quarta-feira, 16 de julho de 2014

Quem tem medo do BRICS?
Roberto Amaral        Carta Capital
Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Líderes dos BRICS em Fortaleza
 Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Dilma Rousseff, Xi Jinping (China) e Jacob Zuma (África do Sul) durante encontro em Fortaleza
Há dez anos surgiu o acrônimo BRIC, sigla formada pelas iniciais de quatro países que despertavam admiração no mundo pela vitalidade de suas economias – Brasil, Rússia, Índia e China, aos quais se associa a África do Sul – e que hoje representam 19% do PIB global. Nesses dez anos, o conjunto de suas economias cresceu de 3 trilhões de dólares para 13 trilhões de dólares. Esses 10 trilhões a mais correspondem em nossos dias a seis economias da Grã-Bretanha em 2001. Ainda nesses curtos dez anos, a China, a locomotiva do bloco, crescendo a um ritmo médio de 7% ano, chegou ao posto de segunda economia do mundo; suplantou o Japão e é o dobro da economia alemã, o mais rico e mais poderoso país da Europa Ocidental. Não obstante, a grande imprensa mundial, as ‘consultorias’ e agências de ranking disso e daquilo de Wall Street e da City de Londres, o FMI e a OCDE, a grande imprensa de lá – The EconomistThe Financial TimesThe Time – de cá – o jornalão, a revistona – anunciam o réquiem do bloco, como diariamente anuncia a falência do Mercosul.

Nossas exportações, no entanto, principalmente de manufaturados, para nossos vizinhos só têm aumentado. O Brasil, embora crescendo a taxas relativamente baixas, ultrapassou a Itália e a Inglaterra, e é hoje a sexta economia mundial. Nas duas últimas décadas o peso econômico dos países integrantes dos BRICS aumentou de 5,6% para 21,3%, o que, convenhamos, não é nada desprezível. Projeta-se para a próxima década em 3% a expansão da economia mundial, mas o crescimento dos BRICS está estimado em 7%. Em 2015 esse conjunto de países poderá ser responsável por cerca de um quarto do PIB mundial.
As trocas entre os cinco países somavam 250 bilhões de dólares e podem chegar a 500 bilhões de dólares já em 2015. A China já é nossa principal parceira comercial e as negociações em curso prometem elevar o fluxo comercial entre o Brasil e a Rússia para 10 bilhões de dólares, já neste ano. Relativamente ao país de Putin, para além das trocas comerciais, há uma largo espaço para percorrer no campo da cooperação científica e tecnológica. E inovação, onde são notórias nossas carências.

Nossos cinco países representam 20% do PIB mundial e cada um exerce papel de forte liderança em seus respectivos continentes. Não são números irrelevantes e contrastam com o descrédito e o ceticismo da opinião conservadora que acompanha com restrições as possibilidades de expansão econômica – e nela envoltas, de expansão política e militar desses países – alterando a correlação de forças do status quo internacional ensejado pela derruição do bloco socialista e o fim da Guerra Fria. É a resposta da realidade objetiva ao descrédito que a economia desses países despertava, e de certa forma ainda desperta, nos círculos conservadores internacionais. No Brasil ele é criticado, na companhia do Mercosul, por aqueles que não compreendem que nosso país possa integrar projeto, político ou econômico, que não seja chancelado pelos EUA. Em um mundo caracterizado pelas mais profundas assimetrias de poder, a política de blocos – a que não têm fugido mesmo os EUA – é um imperativo de sobrevivência daquelas economias mais frágeis que encontram sua superação na negociação coletiva. Esse bloco tem possibilitado a ação coordenada em foros internacionais e  construção de uma agenda própria.

