Prisão no 1º de Maio
"Só não me venham com mentiras", reagiu Maria Laiz, mãe de Genoíno, quando soube da volta do filho a prisão
Paulo Moreira Leite 
A prisão de José Genoíno é um novo sinal político. Só durante a ditadura os militantes do movimento operário eram presos no 1º de Maio. Depois disso, a data era respeitada. Havia um compromisso tácito, um respeito por aqueles milhões de brasileiros que ajudaram a transformar o país numa democracia.
A primeira a perceber o que se passava foi Maria Laiz Nobre Guimarães. Aos 89 anos, ela acompanhou o noticiário sobre a volta do primogênito à Papuda pela TV parabólica da casa onde mora, em Encantado, no interior do Ceará. Quando atendeu ao telefone, ficou com receio de que tentassem amenizar sua dor:
Genoíno retornou a Papuda no 1º de Maio, data histórica dos trabalhadores, depois de ter sido preso pela primeira vez em 15 de novembro, da República.
Veja só. Ele foi condenado por corrupção ativa e cumpre pena de quatro anos e oito meses. Genoíno embolsou algum no esquema? Nem um centavo. Colocou a mão em algum trocado? Não. Entregou para alguém? Assinou os empréstimos do PT. Sabe o que a PF concluiu? Que foram empréstimos legítimos, entregues ao partido.
Este é o corrupto preso do 1º de maio.
Como disse dona Maria Laiz: “só não me venha com mentiras, meu filho.”
É mais engraçado do que isso.
A Polícia Federal informa, desde 2006 – está lá, no inquérito 2474 que ficou escondido dos ministros do STF até o julgamento da AP 470 -- que Pimenta da Veiga recebeu R$ 300 000 das agências de Marcos Valério.
Até agora, Pimenta não foi julgado nem condenado. Já colheu um benefício: o tempo trabalha para ele. A PF encontrou zero centavo a mais na conta de José Genoíno. Também apurou as contas de familiares – e nada. O Ministério Público atesta sua honestidade. Admite isso.
Mas ele voltou à Papuda, ontem.
Pimenta da Veiga, ao contrário de Pizzolato e de João Paulo, admitiu que o dinheiro foi para ele. Explicou que eram honorários advocatícios.
Ao contrário de João Paulo, não apresentou documentos para provar o que dizia além de sua própria palavra. Quando os policiais perguntaram qual era a causa que poderia justificar honorários tão bons, Pimenta alegou que fizera serviços internos para as agencias de Marcos Valério. Ele, que acabara de deixar o ministério das Comunicações, três meses antes do dinheiro entrar na conta, já estava advogando para as agencias do valerioduto. Em serviços internos.
Recebeu um dinheiro que, com algum reforço, daria para Genoíno comprar uma casa ao lado da sua.
Se um dia Pimenta da Veiga se tornar réu, terá assegurado o direito a um julgamento em segunda instância. Se tudo der errado, dará certo para ele.
Terá muito mais chances de provar seus pontos de vista. É o correto.
Pela idade, tem 100% de chances de escapar das penas a que eventualmente venha ser condenado porque já terá completado 70 anos, quando a denúncia – se for feita – estará prescrita. Olha outro momento de sorte. Outro azar de Genoíno. Ele completa 68 anos amanhã, na cadeia.
Pimenta recebeu o dinheiro no início de 2003, meses depois de deixar o ministério. Mesmo assim, está enquadrado no mensalão mineiro, que é de 1998. Deve ser um milagre de denuncia retroativa.
Confesso não saber se Pimenta é culpado de alguma coisa. Acho errado pré condenar qualquer pessoa. Ele tem o direito de ser tratado como inocente, até que se prove o contrário.
A discussão política, contudo, é útil.
É um truque que se utiliza de dados verdadeiros para sustentar teses falsas quando é conveniente. Não vamos lembrar os muitos momentos históricos em que isso foi feito porque seria muito constrangedor. Basta dizer que seu efeito é estimular o ressentimento e não a vontade de Justiça.
Numa homenagem ao 1º de Maio, não custa lembrar um episódio comum sob a ditadura militar. Sempre que os trabalhadores faziam greve, os amiguinhos dos generais na política e na imprensa diziam que os sindicatos eram egoístas, queriam dar aumento para quem já ganhava bem, tinha carteira assinada, enquanto a maioria do povo vivia na miséria. Entendeu, né? É por isso que aos 89 anos dona Maria Laiz sempre avisa que não quer ouvir mentiras.
