O darwinismo social de nosso capitalismo não sentencia que aquilo que sobrevive e sobrepuja é a única força possível – e válida? Sendo assim, por que as vítimas deveriam se identificar com as vítimas? Daniel Balint, protagonista de 'Tolerância Zero'(2001), reproduz o discurso da 'servidão voluntária', “contanto que eu possa escarrar o meu ódio contra o outro que é tão impotente quanto eu mesmo”.
Flávio Ricardo Vassoler (*)
Francisco Milani, o intolerante Obs.-Jesus Luz:'ex' namorado brasileiro O filme de Henry Balint 'Saraiva' do humorístico da Globo da 'pop star' Madona
(Do AMgóes - Por que compete aos ditos 'crentes'(das religiões monoteístas) 'temer'' o Deus ' excelso Criador de todas as coisas', ao invés de 'amá-lo'? Afinal, quem ama, confia e, dessa forma, não teme. Principalmente se o 'objeto' desse amor for o ícone responsável pelo 'clique' de nossas vidas. A assertiva bíblica do 'temor a Deus' como forma de 'amor compulsório', por isso mesmo dogmaticamente coercitiva, é tão ambígua quão contraditória. Simplesmente pelo fato de nos ter sido repassada, milênios afora, através da facciosa falibilidade dos homens travestidos de vestais religiosos.)
− Ainda que Deus, no derradeiro momento, tenha impedido o pai de imolar o próprio filho; ainda que um cordeiro tenha sido posteriormente oferecido em holocausto, tudo isso demonstra que o Pai está mais preocupado com o temor que impinge em seus filhos do que com a fé e o amor.
Escandalizado, o professor começa a vociferar e ameaça expulsar Daniel da sala. Mas o intelecto indômito do jovem quer levar a iconoclastia às últimas consequências:
− É isso mesmo, Deus só quer que tenhamos medo! E que importa é que, ao fim e ao cabo, o obediente servo Abraão não matou Isaac. Deus lançou tal desafio e, no momento em que Abraão levantou o punhal, seu coração se fez impuro. Como Isaac poderia esquecer tudo aquilo? Poderia o filho perdoar algum dia o próprio pai? Poderia o pai perdoar a si mesmo?
Daniel parece ressoar o abandono que outro judeu, Jesus Cristo, exalou em seus últimos momentos de crucificação:
− Pai, por que me abandonaste?
Daniel abandonou a escola que não sabia lidar com suas questões e angústias. Em tenra idade descobriu que a fé e o fetichismo são tão contíguos quanto o corpo e a sombra. Os espectadores só não esperávamos tamanha conversão passados alguns anos. No início de sua vida adulta, Daniel Balint começa a militar em movimentos de extrema direita. A cabeça raspada, os coturnos, os suspensórios e a suástica sob a jaqueta surrada não deixam dúvidas sobre sua nova orientação neonazista. Daniel, leitor de Mein Kampf (Minha Luta), discípulo de Adolf Schicklgruber, também conhecido como Adolf Hitler.
O redivivo episódio bíblico envolvendo Abraão e Isaac parece iluminar uma face obscura de Deus que a trágica conversão de Daniel pretende reproduzir. Como entender que um judeu possa envergar a suástica? Como entender que a vítima queira ser arregimentada pelo carrasco? “Ora”, diria Daniel, “Deus não deu cabo de seus filhos amados? Se assim é, apenas a cerca de arame farpado de Auschwitz, Dachau e Treblinka separa o amor do ódio, a vingança do perdão”. Nossa sociedade não cultua os vencedores? O darwinismo social de nosso capitalismo não sentencia que aquilo que sobrevive e sobrepuja é a única força possível – e válida? Sendo assim, por que as vítimas deveriam se identificar com as vítimas? (Ora, ora: o cliente nem sempre tem razão.) Daniel Balint reproduz o discurso da servidão voluntária, “contanto que eu possa escarrar o meu ódio contra o outro que é tão impotente quanto eu mesmo”.
Daniel e seus comparsas brigam sem mais. Negros, latinos e judeus. Num restaurante kosher, cujos alimentos obedecem à lei judaica, os neonazis, como Eva, querem comer o fruto proibido. Só que, ali, o proprietário judeu, munido de um taco de baseball, inicia uma briga que vai parar diante de um juiz. Os neonazis são sentenciados pelo dedo em riste da democracia:
− Vocês podem escolher entre passar 30 dias na cadeia ou ouvir histórias de sobreviventes de Auschwitz. E então, o que vai ser?
Pela primeira vez em suas vidas, os neonazis precisam se deparar com os efeitos concretos da barbárie fascista. Quando gangues e facções se enfrentam nas ruas e avenidas das megalópoles, o outro não passa de uma abstração. O objeto distante do ódio. Um alvo cada vez mais próximo. Agora, a truculência deve lidar com o sofrimento encarnado, deve escutar histórias daqueles que não conseguem se libertar do algoz da memória.
