária do governo Lula e Dilma?
Eu esperaria algo mais reformador.
Quantas famílias se estima que sejam a clientela da reforma agrária no país?
Mas não é possível conhecer esse número, porque, afinal, quem seria a clientela da reforma agrária? Essa pessoa que vive com salário mínimo e Bolsa Família, por exemplo, é cliente da reforma agrária? É um cliente em potencial? Se a conjuntura econômica favorável desaparece, ela vai ser novamente um potencial beneficiário? Difícil saber. Outra questão: os potenciais beneficiários são apenas aqueles que lutam, que fazem ocupação, ou aqueles que podem jamais ter feito ocupação, mas que se enquadram nas características socioeconômicas? Temos nos assentamentos brasileiros 933.836 famílias. Esse número, na verdade, é a capacidade dos assentamentos. Pode haver mais ou menos. Há lotes com assentados e agregados. E há lotes vazios.
No relatório também entram dados sobre a luta pela terra dos indígenas?
Sim, entra o número de ocupações de terra feitas por indígenas, que tem aumentado. Primeiro, aumentou o conflito porque o agronegócio, principalmente com a expansão do setor sucroalcooleiro e madeireiro, está avançando sobre as terras indígenas, e os indígenas passaram então a requerer demarcação, porque as áreas não estavam demarcadas. Aí você tem o surgimento de ocupações de terras por indígenas. Chamamos de ocupações de terras, mas na verdade são retomadas, que ocorrem sobretudo no Mato Grosso do Sul, noroeste do Paraná e algumas regiões do Nordeste, como o sul da Bahia.
Uma análise geral do relatório apontaria que a reforma agrária e a distribuição de terras está avançando ou retrocedendo no país?
Está paralisada. Tanto a concentração, quanto a luta, quanto os assentamentos. Estão todos paralisados, mas paralisados no contexto brasileiro: 400 mil pessoas lutando pela terra é significativo. Mas não é tão significativo quanto já foi no passado.
Quando foi o auge de mobilização?
Começamos a fazer o levantamento em 2000. O maior número entre 2000 e 2012 foi em 2007, quando havia 629.029 pessoas envolvidas em manifestações no campo. Antes de 2000, não temos os dados. Mas, provavelmente, nos momentos de pico das ocupações de terras tivemos efetivos de pessoas maior do que esse.

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