As duas faces nada enigmáticas do
juiz Moro
Maurício Dias
'Imparcial' e 'isento'
são verbetes fáceis de ser encontrados em qualquer dicionário da língua portuguesa. Impossível é encontrar qualquer ser humano capaz de alcançar tais virtudes. Ela foi, todavia, usada às escâncaras nos últimos meses para brindar o juiz Sergio Moro, titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba, no Paraná, comandante da Operação Lava Jato, deflagrada em março de 2014 pela Polícia e Ministério Público federais.
Moro promoveu um fato inédito no País ao mandar para a cadeia, em grande quantidade, gente influente e de dinheiro. Todos supostamente corruptos ou corruptores, enriquecidos com ilícitos em torno da Petrobras. Uma decisão elogiável. Em torno da decisão do magistrado, à semelhança do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, durante o julgamento do chamado “mensalão”, a ingenuidade e a malícia política fizeram brotar a esperança de ter sido resgatada a moralidade no Brasil. Aparentemente, surgira um magistrado preocupado unicamente em fazer justiça.
Doa a quem doer, era o que se podia traduzir de suas ações iniciais. Esse é um lado da moeda. Há o outro.
Não há mesmo neutralidade em nenhum ato humano. Assim, aos poucos, o jovem magistrado, 43 anos, já famoso, saiu da trilha judicial. Moro tem direito a pensar politicamente como quiser. Está impedido, porém, de contaminar as decisões profissionais com cores partidárias. Tirada a máscara, despontou um militante antipetista. A militância interferiu em várias decisões judiciais dele.
A mais recente foi o ataque ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que recebeu alguns advogados dos acusados da Operação Lava Jato. Para Moro, houve tentativa indevida das empreiteiras “de obter uma interferência política em seu favor no processo judicial”. Embora o ministro tenha feito uma trapalhada, ao esconder da agenda de trabalho a audiência aos advogados, fica claro que o juiz Sergio Moro fez outra.
Antes disso, o juiz fechou os olhos para um fato relevante. Um dos acusados, Pedro Barusco, no papel de delator, contou no depoimento que, como gerente-executivo da Petrobras, tinha recebido a primeira propina em 1997. Portanto, durante o governo de FHC. Isso foi sepultado pelos agentes policiais, pelos promotores e, por fim, pelo magistrado.
Eles, curiosamente, esqueceram. Da primeira propina, porém, os corruptos nunca esquecem. Não há espaço para falar dos vazamentos seletivos do processo, liberados em Curitiba. A mídia se esbalda. Há um grande painel dessas irregularidades que transformam suposições em fatos consumados e dão à delação premiada o caráter de fé pública. Curiosamente, Moro deixou escapar um alerta. Ele próprio avisa: “As delações ainda carecem de provas”, mas contemporizou: “Elas estão parcialmente amparadas”. Uma contradição? Talvez “mea culpa?” Qual o valor de provas “parcialmente amparadas”?
Do STF foi lançada a primeira indicação sobre os descuidos do magistrado. Tomou posição pública o irrequieto ministro Marco Aurélio Mello, após dizer que acompanhava “com incredulidade” as notícias da Operação Lava Jato. “No Brasil, exceção virou regra: prende-se para depois apurar.” Mello destacou a “condução coercitiva” de João Vaccari, tesoureiro do PT, que resistiu à convocação, mas não se recusou a depor. Contra isso, invocou a ironia: “A criatividade humana é incrível... eu nunca tinha visto nada parecido. E as regras continuam as mesmas”.
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