quarta-feira, 16 de outubro de 2013

As peças do discurso velho-novo de Marina     

Na grande disputa pela política econômica, existem três personagens distintos:
·       partidos políticos
·       grupos econômicos
·       escolas de pensamento.
O estudo da política exige que os três grupos sejam analisados de forma independente. Em cada momento histórico, há uma confluência de interesses possibilitando alianças mais ou menos duradouras. Mas todos os grupos preservando suas próprias características.

As escolas de pensamento

No final dos anos 80, as escolas de pensamento se dividiam entre os desenvolvimentistas da Unicamp, aportando no PMDB, e os mercadistas da FGV-RJ e, depois, da PUC-RJ a cavalo no PSDB.
Não por acaso, os desenvolvimentistas tinham extração paulista e os mercadistas vinham do Rio de Janeiro.
A partir do Plano Real, os mercadistas dominaram o PSDB. A cereja do bolo eram as estatais em processo de privatização e a política econômica, fortemente anti-desenvolvimentista, privilegiando os movimentos de juros e câmbio.
No final do governo FHC, o mercado financeiro o tratava como o maior presidente da história; os industriais, como o pior. O eleitor comum, como o mais rejeitado.
Quando o PT assume o poder, Lula passa a exercitar seu esporte favorito: juntar todas as pontas. Garantiu aos mercadistas o controle sobre o Banco Central e a Fazenda; abriu espaço para os desenvolvimentistas no BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social); fortaleceu o setor produtivo dando dimensão maior ao MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e à Agricultura. E incluiu o ingrediente novo, das políticas sociais inclusivas.
A crise de 2008 desbalanceou o jogo. Os desenvolvimentistas lograram crescer a partir da ascensão de Guido Mantega e do novo ativismo dos bancos públicos – inevitável ante o refluxo do crédito bancário.
Lula saiu aclamado por banqueiros, industriais e com aprovação popular.
O governo Dilma tornou-se francamente desenvolvimentista, pela formação unicampista da presidente, com fortes acenos ao setor real da economia e a aposta nos seus próprios campeões nacionais. Problemas na implementação de políticas explicam volteios e recuos.
Hoje em dia, os think tank econômicos dividem-se assim:
Casa das Garças – assumiu o protagonismo do pensamento mercadista, desbancando as instituições de ensino – PUC-RJ e FGV-RJ.
Unicamp-UFRJ – seu desenvolvimentismo evoluiu para conceitos sistêmicos, incluindo desenvolvimento industrial, geração de emprego, distribuição de renda e inclusão social.
IEDI - Há uma vertente industrialista dos grandes grupos paulistas, reunidos no IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), juntando temas como internacionalização, inovação e gestão.
Fora isso, há organizações, como a MEI (Mobilização Empresarial pela Inovação), MBC (Movimento Brasil Competitivo) juntando grandes empresas nacionais e internacionais em torno de temas específicos.

Os grupos econômicos

Com o desenvolvimento econômico das últimas décadas, consolidaram-se os seguintes grupos econômicos:
Mercado – grandes bancos de investimento, bancos comerciais, investidores em geral, gestores de fundos, administrando carteiras bilionárias, de grupos e famílias que venderam suas empresas e aderiram de vez à nova etapa de capitalismo financeiro. A Casa das Garças é seu porta-voz. Tem na velha mídia o principal canal de influência.
Grupos paulistas – entram aí os grandes grupos empresariais que se modernizaram e se internacionalizaram na última década, tendo tanto interesses industriais como financeiros. Tem uma perna no mercado e outra no IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). Dependem das grandes políticas públicas, do apoio do BNDES, mas atuam majoritariamente no mercado privado.
Indústria – a enorme cadeia de empresas pequenas e médias, reunidas em torno da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e das federações de indústria ou de associações como a ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos). Clientela basicamente privada.
Campeões nacionais – grandes empresas cujo principal cliente é o governo (como na infraestrutura) ou apoiadas maciçamente pelo governo.
Ruralistas – reunidos em torno da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), que ganhou outra dimensão no governo Dilma, com o ativismo de sua presidente Katia Abreu e da bancada no Congresso.
De todos esses grupos, apenas os dos primeiros articulam-se politicamente e atuam como “fornecedores” de conceitos e ideias para os agentes políticos graças à influência que ainda detêm sobre a velha mídia.

Os agentes políticos

É em cima das peças listadas que se movem os agentes políticos.
O jogo funciona assim:
1.     As escolas de pensamento serão mais ou menos influentes dependendo da sua capacidade de alinhar os interesses dos grupos econômicos com as demandas populares.
2.     A partir desse alinhamento, os discursos são desenvolvidos para serem apropriados pelos partidos políticos e seus candidatos; e financiados pelos grupos econômicos.
Vamos ver a situação do jogo a partir do ataque à dama (a presidente)
Dilma Roussef – inicialmente fez uma aposta desenvolvimentista com inclusão social. Sem o traquejo de Lula, tem procurado atender a um arco amplo de interesses econômicos e políticos. Manteve o apoio das Confederações e federações empresariais tornando-as parcerias de programas bilionários. Investiu fortemente na economia real, ampliou o programa de concessões.  Em tese, tem o apoio dos campeões nacionais, das lideranças ruralistas. Os problemas que têm enfrentado residem na execução dos programas. E na necessidade de, permanentemente, equilibrar as forças políticas e as demandas econômicas – sem dispor de um timoneiro seguro na Fazenda. As ressalvas dos industrialistas são muito mais em relação à execução da política do que a seus princípios. Os grandes grupos paulistas têm ressentimento em relação à perda do protagonismo e aos movimentos do BNDES, mas jamais irão se indispor publicamente com o grande financiador.
Contra Lula, o discurso brandido era profundamente ideológico. Prenunciava a invasão das FARCs, o chavismo, o bolivarianismo, o aparelhamento, a destruição do equilíbrio fiscal, o populismo desvairado. No final do governo Lula, a maioria dos bordões tinha se esvaziado.
Com seu estilo, Dilma desarmou ainda mais esses bordões. As críticas contra ela são muito mais em relação à forma do que ao mérito das políticas implementadas. Não subsistiram as baboseiras contra as políticas sociais. E as críticas contra as gambiarras fiscais da dupla Mantega-Agustin têm sido respondidas.
Restaram as críticas em relação à sua teimosia, voluntarismo, à pressa se impondo sobre a técnica, ao fato de não permitir ministros fortes. São críticas consistentes, mas com baixo poder de destruição.
Hoje em dia, Eduardo Campos e Aécio Neves procuram se diferenciar atuando sobre esse enquadramento: Campos se propondo a ser uma Dilma melhorada; Aécio criticando pontualmente cada declaração de Dilma.
Marina vai além.

O fator Marina

É aí que entra o fator Marina.
Sua base ideológica está sendo preparada por mercadistas mais elaborados e pelos grandes grupos econômicos paulistas. Sua defesa do “tripé” econômico jamais fez parte do seu repertório político. É fruto de aulas particulares, mas tem gerado um discurso oposicionista eficiente. O povo sabe lá o que é o tal tripé, mas na boca de Marina ganha força.
Mas o discurso de Marina é mais que isso.

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