A medida judicial me parece fundamental. Há um fosso enorme entre fazer odes fictícias à opressão e assistir à morte de um ser humano por chutes e pauladas. Na verdade, quando uma gangue lincha uma vítima estirada, toda a humanidade da vítima – e dos carrascos – já se evadiu. Assim, os neonazis ouvirão relatos de estupros e afogamentos e torturas e assassínios de pessoas que há muito se sentem culpadas por terem sobrevivido. Já não será possível tratar o judeu como o espólio estatístico da câmera de gás. Ele e ela estão ali, poderiam ser nossos vizinhos, nossos amigos.
A medida judicial que aproxima vítimas e carrascos deveria se estender aos grandes mandatários que, de seus gabinetes, não ouvem os gritos e súplicas dos condenados da terra. Se o presidente Harry Truman conhecesse os homens e mulheres de Hiroshima e Nagasaki, talvez o bombardeiro Enola Gay não houvesse legado ao Japão sombras fosforescentes como escombros de guerra. As crianças de Hanói não tomariam banho com napalm pela manhã se John Fitzgerald Kennedy e Richard Nixon exalassem o odor dos corpos vietnamitas em decomposição – corpos desfigurados pelo agente laranja despejado pelos mesmos helicópteros hipócritas que, décadas depois, lançariam caixas de alimentos para amortizar a culpa do Ocidente.
Quando Balint ouve a história de um velho judeu que viu o próprio filho – um bebê! – ser arrancado de seus braços para morrer espetado pela baioneta de um soldado da temível SS, o jovem que outrora questionara Deus por conta de Sua brutalidade para com Abraão e Isaac, quase às lágrimas, só faz gritar:
− Mas o que foi que você fez para conter o soldado, velho? Você ficou assistindo à morte de seu próprio filho? Por que não reagiu? Por que não o matou? Por que você não trucidou aquele assassino?
Daniel cospe as palavras com ódio, o velho pai chora copiosamente, até que uma sobrevivente logo ao lado questiona com todo o afinco o heroísmo de estufa do jovem Daniel.
− Mas, ora, como ousa?! Você não estava ali, como pode julgá-lo? Seu tolo, seu estúpido! Jovens mais fortes e mais valentes do que você quedaram inertes em situações similares. Você, aqui, em seu país rico, você acha que pode bancar o herói!? Só alguém dentro de uma situação pode julgá-la. E esse alguém será sempre o último a poder julgá-la. O último! O sobrevivente.
Por um momento, Daniel se cala. É preciso lutar contra a piedade, “eu não quero chorar, eu não posso chorar!” Súbito, Daniel levanta a cabeça e dispara:
− Mate o seu inimigo! Resista! Eis o que é preciso fazer.
Daniel Balint, neonazista judeu, acaba cometendo suicídio. O jovem explode uma sinagoga a que fora para rezar. “Mate o seu inimigo”. Mate a si mesmo. “Ora”, diria Daniel, “Deus não deu cabo de seus filhos amados? Se assim é, apenas a cerca de arame farpado de Auschwitz, Dachau e Treblinka separa o amor do ódio, a vingança do perdão”. Nossa sociedade não cultua os vencedores? O darwinismo social de nosso capitalismo não sentencia que aquilo que sobrevive e sobrepuja é a única força possível – e válida? Sendo assim, por que as vítimas deveriam se identificar com as vítimas? (Ora, ora: o cliente nem sempre tem razão.) Daniel Balint reproduz o discurso da servidão voluntária, “contanto que eu possa escarrar o meu ódio contra o outro que é tão impotente quanto eu mesmo”.
Do AMgóes 2 - Pilotos(confessadamente cristãos e tementes a Deus) do bombardeio norte-americano 'Enola Gay', horas depois de lançarem o artefato atômico que destruiu a cidade japonesa de Hiroshima e matou, ato contínuo, centenas de milhares de pessoas. 'Experiência' incontrolável de sadismo 'aliado', reprisada dia seguinte em Nagasaki, contra o Império nipônico já exaurido e derrotado, nos estertores da segunda guerra mundial.
[Do AMgóes 3 - Por que Deus, na undécima hora de sua inefável misericórdia, não poupou os japoneses de Hiroshima e Nagasaki? Teria sido, por acaso, decisão excludente de seu lado 'justiceiro e vingador', face aos horrores nazistas contra os judeus, autodeclarados 'verdadeiros e legítimos filhos do Todo-Poderoso, por herança de Abraão e Isaac'? (Moisés disse ao povo: "Não tenham medo! Deus veio prová-los, para que o temor de Deus esteja em vocês e os livre de pecar". Êxodo 20:20) E os negros, ciganos, comunistas, testemunhas de Jeová, igualmente dizimados nos campos de concentração da Alemanha e Polônia - até hoje não 'reverenciados' isonomicamente no memorial das vítimas de Hitler - não contam? Não me execrem os recalcitrantes e viscerais teocratas! Perguntar não ofende, 'please'..rsrsrsrs)
Veja, no link' abaixo, trechos do filme 'Tolerância Zero'...
Veja, no link' abaixo, trechos do filme 'Tolerância Zero'...
http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=ImxSBlJDetQ
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