Como entre nossos países no Mercosul, sabidamente guardam os BRICS grandes contrastes e diversidade cultural, as quais, todavia, não lhes têm impedido a atuação como bloco econômico e bloco político, nem a ação articulada nos fóruns internacionais de sorte a enfrentar o hegemonismo das grandes potências, EUA, União Europeia e Japão. Assim é que lograram impor uma nova geopolítica ao mundo da unipolaridade, com o que se têm beneficiado todos os países, particularmente aqueles de menor peso econômico. Além de grandes mercados de consumo – em condições de influir na economia mundial – os BRICS reúnem duas potências nucleares com assento no Conselho de Segurança da ONU, grandes territórios, grandes populações – 40% da população mundial –, elevado nível de industrialização e ponderável base científica e tecnológica. Esses fatores são postos de manifesto quando a crise econômica parece sobreviver e a lenta recuperação das potências capitalistas constrange os investimentos e o fluxo de comércio, conquanto estimule a volatilidade dos mercados financeiros.

Como em todos os momentos de crise, quem paga o alto preço é a paz mundial, vez mais um projeto transferido para as calendas gregas. Com todas suas óbvias consequências econômicas, o quadro mundial presente e visível para os próximos anos aponta para a conturbação da guerra se alastrando por áreas cada vez maiores da Ásia, da África e do Oriente Médio, com seu rasto de devastação e genocídio: Afeganistão, Paquistão, Iraque, Síria, Líbia, as ameaças ao Irã, os conflitos de fronteira na Turquia, o sistemático genocídio palestino na Faixa de Gaza, os conflitos raciais, tribais e religiosos...

A crise de produção de petróleo e outros insumos, a crise da produção de alimentos e outras commodities, a fome, a miséria, a degradação humana, a desagregação dos países e a anarquia política, o êxodo de povos e nações, bem como a ameaça que paira sobre civilizações milenárias, a guerra continuada do capitalismo contra a ida e a natureza.

Nesse quadro se eleva a importância estratégica dos BRICS pela força territorial e econômica de cada um dos países integrantes e pelo papel de cada um na geopolítica regional.

Em um mundo assim descrito, a América do Sul progressista, pacífica e em desenvolvimento acelerado e a África – continentes ainda à margem da política de guerra (leia-se ‘terra arrasada’) dos EUA – constituem espaço de projeção natural das iniciativas dos BRICS. Daí a importância do encontro dos líderes dos BRICS com suas contrapartes sul-americanas no âmbito da VI Cúpula de Chefes de Estado e de Governo que nosso país está sediando. Desse encontro pode resultar a abertura mutuamente benéfica de mercados para os produtos da América do Sul e dos BRICS – e se isso ocorrer, estaremos fortalecendo o desenvolvimento econômico do sub-continente e, com ele, a solidificação de nossa comum opção democrática e progressista, que tanto incomoda as elites reacionárias de nossos países.

Pode ser esta, igualmente, uma oportunidade de fortalecimento do Mercosul, expectativa que se anima à vista do projeto do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, que deverá investir em principalmente nas cruciais áreas de infraestrutura, dando base material à ajuda internacional e à cooperação econômica que, pela porta do financiamento do desenvolvimento, favorecerá a integração de nossos países e, amanhã, de nossos povos.  A carência que mais nos ameaça é a de capitais para financiar o desenvolvimento, pois o capital estrangeiro que aporta é predominantemente especulativo, ou seja, visa exclusivamente ao retorno, quando o Banco de Desenvolvimento aportará capital estratégico.

Mas esta não é a história toda. Do ponto de vista político, o fundamental é que os países integrantes dos BRICS podem dizer que, nas circunstâncias do mundo globalizado sob o império da unipolaridade, comandam cada um o seu destino. Realizaram reformas estruturais, patrocinaram a rápida urbanização e modernizaram suas economias. O Brasil, por exemplo, realizou notável esforço de distribuição de renda, elevando substancialmente a qualidade de vida de suas populações. Elevaram-se, na maioria dos países os contingentes de classe-média e em alguns países, como Brasil e China, a expectativa de vida é de 73 anos. No entanto ainda são, no geral, precários os indicadores de escolaridade, a assistência médica universal é deficiente e os índices de mortalidade infantil ainda são inaceitavelmente altos.

O sonho é que estejamos ingressando na segunda fase do BRICS, aquela que se seguirá ao sucesso da gestão macroeconômica, quando reformas profundas da infraestrutura econômica (com implicações igualmente profundas na transformação das estruturas politicas congeladas) poderão abrir caminho para sociedades socialmente mais justas.

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