Diante de um mundo sem cartas, os Correios mudam
Wagner Pinheiro, presidente dos Correios, explica as mudanças na estatal para enfrentar as mudanças nas comunicações pessoais.
Samantha Maia
O presidente dos Correios, Wagner Pinheiro, aposta na diversificação |
Na segunda-feira 7, os Correios aprovaram a criação da CorreiosPar, subsidiária
responsável por administrar um grupo de companhias com a missão de mudar completamente o perfil da estatal.
A
tradicional entregadora de cartas fundada há 350 anos pretende transformar o setor de logística de entrega de mercadorias em um negócio específico e prestar serviços de comunicação digital, telefonia móvel, serviços bancários e transporte aéreo de cargas. Com as mudanças, planeja dobrar a receita da empresa, hoje de 16,6 bilhões de reais.
Pressionada pelo aumento da comunicação pela internet e a diminuição da troca de correspondência física, a empresa monopolista dos serviços de cartas no Brasil enfrenta o desafio da mudança de plataforma do seu negócio, da entrega de mensagens escritas em papel (responsáveis por 53% da receita) para as veiculadas por meios digitais. Em 2013, os Correios lucraram 325 milhões de reais, queda de 71% em relação a 2012. Os custos subiram 15%.
Segundo Wagner Pinheiro, presidente da empresa desde 2011, posto assumido com a missão de elevar os padrões de governança e liderar a transição para o novo modelo de negócios, os resultados em 2014 serão pressionados pelo aumento de custos sem espaço para crescimento proporcional das tarifas. O incremento virá das novas fontes de receitas. “A experiência e a credibilidade adquiridas com a operação de correspondência tradicional constituem uma base sólida para ampliarmos os nossos serviços”, diz Pinheiro. Na entrevista a seguir, o executivo detalha as principais ações da empresa.
CartaCapital: Como os Correios se prepararam para as mudanças do setor?
Wagner Pinheiro: Os avanços tecnológicos provocaram transformações mundiais. Os cidadãos usam menos as cartas e as remessas de mercadorias, antes pessoa a pessoa, passaram a ocorrer entre empresas e dessas para os consumidores. Isso obrigou o setor postal a buscar opções. A inclusão de mais de 40 milhões de brasileiros no mercado nos últimos dez anos manteve o volume de correspondência estável. Mas a tendência mundial é de queda de 6% a 10% ao ano, e no médio prazo o Brasil seguirá esse caminho. Isso torna necessário oferecer novos serviços e usar com eficiência a nossa rede de atendimento presente em todo o Brasil.
CC: Que serviços são esses?
WP: Trabalhamos para atuar mais fortemente com comunicação digital, serviços bancários e entrar na telefonia celular virtual. Desde o ano passado usamos a tecnologia chamada e-Carta, pela qual o cliente manda um e-mail com um arquivo, os Correios imprimem e enviam a partir do posto mais próximo do destinatário. Prestamos o serviço para tribunais de Justiça e digitalizamos esses documentos para mantê-los guardados pelo tempo necessário. Vamos acelerar a oferta dessa modalidade a partir da parceria com a companhia Valid, de certificação digital e gestão de documentos eletrônicos.
CC: Em que fase está essa parceria?
WP: No momento há um levantamento dos negócios das duas empresas na área. Pretendemos operar a partir de novembro. Será muito importante por agregar valor a serviços como a entrega de extratos bancários e contas de água, luz, telefone. É uma ação para enfrentar a substituição das postagens pela publicação na internet. Os Correios oferecerão um serviço mais sofisticado em relação à remessa, uma comunicação multicanal (física e digital), para não perder clientes. Vamos propor às empresas o gerenciamento dos arquivos eletrônicos.
CC: Como está a experiência dos Correios no setor financeiro?
