sexta-feira, 18 de julho de 2014



CARTOLA RICO, FUTEBOL POBRE

Temos de aprender com o futebol alemão? Lá, é a TV pública que     transmite os jogos                             

No Brasil, há décadas a TV Globo consegue a hegemonia sobre contratos para transmissão dos jogos com os cartolas do futebol brasileiro, sejam dos clubes, sejam da CBF
Helena Sthephanowitz          
POLITIKEN.DK/REPRODUÇÃO
berlim
Jogo contra Brasil foi visto em 32,6 milhões de domicílios alemães, fora as transmissões em espaços públicos
Depois do resultado da Copa, muito se fala  sobre o que se pode aproveitar da experiência alemã com planejamento de longo prazo, sobre centros de treinamentos juvenis para formar talentos. Mas há bem mais diferenças nas estruturas que cercam o futebol alemão do que a nossa mídia tradicional quer contar.
Na fatídica semifinal que tirou o sonho do hexa brasileiro em 2014, a TV alemã bateu recorde de audiência. O jogo foi assistido por 32,6 milhões de telespectadores em domicílios (fora quem assistiu coletivamente em espaços públicos), marca nunca alcançada antes. O percentual de televisores ligados e sintonizados na rede ZDF, que transmitiu o jogo, foi de 87,8%, também o maior índice da história.
Detalhe: a ZDF é uma emissora pública assim como a TV Brasil é aqui. Na Alemanha, é a emissora pública que transmite os jogos da seleção na TV aberta. Junto com outra TV pública, a rede ARD, transmite jogos da Liga Nacional de Futebol, o equivalente ao Campeonato Brasileiro.
Talvez por não impor horário de jogos tarde, após a novela das 21h, como faz a Globo, a média de público no campeonato alemão é de 43 mil torcedores nos estádios. No Campeonato Brasileiro de 2013, foram 15 mil em média.
Na seleção alemã tetracampeã, seis jogadores são do Bayern de Munique, cinco do Borússia Dortmund, e só sete jogam no exterior. Lá, eles conseguem reter boa parte de seus jogadores. Nós estamos entre as seis ou sete maiores economias do mundo e não conseguimos reter os nossos. O Brasil teve expressivo aumento do mercado interno de 2003 para cá. Somos grande mercado de telecomunicações, combustíveis, varejo, alimentos, bebidas, automobilístico, aéreo etc. Não é possível que não haja patrocínio capaz de manter jogadores em clubes brasileiros como em países europeus com mercados menores do que o nosso.
Curiosamente, neste mesmo período, os donos da TV Globo e alguns cartolas de clubes e federações estão cada vez mais ricos e o futebol brasileiro cada vez mais pobre.
No Brasil, há décadas a TV Globo consegue a hegemonia sobre contratos para transmissão dos jogos com os cartolas do futebol brasileiro, sejam dos clubes, sejam da CBF. Boa parte da cartolagem sempre esteve envolvida com dívidas, salários atrasados, negociações suspeitas de jogadores e patrocínios. O jornalismo da TV Globo sempre foi generoso com cartolas dóceis a seus interesses comerciais, poupando-os de notícias desfavoráveis.
O ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, mesmo envolvido com escândalo de propinas na Suíça e Luxemburgo, foi poupado ao limite no noticiário da TV Globo. Em outro caso recente, foi preciso virar motivo de piada nas redes sociais o silêncio do Jornal Nacional sobre a apreensão de meia tonelada de cocaína no helicóptero do senador Zezé Perrela, ex-presidente do Cruzeiro, para a emissora desengavetar a notícia. Isso mostra uma relação que só é boa para estes dois lados, mas nefasta para o futebol brasileiro.
Troca de comissão técnica, reformulação do elenco da seleção brasileira podem ser medidas bem-vindas para arejar nosso futebol. Porém, sem renovar a cartolagem, sem reter nossos craques e sem mudar a forma como a TV privada molda horários, interfere na gestão de clubes e intercepta as receitas de patrocínios, os donos da TV Globo e alguns cartolas de clubes e federações continuarão ficando cada vez mais ricos e o futebol brasileiro cada vez mais pobre.

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