Por que 8 mil contas de brasileiros em paraísos fiscais não são
notícia no Jornal Nacional?
Helena Sthephanowitz(da RBA)
Não se pode dizer que a notícia é apenas de interesse estrangeiro, pois 8.667 correntistas são associados ao Brasil, despontando como a quarta maior clientela. O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco Filho, por exemplo, confessou em depoimento à Polícia Federal, ter mantido dinheiro de propinas nesse HSBC suíço durante um período.
No Brasil, não é só a TV Globo que parece desinteressada nesta notícia. O resto da imprensa tradicional brasileira também reluta em divulgar até nomes que já saíram na imprensa estrangeira. Um portal de notícias de Angola noticiou a presença na lista da portuguesa residente no Brasil, Maria José de Freitas Jakurski, com US$115 milhões, e do empresário que detém concessões de ônibus urbanos no Rio de Janeiro, Jacob Barata, com US$95 milhões. A notícia traz dores de cabeça também para o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB/RJ), pois Barata é chamado o “rei dos ônibus” e desde junho de 2013 é alvo de protestos liderados pelo Movimento Passe Livre.
O dinheiro nas contas pode ser legítimo ou não. No caso de brasileiros, a lei exige que o saldo no exterior seja declarado no Brasil e, se a origem do dinheiro for tributável, que os impostos sejam devidamente pagos, inclusive no processo de remessa para o exterior. Porém é grande a possibilidade de esse tipo de conta ser usada justamente para sonegar impostos, esconder renda, patrimônio e dinheiro sujo vindo de atividades criminosas. O próprio HSBC afirma que mudou seus controles de 2007 para cá, e 70% das contas na Suíça foram fechadas.
A receita federal da Inglaterra, onde fica a matriz do HSBC, identificou 7 mil clientes britânicos que não pagaram impostos. A francesa avaliou que 99,8% de seus cidadãos presentes na lista praticavam evasão fiscal. Na Argentina, a filial do HSBC foi denunciada em novembro de 2014, acusada de ajudar 4 mil cidadãos a evadir impostos. Segundo a agência de notícias Télam, o grupo de mídia Clarín (uma espécie de Organizações Globo de lá) tem mais de US$100 milhões sem declarar.
Os dados de mais de 100 mil clientes com contas entre 1988 e 2007 foram vazados pelo ex-funcionário do HSBC Herve Falciani. O jornal Le Monde teve acesso e compartilhou com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), formado por mais de 140 jornalistas de 45 países para explorar as informações e produzir reportagens, compondo o projeto SwissLeaks.
No Brasil, o jornalista Fernando Rodrigues do portal UOL é quem detém a lista e deveria revelar o que encontrou. Porém sua postura tem sido mais de esconder do que de revelar o que sabe. Segundo ele, revelará nomes que tiverem “interesse público” (portanto, independentemente da licitude) ou nomes desconhecidos sobre os quais venham a ser provadas irregularidades.
Mas o próprio Rodrigues disse que há nomes conhecidos de empresários, banqueiros, artistas, esportistas, intelectuais e, até agora, praticamente não publicou nenhum. Nem o de Jacob Barata, de claro interesse jornalístico. Só publicou dois nomes já divulgados no site internacional do SwissLeaks (contas do banqueiro falecido Edmond Safra e da família Steinbruch), o de Pedro Barusco, também já divulgado antes, e de outros envolvidos com a Operação Lava-Jato, como Julio Faerman (ex-representante da empresa SBM), o doleiro Raul Henrique Srour, e donos da Construtora Queiroz Galvão.
Rodrigues não publicou nenhum nome de artista, esportista, intelectual, político ou ex-político, contradizendo sua política editorial de revelar tudo que seja de interesse público. Jornalistas do ICIJ de outros países divulgaram os nomes de celebridades, políticos, empresários. Há atores, pilotos de Fórmula 1, jogadores de futebol, o presidente do Paraguai etc.
A cautela no Brasil é contraditória com o jornalismo que vem sendo praticado pela imprensa tradicional de espalhar qualquer vazamento, sem conferir se tem fundamento, quando atinge alguém ligado ao governo da presidenta Dilma Rousseff ou ao Partido dos Trabalhadores. Esta blindagem de não publicar o que sabe só costuma ser praticada quando há nomes ligados ao PSDB ou ligados aos patrões dos jornalistas e grandes anunciantes.
Um caso recente não noticiado pela mídia tradicional foi o discurso em 29 de abril de 2013 do ex-deputado Anthony Garotinho (PR/RJ), no plenário da Câmara, em que disse sobre um dos donos da TV Globo: “[…] O senhor João Roberto Marinho deveria explicar porque no ano de 2006 tinha uma conta em paraíso fiscal não declarada à Receita Federal com mais de R$100 milhões […]”. Tudo bem que o ônus da prova é de quem acusa, mas se fosse contra qualquer burocrata na hierarquia do governo Dilma, estaria nas primeiras páginas de todos os jornais e o acusado que se virasse para explicar, tendo culpa ou não.
O período que abrange o SwissLeaks, de 1988 a 2007, pega a era da privataria tucana e dos grandes engavetamentos na Procuradoria Geral da República, enterrando escândalos de grandes proporções sem investigações. É só coincidência, mas o próprio processo de transferência do controle do antigo banco Bamerindus para o HSBC no Brasil se deu em 1997, durante o governo FHC. Reportagens da época apontaram que foi um “negócio da China” para o banco britânico.
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