Abro o Correio do Povo, de hoje, página 3, aqui na capital gaúcha e começo a ler:
“O prefeito José Fortunati (PDT) decidiu exonerar os cargos em comissão (CCs) ocupados por indicação dos três vereadores de sua base aliada que assinaram o requerimento de criação da CPI da PROCEMPA na Câmara da Capital, protocolado ontem. As exonerações dos CCs indicados pelos vereadores Cláudio Janta (PDT), Lourdes Sprengler (PMDB) e Séfora Mota (PRB) serão publicadas no Diário Oficial da Prefeitura de hoje.”
Para os desavisados, vamos traduzir isso. Algum tempo atrás, o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), ao montar sua base de apoio na Câmara de Vereadores, negociou da seguinte forma com os vereadores Janta, Sprengler e Mota: “se vocês, que são vereadores eleitos pelo povo, me indicarem pessoas de suas relações para ocuparem cargos de confiança (CC) na prefeitura, eu nomeio estas pessoas e elas passam a ganhar uma grana do erário público da cidade todos os meses. Então, em contrapartida a este meu generoso gesto com os seus amigos, assegurando a eles um dinheiro público todo mês, vocês passam a votar lá Câmara conforme eu disser, OK?”
Acordo fechado! Os três vereadores toparam e indicaram pessoas de suas relações para os cargos de CC na prefeitura. O prefeito nomeou todos os indicados e os vereadores passaram a votar como quer o prefeito. E tudo ficou “perfeito", diria o alcalde, “certinho”.
Porém, agora, quando estourou um escândalo de roubalheira na PROCEMPA, nas gestões do PPS e do próprio PDT do prefeito (a PROCEMPA é a empresa pública que cuida do gerenciamento tecnológico dos dados do município), vereadores da Câmara Municipal de Porto Alegre resolveram criar uma CPI, o que causou imediatas urticárias na pele do prefeito Fortunatti.
Alguns vereadores da colenda começaram então a colher assinaturas de outros vereadores para o requerimento necessário para a criação desta CPI. Foi então que os três referidos vereadores acima, os que entregaram seus mandatos ao prefeito em troca da investidura de amigos aos cargos de CC na prefeitura, resolveram assinar o requerimento de abertura da tal CPI.
O que ocorreu então? O prefeito, desgostoso com a indisciplina dos transaentes, considerou rescindida a negociação e, imediatamente, retaliou-os, exonerando do cargo de CC todas as pessoas indicadas pelos três vereadores rebeldes. É isto o que retrata a notícia acima. É isto o que significará a publicação das exonerações no Diário Oficial do município.
Ora, o que temos então é a confissão pública, lisa, pacífica e rematada, do mais descarado mensalão praticado pelo governante do município de Porto Alegre. Ou será que ? Tudo exatamente igual ao mensalão que gerou a condenação e a execração pública de José Dirceu, José Genuíno e de vários outros políticos que integraram o primeiro mandato do PT no Palácio do Planalto. Repare bem: é exatamente o mesmo tipo de negócio: a “compra” de parlamentares para compor a base de apoio do governo à custa do erário público que paga os salários dos tais cargos em comissão.
Isto torna acertadíssima a manifestação de estréia do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, quando ele afirmou que a corrupção não pode ser politizada, com o que descolou do PT o esquema ocorrido em 2005: "Não existe corrupção do PT, do PSDB ou do PMDB. Existe corrupção. Não há corrupção melhor ou pior, dos ‘nossos’ ou dos ‘deles’. Não há corrupção do bem. A corrupção é um mal em si e não deve ser politizada", disse o ministro Barroso em seu voto. E ele foi adiante, tocando no nervo exposto que é o sistema político eleitoral do país, mostrando que há uma matemática financeira que não pode ser fechada no campo da ética na política, numa coa simples: o custo médio de uma campanha para deputado federal é de R$4 milhões, cargo este cujo salário mensal é de R$20mil reais. Evidentemente, temos aí uma conta que não fecha, pois, se eleito, o deputado terá que trabalhar para os seus financiadores, estando aí aberto o caminho para a corrupção dos mensalões.
Enquanto o STF gasta uma preciosa fatia de seu orçamento público julgando as filigranas processuais relativos às condenações do processo do mensalão, em Brasília, o país segue sua vida com todos os demais mensalões que são operados em todo o país, em todos os níveis, como este de Porto Alegre, que foi publicamente assumido e confessado pelo próprio prefeito.
Enquanto isso, o país se debruça sobre um outro mensalão, que já é chamado de trensalão, o escândalo da roubalheira dos governos tucanos de São Paulo desde Mário Covas, passando pelas gestões dos ex-presidenciáveis José Serra e Geraldo Alckmin. Só neste caso, segundo dizem, mais de meio bilhão de dólares teria sido desviado do erário público para pagamento de propinas a políticos corruptos de São Paulo. Onde está a CPI, onde está a ação penal?
Aliás, o Brasil é gerido por mensalões e mensalinhos há séculos. Onde está a repercussão do mensalão da aprovação da emenda da reeleição no Congresso articulada pelo FHC, enquanto era (nada menos) do que o Presidente da República? Onde está a ação penal dos mensalões do Governador Azeredo, de MG (operado pelo mesmo Marcos Valério), e o do Roberto Arruda, do DEM, no Distrito Federal (neste, chegaram até a filmar parlamentares enfiando dinheiro vivo nas meias, bolsas e cuecas)? Cadê o estardalhaço da imprensa em torno das denúncias comprovadas de roubos nas privatizações denunciadas no livro “Privataria Tucana”? E a CPI e a ação penal agora, relativamente ao trensalão do PSDB de São Paulo?
A imprensa repetiu à exaustão a entrevista de Geraldo Alckmin de que irá processar a empresa alemã Siemens, por que ela é “ré confessa”. Conforme disse o humorista José Simão, isto é o mesmo que o marido, após flagrado pela esposa com marca de batom na camisa ao chegar em casa, reunir a imprensa para dizer que irá processar o fabricante do batom!
O problema no Brasil é que a profusão de mensalões é tão intensa quanto a hipocrisia que transborda no entorno de todos eles. Ou, como disse um outro humorista: “mensalão ruim é o dos outros!” Já agora, em agosto, começo a achar que todos aqueles que protestaram nas ruas em junho passado podem ter desperdiçado suas energias e seus cartazes. Alguém me comprove que estou errado, pelamordedeus!
(*) Rogério Guimarães Oliveira é advogado em Porto Alegre(RS).
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