O silêncio oportunista
que avaliza massacre
dos palestinos por Israel
Não
pergunto aos meus botões em que mundo vivemos, temo a resposta. A crise mundial
dispensa maiores apresentações. Moral e intelectual antes que econômica, embora
esta confirme aquelas precedentes. Por que a humanidade rendeu-se à religião do
deus mercado? Por que aceitou passivamente as leis de uma fé que aproveita a
poucos e infelicita os demais?
Às vezes me
colhe a sinistra sensação de que já começou uma nova, peculiar Idade Média. O
mundo, seduzido pelo chamado avanço tecnológico, vítima de uma globalização dos
interesses da minoria, distanciados os homens uns dos outros não somente pelo
crescente desequilíbrio social, mas também pela versatilidade da mirabolante
internet, não se apercebem do eclipse dos valores e dos princípios, e da
ausência de poetas e pensadores.
É
nesta moldura que se desenrolam os acontecimentos destes dias a agitarem a
política internacional, e também se movem minhas dúvidas e perplexidades em
relação aos comportamentos dos donos do poder, das chamadas opiniões públicas e
dos sistemas midiáticos. No caso, a mídia nativa confirma apenas a sua
insignificância, ao imitar simplesmente os exemplos chegados de fora.
Então
vejamos. Por que os restos retorcidos do avião malaio derrubado no céu
ucraniano ganham a primazia nas primeiras páginas e na fala sincopada dos
locutores, no confronto com os mortos e a devastação na Faixa de Gaza? Não
proponho um enigma. Trata-se do resultado da demonização de Putin misturada com
o longo alcance do lobby judeu. De certa forma, a queda do avião veio a calhar
para os senhores do mundo, sem detrimento da brutal gravidade do fato e a
desolação causada pela morte de 298 semelhantes. Serviu, porém, para desviar a
atenção, até onde foi possível, de algo muito mais grave para a paz global.
É
no Oriente Médio que se decide o futuro do planeta, e isso é do entendimento até
do mundo mineral. A questão da Ucrânia é complexa e ameaçadora, mas o império
soviético, cuja presença estaria habilitada a precipitar severas complicações,
ruiu há 25 anos. O Ocidente, ainda sujeito ao império norte-americano, tende a
apresentar Putin como uma espécie de herdeiro tanto da URSS quanto do czar. Não
é bem assim, está claro. O defeito do líder russo é sua inteligente
independência, em que pesem sua prepotência e eventual ferocidade, e sem falar
das preocupações geradas por seu envolvimento na criação de uma nova ordem
pelos BRICS. Outra a dimensão da questão médio-oriental, para a qual reflui o
efeito dos momentos mais tensos das últimas décadas.
Feridas
profundas continuam
a sangrar em toda a região, marcada pela progressão do fundamentalismo
islâmico, por revoluções em pleno curso, pelos erros das políticas ocidentais,
que aliás são seculares. E por guerras fracassadas, por revoltas malogradas,
por atrocidades sem conta, por desmandos imperdoáveis. Etc. etc. No centro
deste arcabouço instável, sempre à beira do desastre fatal, está Israel, Estado
poderosíssimo por força própria e de quem o sustenta, a ocupar, desde o
pós-Guerra, uma terra antes habitada por outro povo, conquanto também semita,
há cerca de 2 mil anos.
Eu,
por exemplo, não sou responsável pelo holocausto. Lamento, mesmo porque ceifou
a vida de excelentes amigos dos meus pais, mas não me induz ao remorso, e tanto
menos até hoje, quando a invasão da Faixa de Gaza pelas formidáveis tropas
israelenses evoca a invasão do Corredor Polonês pelo exército de Hitler em 1º
de setembro de 1939, estopim da Segunda Guerra Mundial. O Ocidente neoliberal
diz que Tel-Aviv tem direito a se defender contra o terrorismo do Hamas. Já o
Hamas sustenta estar em luta pelo resgate da terra usurpada.
Por
cima das razões
de cada um, a disparidade exorbitante entre as forças não pode deixar de influenciar qualquer juízo, para fortalecer a inequívoca percepção de que de um
lado morrem soldados e do outro civis, e muitas crianças, em proporções
absolutamente incomparáveis. Estamos diante de uma ofensa irreparável aos
Direitos Humanos. Que visa Israel? Eliminar 1,8 milhão de palestinos? Dói
demais, na circunstância, a falta de reação de uma porção do mundo que se
pretende civilizado e democrático e, de verdade, sucumbe à soberania do
dinheiro. Avulta, nesta encenação trágica, a ausência de lideranças, a falta
daquele gênero de personagens que já ofereceram espaço à política e a
praticaram com competência para assumir o controle da situação e ditar as
regras.
Contamos
com uma galeria de figuras medíocres, quando não parvas, incapazes de enfrentar
a turva realidade para impor um rumo. E isso tudo nesta hora que denigre o
gênero humano e denuncia a chegada da nova Idade Média. Louvo a iniciativa da
chancelaria brasileira: chama às falas o embaixador israelense e de volta ao
País o embaixador brasileiro em Tel-Aviv. Mas o Brasil pode e deve muito mais.
Por exemplo, convocar a ONU, como sempre inerte, a condenar o massacre e
mostrar às lenientes democracias ocidentais o caminho da razão.
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