quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Marina Silva não criou seu partido porque preferiu fazer uma ong


Antônio Lassance                                                    


Brasília - No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as favas já estão contadas, e a sorte da Rede, selada. O partido ficará para depois. A decisão do TSE irá confirmar ao final que Marina tem, de fato, não um partido, e sim, ainda, uma ong.

A única dúvida que resta é se a Rede conquistará pelo menos um voto. Uma das esperanças, talvez a única, é o ministro Gilmar Mendes. Dias Toffoli, o ministro “caixinha de surpresas”, viajou e cedeu a vez, providencialmente, para Mendes, defensor explícito da Rede. Mesmo assim, no TSE e no STF, o que se diz é que Mendes seguirá o voto da relatora, ministra Laurita Vaz, mas fará um veemente protesto sobre a rejeição supostamente exagerada de assinaturas por cartórios. Mendes pode assim proporcionar à Rede mais um vídeo no Youtube.

O iminente tropeço na criação da Rede mostra o quanto Marina Silva se divide entre dois mundos: o dos partidos e o das ongs. Um dos problemas no processo de constituição da Rede foi exatamente o de que sua organização se comportou, o tempo todo, mais como ong do que como partido.

PEN: Plano B ou filme B?


Mais cedo ou mais tarde, a Rede será criada e Marina Silva terá sua sigla ou, melhor dizendo, sua marca de fantasia, ao gosto de sua “sonhática”. A questão agora é saber o que prevalecerá na discussão de seu plano “B”: seu lado ongueiro ou os apelos partidários.

O resultado dirá se Marina é carta fora do baralho em 2014 ou se estará na disputa. A alternativa posta a seus pés é a de ingressar em um partido pré-existente, como Partido Ecológico Nacional (PEN), nanico (de seus dois deputados, pelo menos um já estava de saída), inexpressivo e cuja executiva nacional é formada por vários membros de uma mesma família. De todas as opções possíveis, seria a mais inofensiva.

A sigla foi oferecida a Marina para dela fazer o que achar melhor, se tornando presidente do partido e candidata à Presidência da República. É tudo o que o PEN precisa para escapar da extinção. Aliás, até a extinção é aceita de bom grado, pois o presidente nacional do PEN já sinalizou que, quando a Rede estiver criada, as duas siglas poderão ser fundidas em uma só. Por Marina, o PEN faz qualquer negócio. A recíproca não é verdadeira. Com a reputação que conquistou a duras penas, Marina tem receio de queimar seu filme, mesmo que no papel de protagonista.

O PEN pode recolocar Marina no jogo para 2014. Mas, de novo, o dilema entre ser ou não ser é a questão. Melhor aguardar 2018 e cumprir o figurino do marketing armado em torno da Rede, ou cumprir as formalidades e pegar uma sigla que está à mão? Melhor mostrar desprendimento e prioridade ao projeto? Ou reafirmar o que a Rede de fato é: o partido dos marineiros, da Marina, pela Marina e para a Marina? O que melhor define a Rede ainda é a biografia de sua pré-candidata, e não o seu programa.

Eis o dilema: a intrépida troupe da Rede sairá pela tangente ou refugará solenemente o mundo partidário atual, que, mesmo com 32 partidos, seria pequeno demais para caber Marina Silva?

Quem Marina ouve para tomar sua decisão?


A pré-candidata, talvez ex-candidata, decidirá o seu destino ouvindo dois campos bem distintos de pessoas ao seu redor, com cabeças muito diferentes. Vencerá quem fizer mais pressão e quem ganhou mais proximidade na trajetória trilhada por Marina desde que ela saiu do Governo Lula, em 2008.

De um lado, está a turma que acompanha Marina desde o Acre e que veio acompanhá-la em seu mandato de senadora. A esse grupo juntaram-se políticos desgarrados de outros partidos, mas que dela se aproximaram, uns desde 2010, alguns há poucos meses. De outro lado, a tropa de ongueiros que vem da militância ambientalista e que aos poucos se assenhorou da carreira de Marina Silva.

Na primeira presidência Lula (2003 a 2010), Marina levou ambos os lados para o Ministério. O grupo partidário da ex-senadora aos poucos se enfraqueceu e foi isolado na definição da política de meio ambiente implementada pelo Ministério. O campo petista ligado a Marina perdeu a batalha para o grupo das ongs, ligado principalmente à WWF (World Wide Fund for Nature). Os ongueiros passaram a prevalecer na política, na ocupação dos cargos, na ascendência sobre a ministra e, mais importante, no enfrentamento à política de desenvolvimento do País. O ambientalismo conservacionista, que sempre foi muito próximo à ex-ministra, desgastou-a por completo no Governo Lula e levou a própria política ambiental ao isolamento, dentro e fora do governo.

