Os BRICS e a fábrica de mitos
Alejandro Nadal – La Jornada
No primeiro ano deste século inventou-se o acrônimo BRIC. A abreviatura compunha-se das iniciais de quatro países cujas economias eram consideradas potências emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China.
Em 2003, o Goldman Sachs prognosticava que, em quarenta anos, os países do BRIC teriam um papel preponderante nas finanças, comércio, indústria, ciência e tecnologia à escala mundial. O seu produto interno bruto excederia o do G6 para esses anos (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Itália). De acordo com essas projeções, cada membro do BRIC ultrapassaria as economias do G-6, salvo a dos Estados Unidos (que só seria superada pela China).
Entre 2003 e 2008, o prognóstico parecia ir no bom caminho. As quatro economias mantiveram altas taxas de crescimento e os seus sinais vitais em matéria de estabilidade e contas externas pareciam saudáveis. Em abril de 2010, o Brasil foi o anfitrião de uma reunião dos quatro países e, nessa ocasião, a África do Sul foi convidada a unir-se ao grupo. O acrônimo passou a ser BRICS.
A série de crises financeiras dos anos noventa e as assimetrias crescentes na economia mundial mostraram sem ambiguidades as funestas consequências de aplicar as receitas do consenso de Washington. O surgimento do BRICS gerou expectativas sobre possíveis reformas no sistema monetário internacional e mudanças de orientação nas políticas do Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio. Ao estourar a crise global em 2008 a esperança em alguns círculos sobre o potencial do BRICS para alterar o rumo da globalização neoliberal reavivou-se.
O Brasil sediou a sexta cúpula dos líderes dos países integrantes do BRICS. Mas as economias do grupo não estão em boas condições de saúde e distam muito de se terem desmarcado da globalização neoliberal.
Em cada uma destas economias os problemas são diferentes. Mas em todas elas a taxa de crescimento tem diminuído: este ano, o crescimento no Brasil e Rússia mal será de 3 por cento; na Índia será de 4 por cento e na África do Sul o resultado será um medíocre 2 por cento. A China, a estrela do grupo, poderá atingir uma taxa de 7 por cento. E as contas externas do grupo deterioraram-se. Brasil, Índia e África do Sul mantêm fortes défices de conta corrente e isso requer financiamento externo. Cada vez mais, o financiamento faz-se com créditos de curto prazo e com maior endividamento em divisas estrangeiras e não em moeda local. Além disso, todos os BRICS têm avultados défices fiscais (Brasil 2.4, África do Sul 3.7 e a Índia 8.2). Tudo isso agrava a sua vulnerabilidade num contexto em que as condições de financiamento externo são desfavoráveis.
A crise na União Europeia e nos Estados Unidos acabou por travar os BRICS. É normal porque a fase crescente do ciclo expansivo no mercado mundial de produtos básicos não podia durar eternamente e ainda menos num meio recessivo. Quem sabe o mais importante é que graças à crise esses países têm apostado mais no endividamento interno para manter os seus ritmos de crescimento. Por outra parte, em três membros do BRICS as obras faraónicas derivadas de competições desportivas mundiais têm sido ao mesmo tempo uma fonte de despesa e um motor (conjuntural) de crescimento: as Olimpíadas de inverno em Sochi (51 mil milhões de dólares), as Olimpíadas de Beijing (40 mil milhões de dólares) e o Mundial de Futebol no Brasil (19 mil milhões de dólares). A ressaca financeira após esses eventos não é precisamente uma fonte de dinamismo económico.
As notícias sobre um novo banco do BRICS e a possível criação de um esquema de intercâmbios comerciais em moedas destes países devem ver-se com ceticismo. Este bloco é mais um clube de países com interesses políticos e comerciais comuns do que com uma agenda de mudança na economia internacional. À China convém a estabilidade na África do Sul porque aí estão algumas fontes de matérias primas de importância estratégica. À Rússia interessa-lhe o apoio do grupo para enfrentar as sanções dos Estados Unidos pela crise na Ucrânia. Ao Brasil inquieta-lhe uma redução na taxa de crescimento da China porque depende em muito desse mercado para produtos primários. E a todos os líderes dos BRICS preocupa-lhes o seu desprestígio e a falta de credibilidade política internamente.
O modelo neoliberal baseado na necessidade de manter salários competitivos continua a ser a espinha dorsal das diretrizes da política económica nos BRICS. Desde as brutais condições de exploração nas minas na África do Sul, até às práticas das máfias na Rússia, passando pelos abusos sobre os povos nativos na Índia e a exploração dos camponeses sem terra no Brasil, o neoliberalismo mantém-se nos BRICS. Os resultados da cimeira do grupo no Brasil não devem enganar. A globalização neoliberal não será desafiada por um grupo de líderes de países nos quais o neoliberalismo se mantém triunfante.
(*) Artigo publicado no La Jornada. Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net
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