quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Sem querer, Black Bloc ajuda direita antidemocrática                                    


Márcio Sales Saraiva (*)                                                          V I O M U N D O             


CABRAL, PAES, COSTIN E A PM ADORAM OS BLACK BLOC
Existe algo que foge ao nosso controle. A ciência política chama de consequências não-intencionais de uma ação racional.
Em outras palavras, a ação é racionalmente correta, lógica, tem um sentido A, mas sem desejar, acaba alcançando um objetivo não desejado que é Y.
Com isso, quero falar dos Black Bloc e sua atuação no interior dos movimentos sociais e grevistas.
Eu não tenho dúvidas que a intenção dos jovens militantes dos Black Bloc é positiva, do ponto de vista da esquerda socialista.
Afinal, eles se inspiram em fontes anarquistas, são contra a opressão estatal e seu braço repressivo, procuram “abrir caminhos” quando os aparelhos repressivos impedem a passagem dos protestos e passeatas, além disso, tem uma ação “protetora” diante dos ativistas, especialmente aqueles e aquelas que são atingidos pela repressão policial. Tudo isso é belo.
Os Black Bloc realizam uma catarse coletiva ao destruir agências bancárias (símbolos da ganância do capital financeiro) e prédios públicos do poder (afinal, os “políticos” são mal vistos mesmo).
Com tudo isso, há um clima simpático a essa jovem organização dentro dos movimentos sociais.
Ontem mesmo, não foram poucos os professores que aplaudiram a ação dos Black Bloc.
Eles realizavam uma “vingança social” diante da derrota dos profissionais da educação na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, hegemonizada pela base governista do prefeito Eduardo Paes que aprovou uma reforma educacional privatista que fere a autonomia pedagógica dos trabalhadores da área.
O prédio da Câmara se tornou símbolo da antipatia popular, pois antes já havia abortado uma CPI dos Ônibus (agora sob hegemonia governista e paralisada pela Justiça) e jamais deu as assinaturas necessárias para a CPI do Fundeb (que apuraria desvio de recursos para outras áreas que não a educação municipal).
Agora, prepara-se para analisar o projeto de 30 horas semanais para os assistentes sociais. É possível que novas derrotas para as classes trabalhadoras ainda sejam aprovadas pela base aliada do prefeito Paes, liderada pelo vereador Guaraná (PMDB) e tendo como chefe o presidente Jorge Felippe (PMDB).
Diante desse quadro, é compreensível que a violência dos Black Bloc gozem de relativa simpatia entre os movimentos sociais, até mesmo em alguns setores da população. Ouço vozes nas ruas que clamam: “Tem mais é que quebrar tudo mesmo, políticos e banqueiros são todos safados e ladrões”.
Compreender não significa apoiar. Quando analisamos mais detidamente o fenômeno Black Bloc, na versão tupiniquim, percebemos algumas características preocupantes:
1. Até agora não apresentaram nenhum projeto de poder popular. Simplesmente adotam uma violência quase romântica – pois não são guerrilheiros organizados em torno de um programa revolucionário – com paus, pedras, coquetéis, fogos de artifícios e marretas.
2. As imagens de destruição, lixos queimados e rostos escondidos que os Black Bloc apresentam mais assustam a população em geral do que ganham a adesão das massas.
3. Os Black Bloc não somente atuam na defesa dos movimentos sociais – o que é positivo – mas acabam provocando os policiais, criando o clima propício para a ação repressiva. Como eles não tem número suficiente e nem organização para enfrentar os aparatos repressivos, o saldo final é de frustração e aparente vitória da polícia que, para o senso comum, começa a se transformar em “heróis da ordem”.
4. A visão antipolítica dos Black Bloc pode favorecer um clima fascista que generaliza todos os políticos eleitos e todos os partidos políticos como “instrumentos do capital”. Com essa generalização simplista, cria-se um clima favorável para ideias do tipo “fim do Congresso Nacional” e regimes de força, bem ao contrário do anarquismo clássico que prega uma ideologia de fim do Estado e autogoverno popular.
5. Incentivar ações contra a polícia e focar nisso é não perceber que os aparatos repressivos são do Estado. O Estado é repressor, policiais são usados para isso. A despeito da mediocridade do argumento de que “estamos apenas cumprindo ordens”, ele encerra algo de verdadeiro. A PM não é o alvo, e sim o Estado, seus gestores.
6. Sem um projeto ético-político objetivo que dê um sentido mais amplo para suas ações, os Black Bloc acabam se resumindo em movimento jovem de indignação, revolta e ódio, sem nenhum processamento político possível. Afinal, queimar lixos não contribui para nenhuma revolução, em sentido marxista.
É nesse ponto que as ações violentas dos Black Bloc, mesmo sem o desejarem, acabam ajudando o governo Cabral e Eduardo Paes a se colocarem como os “arautos da ordem” e defensores do povo contra o “vandalismo dos mascarados”.
Não somente isso. A tática – sem estratégia – dos Black Bloc fornecem as imagens e os argumentos que as forças mais reacionárias da direita precisam para legitimar a repressão estúpida e brutal contra os movimentos de greve e protestos dos estudantes e das classes trabalhadoras.
A conta final disso tudo é que a grande mídia burguesa retira o foco na vitória dos profissionais da educação que mobilizaram 50 mil pessoas no Rio de Janeiro, em plena segunda-feira, com frio e chuva, para protestarem contra a reforma educacional privatista da dupla Paes/Costin.
Tal reforma autoritária foi imposta, com a subserviência da Câmara de Vereadores, sem diálogo autêntico com o Sindicato (SEPE) e nem com a Comissão de Educação da Câmara presidida pelo vereador Reimont (PT) que abandonou a base governista.
Ao contrário, a grande mídia burguesa valoriza as imagens de quebra-quebra, espalha o medo entre os cariocas e apelam, como na época da ditadura militar (1964-1985), para a “necessária ação contra o vandalismo” e o “terrorismo”.
Conclusão disso. Os profissionais da educação – que estão dando um exemplo de mobilização, resistência e luta contra seus opressores que desejam enterrar a educação pública, gratuita e de qualidade – acabam ficando ofuscados pelas ações violentas dos Black Bloc.
A mídia não discute os erros desse plano nefasto do prefeito Eduardo Paes, mas jogam luzes no “vandalismo”, escondendo da população as reais matrizes da atual crise.
Por isso mesmo, a despeito das boas intenções dos jovens militantes do Black Bloc, eles ajudam a mídia burguesa e os aparatos repressivos a se legitimarem na opinião pública, dão fôlego para Cabral e Eduardo Paes, alimentam o medo no senso comum e desmobilizam diversos profissionais da educação que temem participar das próximas passeatas.
São essas as consequências não-intencionais da ação racional que a Ciência Política nos esclarece tão bem e que os Black Bloc precisam aprender, se é que desejam se tornar uma braço político eficaz do anarquismo e contribuir para o avanço das lutas populares e sindicais.
Caso contrário, os Black Bloc, mesmo sem querer isso, funcionarão como linha auxiliar da direita mais antidemocrática. Cabral, Paes, Costin, os aparatos repressivos e a grande mídia burguesa os adoram, pois legitimam seus interesses.
(*) MARCIO SALES SARAIVA é cientista político, socialista e mestrando no Serviço Social da UERJ

Um comentário:

Unknown disse...

Sabemos o quanto as manifestações pacíficas só foram reais no início, quando começaram em Junho. Hoje o que estamos vendo são partidos tomando frente de manifestações para ganharem destaque mediante as eleições que se aproximam. A cpi dos ônibus se transformou em briga partidária, não faz sentido dar continuidade a ela.