O 'fator Covas' no escândalo
do metrô paulistano
A imagem de homem público exemplar de Mário Covas é abalada por sua ligação com Robson Marinho, personagem central das propinas.
PAULO NOGUEIRA DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO
“Covas era detalhista. Uma vez eu estava com ele e, sobre a mesa, havia um monte de processos de concorrência, uma pilha enorme. A gente estava conversando e eu falei: ‘Mario, você está lendo processos de concorrência?’ Ele respondeu: ‘É, isso aqui é importante. São estradas vicinais’.
Eu falei: ‘Não acredito que você esteja lendo um por um’. E ele: ‘Eu vejo todos. Mesmo que tenha que ficar aqui a noite inteira, eu não deixo de ler’.
Ele tinha fixação em acompanhar tudo de perto.”
O depoimento acima é do jornalista Miguel Jorge, e se refere a Mário Covas, fundador e reserva moral do PSDB.
Morto em 2001, aos 71 anos, Covas ainda hoje é chorado. Muitos atribuem à sua ausência a guinada à direita 'vale tudo' do PSDB sob Serra.
Mas agora seu legado está sendo forçado a uma penosa revisão, no rastro do escândalo das propinas pagas a autoridades tucanas por grandes empresas estrangeiras para a conquista de obras multimilionárias no metrô de São Paulo. Duas companhias se destacam no caso, a alemã Siemens e a francesa Alstom.
O problema póstumo de Covas aparece na forma de um nome ao mesmo tempo estreitamente vinculado às propinas e a ele próprio: Robson Marinho.
Marinho, hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, órgão incumbido de investigar as contas do governo de São Paulo, teve uma longa parceria com Covas.
Pertenceu ao grupo de Covas na Constituinte da segunda metade dos anos 1980. Coordenou, depois, a campanha que levaria Covas ao governo paulista. Foi indicado no novo governo para o cargo mais importante entre todos – o de chefe da Casa Civil.
Depois, Covas ainda o indicou para o TCE. Jornalistas ponderaram a inadequação de Marinho para a função. Como alguém tão ligado a Covas poderia examinar as contas de seu governo?
A esta pergunta, feita por um jornalista, Covas respondeu asperamente. “A ilação é que por ser um amigo meu ele vai me favorecer, é isso?”
Era isso, naturalmente. Mas Covas, talvez pela cultura época de então, não parecia ver conflito ético naquilo.
Considerada a probidade pessoal de Covas, Robson Marinho provavelmente não tenha tido necessidade de fechar os olhos às contas relativas a Covas.
Mas com ele no TCE a bandalheira no metrô de São Paulo acabaria legalmente chancelada. Era uma raposa no galinheiro, para usar uma expressão popular.
Tão logo Covas chegou ao Palácio dos Bandeirantes, a Alstom logo tratou de estabelecer boas relações com Marinho. Levou-o, tudo pago, para a Copa da França, em 1998.
O caráter da ligação entre a Alstom e Robson Marinho ficaria publicamente claro anos depois.
A justiça suíça, numa investigação sobre as propinas pagas pela empresa (até 1999 a legislação francesa permitia subornos em subsidiárias), descobriu uma conta que atribuiu a Robson Marinho.
A conta, num banco suíço, foi abastecida com subornos da Alstom. Ela acabaria bloqueada, depois que foram identificados movimentos para transferir dinheiro para os Estados Unidos.
Robson Marinho recebe cerca de 20 000 reais no TCE. Um secretário de governo em São Paulo ganha 15 000 reais.
Seu patrimônio declarado inclui uma ilha em Paraty, à qual chega em sua lancha, e um prédio comercial de oito andares em São José dos Campos, onde deslanchou para a carreira como prefeito.
Segundo uma imobiliária especializada em luxo, a Sotheby’s Realty, o preço médio de uma ilha no Brasil oscila entre 5 milhões de dólares e 20 milhões de dólares.
Mesmo depois das denúncias emanadas da justiça suíça, Marinho continua com seu cargo no TCE, incumbido de fiscalizar contas do governo de São Paulo.
Segundo o testemunho de Miguel Jorge, Mário Covas era obcecado com detalhes. Mesmo assim, os movimentos de seu amigo Robson Marinho lhe escaparam.
E isso hoje cobra um preço amargo em sua imagem póstuma de homem público exemplar.
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