Este mesmo raciocínio se tenta aplicar hoje contra Genoíno. Todo mundo sabe que ele sofre de uma cardiopatia grave, ainda que controlada. A mortalidade de sua doença é alta, ainda que sua cirurgia de implante de um tubo no peito tenha sido feita pelos melhores médicos do país.
Qualquer médico sabe que ele estará melhor em casa, em situação de melhor conforto e cuidado, do que num presídio. Os médicos que examinaram Genoíno discordam sobre a conveniencia de enviá-lo para a Papuda.
A maioria dos médicos que examinou Genoino deixou clara, por vias claras ou indiretas, que as condiçoes de tratamento em casa são infinitamente melhores. Elas ajudam a explicar sua recuperação. É sintomático que ninguém tenha ficado surpreso com o fato de que Joaquim Barbosa tenha optado pelo laudo mais favorável ao encarceramento. Medicina? Não. Política.
Numa atitude correta, mas cuja razão de fundo é fácil de adivinhar, Joaquim autorizou o médico de Genoíno a entrar na Papuda a qualquer momento.
Se milhares de prisioneiros, com problemas de saúde equivalentes, não conseguem cumprir prisão em regime domiciliar, embora tenham o mesmo direito, a responsabilidade é do sistema prisional, do Estado, quem sabe até do presidente do STF ou mesmo do ministro da Justiça. Só não pode ser imputada a Genoíno, certo?
O médico particular de Genoíno mediu sua cogulação e prova, com base em laudos do laboratório Sabin, um dos mais respeitados de Brasília, que seus índices estão abaixo da média recomendável. O índice de é de 1,7, enquanto o recomendável fica entre 2 e 3.
Os outros prisioneiros-pacientes da Papuda têm o mesmo atendimento? Têm o mesmo médico? É claro que não. Infelizmente.
Está errado? Não. É um direito dos ministros do Supremo.
A desigualdade estrutural de um país não impede nenhuma pessoa de fazer o que tiver a seu alcance – dentro da lei -- para defender seus direitos.
É errado culpar um indivíduo pelo conjunto de mazelas de uma sociedade. É uma espécie de covardia retroativa. Um dos mais eruditos juizes da Suprema Corte dos Estados Unidos, Antonio Scalia, de insuspeitas credenciais conservadoras, deu uma lição inestimável para o debate desses casos.
Lembrou que ninguém pode ser responsabilizado individualmente pelos erros das gerações passadas.
Num debate sério, produtivo, Genoíno deveria ser comparado com pessoas de condição equivalente. Por exemplo, Pimenta da Veiga.
O problema aí é um efeito desagradável. Na condição de relator da AP 470, Joaquim Barbosa foi um dos responsáveis, ao lado do procurador geral Antonio Fernando de Souza, de manter o laudo 2474 em segredo de Justiça – e ali aparecia o curioso pagamento a Pimenta da Veiga.
O ministro do STF Celso de Mello chegou a cobrar, em tom indignado, que o 2474 fosse exibido aos ministros, antes do julgamento. Joaquim se negou. Disse que não traria maiores novidades. Alegou que poderia provocar novos atrasos. Foi uma pena.
Na época ninguém estava prestando a devida atenção ao julgamento. A maioria dos observadores apenas engrossava o coro de “Morte aos cães!” que eles tanto condenavam quando era ouvido em tribunais stalinistas. Mas seria curioso tomar conhecimento de casos fora do roteiro do “maior espetáculo da terra.”
Imagine se, por acaso, alguém entrasse na página 179 do Relatório da Polícia Federal, incluído no inquérito, e encontrasse o dinheiro para Pimenta da Veiga.
Quinze vezes mais do que o dinheiro recebido pelo professor Luizinho que, após oito anos de massacre midiático, foi inocentado.
Genoíno pode, sim, ser julgado por seus atos e por suas ações políticas no presente. E aí vamos combinar que poucos cidadãos brasileiros – dentro ou fora prisão – construiram uma folha de serviços tão respeitável na luta contra a desigualdade e pelo progresso dos mais pobres.
A postura combativa mesmo na prisão lhe gerou punições suplementares quando Genoíno organizou um protesto pela morte de Vladimir Herzog, o jornalista assassinado no porão pela atividade militante no PCB, em 1975. Estimulados por Genoíno, os presos batiam nas grades, gritavam o nome de Herzog, faziam todo barulho que conseguiam. Por causa disso, Genoíno foi punido e enviado para o Ceará, onde teve de cumprir parte de sua pena. Saiu arrastado da cela.
Essa é a diferença, que salta aos olhos no 1º de Maio.
- Não me venha com mentiras, meu filho.
- Não me venha com mentiras, meu filho.
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