Marina perdeu espaço em sua própria região. Basta ver o mapa dos votos de 2010, que mostra o quanto sua votação, inclusive proporcionalmente, foi maior quanto mais distante esteve da Região Amazônica. O viés conservacionista, contrário a algumas políticas de desenvolvimento para a Região Amazônica; a tônica repressiva (emblemática na operação Arco de Fogo); a indisposição do MMA com vários outros ministérios e com o próprio presidente Lula; até mesmo a criação do Instituto Chico Mendes, que revoltou os servidores do Ibama, que viram seu órgão enfraquecido e esvaziado, formaram um rosário de problemas que redundaram na saída de Marina do cargo de ministra e, depois, do PT.

Essa experiência foi um divisor de águas na trajetória da ex-senadora e contribuiu para jogá-la no campo de oposição ao PT, a Lula e a Dilma. Dramática, no início, a linha agressiva dos ongueiros aos poucos pareceu render frutos. O PV a abrigou. A velha mídia a colocou debaixo do braço, como a um neném na incubadora.

Setores empresariais se aproximaram, financiaram sua campanha, pagaram seus marqueteiros. Vieram os consultores para escrever seu programa (como Eduardo Giannetti da Fonseca, autor do best-seller “Auto-engano”, que costuma ser encontrado em livrarias na seção de auto-ajuda). Os partidos de oposição têm uma grande dívida com os marineiros por terem provocado o segundo turno nas eleições presidenciais de 2010.

A candidata surpreendeu, alcançando uma votação expressiva. Depois daquelas eleições, surgiu outra Marina Silva. Ela mudou de tamanho e, aos poucos, ganhou uma nova “entourage”.

As pressões para se manter a candidatura, custe o que custar


Para a Rede, esta quinta-feira (3) tem tudo para ser dia de choro e ranger de dentes. O sistema eleitoral deve ser amaldiçoado por eles que lutaram até o último momento para serem reconhecidos (e o serão, em breve) por esse sistema injusto e viciado.

O dia seguinte deve ser dedicado a ouvir “as bases”. Essas bases, no caso dos marineiros, são os políticos, os ongueiros e, agora, com força, o setor empresarial e midiático.

A turma da política que tem mandato parlamentar terá sérias dificuldades para usar a grife Marina Silva, mesmo que ela vá para o PEN. Pela jurisprudência do TSE, só se admite que um parlamentar deixe um partido por situações que configurem uma justa causa. Uma delas é a de ingressar em um partido novo. Um partido é considerado novo apenas durante trinta dias, contados a partir do registro de seu estatuto. O PEN já não é mais um partido novo. Os parlamentares que nele ingressarem deverão justificar outras razões, e rápido, para trocar de legenda e não sofrerem o risco de terem o atual mandato cassado.

Heloísa Helena não teria tantos problemas. Eleita pelo PSOL, adoraria perder seu mandato de vereadora em Maceió e voltar à cena nacional, como senadora. Domingos Dutra tem razões suficientes para justificar sua saída, em função de sua persistente e extenuante guerra de Davi contra Golias contra a família Sarney, no Maranhão. Miro Teixeira talvez seja o em situação mais complicada, pois apenas recentemente resolveu soltar o verbo para se livrar do PDT. Reguffe, do DF, fez algumas sinalizações para a Rede, mas assim como Miro, está de olho em tempo de TV (que no PEN seria diminuto). Para os que sairão candidatos a deputado, se estiverem soltos, sem alianças, há o problema extra dos coeficientes eleitorais.

A opção para preservar o nome Marina Silva tem prevalecido entre os ongueiros da Rede. Os políticos pressionam para que ela saia candidata, custe o que custar. Pela primeira vez, a turma dos políticos próximos a Marina tem chance de prevalecer, pois contam com dois pesos pesados em favor de disputar 2014: a mídia conservadora e alguns setores do empresariado ávidos por derrotar o PT, ou, pelo menos, levar a disputa para o segundo turno.

A decisão final será da própria Marina. Para encarar 2014, ela precisará deixar de lado a preocupação de sair da campanha menor do que entrou, que é um grande risco; terá que simular uma espécie de candidatura avulsa, como se corresse na raia de fora do sistema eleitoral tradicional, arcando com o ônus que isso acarreta, pela dificuldade de estrutura, mas com o bônus de imagem de estar por baixo em um sistema eleitoral que a candidata reputará, como dizem, injusto e viciado.

Na Rede, o jogo está empatado. O que pode fazer Marina pender para um ou outro lado será a pressão que sofrerá de fora, por parte daqueles que têm condição de recompensar sua campanha com maciço apoio empresarial e o peso da mídia tradicional.


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