WP: Ampliamos neste ano a parceria com o Banco do Brasil no Banco Postal criado em 2000, para oferecer todos os produtos disponíveis em qualquer instituição bancária, um serviço anteriormente não permitido aos Correios. Temos projeto piloto em 80 agências e 3 milhões de contas foram abertas com o Banco do Brasil. Nosso objetivo é aumentar significativamente esse mercado. Milhões de indivíduos ainda não têm conta bancária no País. Em mais de 1,6 mil municípios, a única agência é o Banco Postal. Esse é o papel de uma empresa pública, de buscar resultados econômicos, mas também ir aonde a iniciativa privada não chega.
CC: Quando deverá ser lançado o serviço de telefonia celular virtual?
WP: O projeto com o Poste Italiane, de experiência exitosa na Itália com a marca Poste Mobile, só não andou mais rápido por causa de uma mudança na diretoria do grupo italiano. Pretendemos retomá-lo no segundo semestre, quando escolheremos o parceiro para a infraestrutura do serviço, uma operadora de celular tradicional. Usaremos a rede do parceiro, mas todo o relacionamento do cliente será com a nossa estrutura de atendimento. Esse tipo de serviço tem abocanhado 8% da parcela do mercado global de telefonia móvel nos países onde é implantada. Queremos ser líderes no Brasil nesse segmento.
CC: O que determinará a escolha do parceiro?
WP: As melhores condições oferecidas pelos grandes operadores quanto à abrangência, custo e oferta de serviços. A Poste Mobile terá a maior parte do capital e nós ficaremos com cerca de 49% via CorreiosPar.
CC: Ter a maior parte do faturamento proveniente de correspondência é uma desvantagem para os Correios hoje?
WP: Não. A experiência e a credibilidade adquiridas com essa operação nos permitirão ampliar nossos serviços. Aumentamos os investimentos na entrega de encomendas para construir uma grande empresa de logística. O objetivo é em dez anos faturar 15 bilhões de reais por ano nessa área, o equivalente à receita atual dos Correios. Ofereceremos serviços integrados para empresas interessadas em terceirizar a gestão de estoques.
CC: Como se dá a atuação dos Correios no comércio eletrônico?
WP: Temos 45% do segmento de comércio eletrônico no Brasil, por meio de parcerias com 6 mil lojistas, entre eles grandes varejistas como o Magazine Luiza e serviços de venda pela internet como a Netshoes, o Mercado Livre e o PayPal. O segmento representa 23% da nossa receita de encomendas. Os Correios cresceram 17% nesse setor, em 2013. Queremos incrementar o serviço com controle e manutenção de estoque, busca de produtos nas fábricas, entrega aos clientes, logística reversa para troca e conserto. Hoje fazemos apenas a entrega a partir da fábrica ou centro de distribuição.
CC: Os Correios temem a concorrência da americana FedEx no mercado brasileiro?
WP: Toda concorrência preocupa. Investimos para oferecer serviços com qualidade suficiente com o objetivo de deixar os nossos clientes satisfeitos. Mas a concorrência é natural, com exceção da exclusividade postal a nós garantida por monopólio. Crescemos mais de 25% ao ano na entrega de encomendas nos últimos anos, fruto do aumento do comércio eletrônico. Temos um terço desse mercado no Brasil. A entrada da FedEx nos obriga a ser mais eficientes.
CC: Como a empresa tem se preparado para crescer em encomendas?
WP: Investimos em tecnologia da informação, melhora do rastreamento e infraestrutura, com ampliação da nossa rede de centros de logística. Em 2012, foram investidos 404 milhões de reais. No ano seguinte, 575 milhões, e neste serão de 580 milhões a 600 milhões. No ano passado, investimos 118 milhões em tecnologia. Até 2017, os investimentos chegarão a 900 milhões de reais. Abrimos 20 mil postos de trabalho nos últimos três anos. Isso tudo faz parte do esforço para melhorar o atendimento. Avaliamos também uma parceria com uma empresa privada de logística para ampliar nossa participação com maior rapidez. No setor de transporte aéreo de cargas, aguardamos a aprovação do Cade para adquirirmos uma parcela de 45% a 49% dos Correios na Rio Linhas Aéreas.
*Publicada originalmente na edição 808 de CartaCapital, com o título "Ninguém escreve ao coronel"
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