Na madrugada de domingo para segunda-feira(11), a Embaixada do Brasil em Berlim, que também é a residência da Embaixadora, foi alvo de um ataque a pedradas por parte de um grupo de mascarados, por volta de uma hora. As primeiras informações falavam em quatro apedrejadores, mais tarde houve informações de que seriam até dez. Foram filmados pelas câmaras de segurança, mas sem possibilidade de identificação. Fugiram antes que a polícia chegasse.
No dia seguinte apareceu na internet uma mensagem ( Kämpferische Botschaft nach Brasilien, em linksunten-indymedia.org) em alemão, dizendo que o ataque – usando “as armas do povo – as pedras” eram um protesto contra a realização da Copa no Brasil e os altos gastos decorrentes.
Seria um acontecimento apenas ridículo (não houve vítimas, somente danos materiais) se não fosse pela moldura em que ele se dá.
Há uma verdadeira campanha contra o Brasil, na mídia alemã e na europeia, que atinge jornais, revistas, rádio e TV. Há campanhas sistemáticas na internet. Parte da campanha, a mais ideológica, é contra o governo de Dilma, contra Lula e contra o PT. Parte dela é contra o Brasil mesmo, o país em que nada funciona, tudo é precário, campeão da corrupção, da violência, homofóbico, cujo governo não tem preocupação pelo meio-ambioente, país apenas de miséria e pobreza, favelas e cortiços, país que é um fracasso de qualquer ponto de vista que se olhe, até do futebol.
Todos os dias pinga uma matéria na mídia ou na internet falando mal do Brasil, do seu governo. Até nas discussões sobre os 50 anos da ditadura militar sobrou para o Brasil atual. Uma das sessões a que fui contou com a participação de uma professora universitária vinda especialmente do Brasil para pontificar que o nosso país era um país sem memória, despolitizado, violento em todas as dimensões, etc., motivando até mesmo uma senhora do público a dizer que, de fato, o nosso país era uma país sem cultura, onde só havia “samba e música”(sic). Sem comentários.
Pior do que o Brasil na América do Sul, só a Venezuela.
Nunca se escreveu, disse, projetou em áudio-visual, nunca se repetiu tanta estupidez, ofensa, bobagem, nunca se construiu tanta desinformação ignorante disfarçada de informação e “denúncia”, sobre o nosso país como agora. É claro que para o lado mais politizado da campanha – que não precisa de conspiração, bastando apenas orquestração – qualquer referência ao Brasil de hoje, incluindo a Copa, tem na verdade por alvo o Brasil de outubro, para ajudar a desacreditar o governo de Dilma Rousseff e favorecer a oposição, seja ela qual for. O lado menos politizado, mas não menos campeão em matéria de construir a desinformação e a ignorância, tem por fulcro visível um desejo de “devolver o Brasil ao seu lugar”, de onde, pelo visto, ele não deveria ter saído.
Reconheçamos que o mesmo até acontecendo na nossa querida velha mídia, monopolista e oligárquica, dentro do país. Parte, portanto, destas campanhas, é uma ressonância do que aparece dentro das nossas próprias quatro linhas. Nossa velha mídia vem mobilizando constantemente o desejo de retorcesso por parte de quem acha seus privilégios – sejam lá quais forem, ilusórios ou não – ameaçados pelas melhorias sociais que mudaram o perfil do nosso país. São pessoas e mídias que reproduzem uma imagem usada, com outros propósitos, por Marshall McLuhan, em seu livro dos anos sessenta, The Medium is the Message”: avançam para o futuro de olho no espelho retrovisor. Acham que é possível abafar o país e voltar a uma época em que, por exemplo, andar de avião era privilégio de poucos. Isto para falar o mínimo, diante de temas como entrar na universidade, desfrutar lazer e espaços culturais, ganhar mais no salário, ver os filhos educados no Bolsa Família quebrando o círculo vicioso da miséria que tende a se auto-reproduzir.
Fazendo um amálgama de má-fé, ingenuidade, desinformação construída, ignorância, etc., também nunca se escreveu, falou, se divulgou em todos os meios tanta estupidez sobre o Brasil no próprio Brasil também. Talvez nunca também com tanto ódio ressentido, e desprezo enrustido por nossa própria terra e nosso próprio povo. E também com ajuda de vozes da extrema-esquerda, que sistematicamente desqualificam todas as melhoras por que o país vem passando.
No plano internacional a parte mais politizada da campanha (e aí é campanha mesmo, no sentido estrito da palavra) é liderada pelos porta-vozes da City financeira londrina, The Economist e Financial Times, mas com a participação mais eventual de articulistas em outros jornais, como o New York Times e o El País, por exemplo, embora a linha destes jornais compreenda uma pequena, porém maior diversificação do que a daqueles dois panfletos antiBrasil, antiDilma, e – last but not least – antiGuido Mantega. É a campanha contra o fracassado governo “intervencionista” do Brasil e da louvação desmedida do governo “de sucesso” do México, porque este segue o receituário (neo)liberal que, na realidade, catapultou a pobreza em seu território, que hoje chega a pouco mais de 50% da população.
A parte mais “generalista” da campanha põe suas fichas em devolver o país a uma imagem que era mais cômoda para as abaladas consciências eurocêntricas, neste momento em que este continente vem se revelando um dos campeões do empobrecimento mundial. (Sou muito preciso nesta observação: empobrecimento, ainda não pobreza, embora esta venha aumentando de modo assustador e desolador). Num período em que o mundo perdeu 60 milhões de postos de trabalho (mais ou menos de 2002 a 2012, com acentuação das perdas a partir da crise de 2007/2008) o Brasil criou 16 milhões de novos postos de emprego formal.
Num momento em que na Europa se corta na carne dos direitos sociais e portanto da cidadania de fato, os trabalhadores brasileiros vêm tendo os salários melhorados, graças à política de aumento do salário mínimo, à situação considerada como de pleno emprego (para desespero dos economistas ortodoxos) e vêm aumentando sua participação na renda nacional. Mais: o Brasil se tornou um porta-voz não oficial dos países emergentes no G-20 e passou de devedor a credor no FMI – emprestando dinheiro (ainda que pouco diante das gigantescas injeções de verbas que necessárias para atender seu abalado sistema financeiro) à velha Europa! Eu poderia continuar citando “perturbações da velha imagem”, mas estas bastam para dar conta de onde vem este verdadeiro sentimento, esta necessidade ressentida, de “devolver o Brasil a seu lugar”, que ora é consciente mas também é inconsciente.
Dentro desta moldura, não dá para deixar de se considerar que, mesmo involuntariamente, as pedradas que a Embaixada levou são uma extensão – ainda que atravessando a fronteira da retórica em direção ao “desforço físico” – das pedradas que o Brasil vem levando e que alimentam o ressentimento e o desprezo pelo nosso país.
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