O Banco dos BRICS colocou o Nordeste na
geopolítica mundial, mas ninguém notou
Jura Passos
Num primeiro momento, os jornais brasileiros tentaram ignorar a criação do Banco dos BRICS.
Depois tentaram transformá-lo num bric-a-brac – um brechó. Reduziram a quinquilharias o acordo multilateral reunindo o Brasil, a Russia, a China, a Índia e a África do Sul – que sozinhos poderão abrigar, nos próximos dez anos, segundo dados da revista Exame, 1,8 bilhão de consumidores com renda superior a três mil dólares anuais, entre os quais 200 milhões com ganhos acima de 15 mil dólares.
Perderam uma excelente chance de falar mal da presidente Dilma com argumentos mais qualificados. Poderiam dizer, por exemplo, que esse dinheiro seria melhor empregado reduzindo a dívida pública e, portanto, a taxa de juros. Que ele poderia financiar projetos de infraestrutura de que o país tanto necessita. Que poderia pagar salários capazes de fazer os doutores dos Jardins de São Paulo e da Zona Sul carioca trocarem seus consultórios milionários por postos de saúde no Capão Redondo e na Baixada Fluminense.
Mas não, preferiram insinuar que o banco, com capital inicial de 100 bilhões de dólares divididos em partes iguais entre os cinco sócios, será dirigido pela Índia, a sede será na China e o Brasil só ficou com a presidência do conselho de administração.
Os cargos são rotativos…
Todo esse desdém acabou omitindo a cidade que sediou a fundação do banco, poucos dias após sediar alguns dos melhores momentos da Copa e a melhor exibição da seleção brasileira, contra a Colômbia.
Fortaleza!
A Declaração de Fortaleza, da VI Reunião de Cúpula dos Brics, começa assim:
“Nós, os líderes da República Federativa do Brasil, da Federação Russa, da República da Índia, da República Popular da China e da República da África do Sul, reunimo-nos em Fortaleza, Brasil, em 15 de julho de 2014 na VI Cúpula do BRICS.”
A notícia mais surpreendente que a nossa imprensa não deu não foi a fundação, a conveniência, a necessidade ou a importância do banco, uma espécie de BNDES+FMI intercontinental dos emergentes.
Tudo isso eles viram, mas calaram.
O que ninguém quis ver é que a criação do Novo Banco de Desenvolvimento colocou o nordeste brasileiro na geopolítica mundial, enquanto São Paulo seca.
A declaração de Fortaleza faz críticas às promessas não cumpridas de mudanças no FMI, do qual os Brics também são sócios. A presidente do FMI Christiane Lagarde, no entanto, saudou a criação do Novo Banco.
Depois de assistir à final da Copa entre Alemanha e Argentina no Maracanã, o presidente russo Vladimir Putin seguiu para a Cúpula de Fortaleza. De lá, voou de volta para Moscou.
No caminho, o avião de Putin cruzou, perto de Varsóvia, com um atraso de 37 minutos, a rota do Boeing da Malaysian Airlines que pode ter sido abatido por um míssil sobre a Ucrânia.
De acordo com o Guardian, assim que desembarcou em Moscou, proveniente da reunião dos BRICS no Brasil, Putin ligou imediatamente para informar Obama sobre o incidente.
Como na criação do banco dos BRICS, não faltaram especulações: o avião visado no atentado seria o de Putin, não o malaio. Ainda que Varsóvia seja a capital da Polônia e esteja muito longe do leste da Ucrânia, onde o Boeing da Malaysian caiu.
Se quisermos continuar especulando, Fortaleza poderia entrar para a geopolítica mundial não como Sarajevo – onde o assassinato do príncipe Ferdinando teria provocado a primeira guerra mundial – mas como ponto de partida da terceira.
Como nada disso aconteceu, o Ceará estreou muito bem na geopolítica mundial. E chega de especulações.
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