O justiceiro
André Singer (*)
Ao renunciar de repente à presidência e à condição de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa atrai outra vez os holofotes para si. Se quisesse, de fato, tranquilidade para assistir aos jogos da Copa, como disse, teria maneiras mais eficientes de obtê-la. O gesto o coloca no primeiro plano do noticiário.
O último ato de Barbosa, 15 dias antes de anunciar que deixaria o cargo na corte, havia sido o de proibir que os condenados do mensalão trabalhassem fora. A controvertida decisão autocrática do comandante da ação penal 470 deveria ir a plenário logo e, a julgar pelo que ocorreu no tema da formação de quadrilha, seria revogada pela maioria dos seus pares.
É possível que, ante a probabilidade de ser derrotado nos próximos dias, o que empanaria a imagem que se esmerou em construir, Barbosa, que já havia deixado transparecer vir pensando em abandonar o STF, tenha achado por bem apressar a iniciativa. Deixa fixada, assim, a aura de justiceiro, aquele que efetivamente conseguiu colocar na prisão gente poderosa, algo que constava como impossibilidade no imaginário desta nação tão desigual. O que for feito depois não será mais responsabilidade dele.
Infelizmente nada indica que a verdadeira cruzada movida por Barbosa para levar à cadeia líderes do PT seja mais do que isso: um caso de endurecimento judicial que recaiu apenas sobre um dos times do campeonato político nacional. Onde estão os acusados do mensalão do PSDB? Quem aplicará às denúncias que envolvem o Metrô de São Paulo a mesma sanha punitiva vista na ação penal 470? Não está a Operação Lava Jato a mostrar que os métodos de financiamento da política continuaram intactos depois do processo do mensalão? Barbosa não deveria permanecer na ativa se quisesse, de fato, equilibrar o jogo?
Ainda que divergindo quanto ao mérito, convém reconhecer a força pessoal do ex-promotor na condução do rumoroso julgamento do mensalão. Embora obviamente favorecido por um enorme apoio da direita e por uma cobertura de mídia mais do que simpática a condenações fortes, o relator mostrou capacidade de dirigir os trabalhos e, até que houvesse a recomposição recente, a maioria dos colegas para a conclusão exemplar que defendia.
O fato de ser um homem de origem humilde, o primeiro negro a ocupar um lugar no STF, ainda por cima escolhido por Lula, legitima Joaquim no papel daquele que veio para instaurar a igualdade perante a lei, aspiração do povo há pelo menos 200 anos. Numa inversão bem brasileira, ele o fez contra a esquerda, que nunca havia estado no poder. Em virtude de incríveis acasos históricos, resulta, por isso, em sério candidato à liderança do conservadorismo popular que existe por aqui.
avsinger@usp.br
André Singer é cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
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