segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Feitiço contra feiticeiros no STF


Após quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo de rever seus votos no julgamento do 'mensalão'

Paulo Moreira Leite                    IstoÉ independente                                      

Às vésperas da retomada do julgamento da Ação Penal 470, quando o STF irá examinar os recursos dos 25 condenados, o ambiente no tribunal é descrito da seguinte forma por Felipe Recondo e Debora Bergamasco, repórteres do Estado de S. Paulo, com transito entre os ministros: 

“(...) há ministros que se mostram ‘arrependidos de seus votos’ por admitirem que algumas falhas apontadas pelos advogados de defesa fazem sentido. O problema (...) é que esses mesmos ministros não veem nenhuma brecha para um recuo neste momento. O dilema entre os que acham que foram duros demais nas sentenças é encontrar um meio termo entre rever parte do voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.
 
Pois é, meus amigos. 
 
Após quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo. Não sabem como “encontrar um meio termo entre rever parte de seu voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.”
 
É preocupante e escandaloso. 
 
Não faltam motivos muito razoáveis para um exame atento de recursos. Sabe-se hoje que provas que poderiam ajudar os réus não foram exibidas ao plenário em tempo certo. Alguns acusados foram condenados pela nova lei de combate à corrupção, que sequer estava em vigor quando os fatos ocorreram – o que é um despropósito jurídico. Em nome de uma jurisprudência lançada à última hora num tribunal brasileiro, considerou-se que era razoável “flexibilizar as provas” para confirmar condenações, atropelando o direito à ampla defesa, indispensável em Direito. Centenas de supressões realizadas pelos ministros no momento em que colocavam seus votos no papel, longe das câmaras de TV, mostram que há diferença entre o que se disse e o que se escreveu. 
 
O próprio Joaquim Barbosa suprimiu silenciosamente uma denúncia de propina que formulou de viva voz, informação errada que ajudou a reforçar a condenação de um dos réus, sendo acolhida e reapresentada por outros ministros. 
 
Eu pergunto se é justo, razoável – e mesmo decente – sufocar esse debate. Claro que não é. 
É perigoso e antidemocrático, embora seja possível encher a boca e dizer que tudo o que os réus pretendem é ganhar tempo, fazer chicana. Numa palavra, garantir a própria impunidade. 
 
Na verdade estamos assistindo ao processo em que o feitiço se volta contra o feiticeiro. E aí é preciso perguntar pelo papel daquelas instituições responsáveis pela comunicação entre os poderes públicos e a sociedade – os jornais, revistas, a TV. 
 
O tratamento parcial dos meios de comunicação, que jamais se deram ao trabalho de fazer um exame isento de provas e argumentos da acusação e da defesa, ajudou a criar um clima de agressividade e intolerância contra toda dissidência e toda pergunta inconveniente.
 
Os réus foram criminalizados previamente, como parte de uma campanha geral para criminalizar o regime democrático depois que nos últimos anos ele passou a ser utilizado pelos mais pobres, pelos eternamente excluídos, pelos que pareciam danados pela Terra, para conseguir alguns benefícios – modestos, mas reais -- que sempre foram negados e eram vistos como utopia e sonho infantil. 
 
(A prova de que se queria criminalizar o sistema, e não corrigir seus defeitos, foi confirmada pelo esforço recente para sufocar toda iniciativa de reforma política, vamos combinar.)
 
No mundo inteiro, os tribunais de exceção consistem, justamente, num espetáculo onde a mobilização é usada para condicionar a decisão dos ministros. 
 
“Morte aos cães!”, berravam os promotores dos processos de Moscou, empregados por Stalin para eliminar adversários e dissidentes. 
 
Em 1792, no Terror da Revolução Francesa, os acusados eram condenados sumariamente e guilhotinados em seguida, abrindo uma etapa histórica conhecida como Termidor, que levou à redução de direitos democráticos e restauração da monarquia. 
 
No Brasil de 2013, a pergunta é se os ministros vão se render ao medo.
 

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