O escândalo da Petrobras foi eleito pelos meios de comunicação e pela oposição à presidenta Dilma Rousseff como o terceiro turno, o episódio que, manipulado cotidianamente por informações de um juiz, do Ministério Público e da polícia veiculadas por uma mídia tradicional que tem lado – e não é o lado do governo – mostra-se capaz de alimentar uma espiral crescente de mal-estar com a política. Essa ação política, que ganhou força numa eleição particularmente radicalizada, é a primeira desde o chamado Mensalão que teve impacto de fato sobre a opinião pública.
Todavia, o que vem da tentativa de hiperdimensionar a responsabilidade de um único partido, o PT, sobre o episódio, tomando por base delações premiadas de dois réus que são figuras centrais – e podem ser considerados como chefes do esquema de corrupção incrustrado na Petrobras –, não fica em pé, se submetido a qualquer análise feita sob critérios de racionalidade. Na maioria dos casos, as “denúncias” constituem-se numa sucessão de hipocrisias que, se são capazes de manter um clima perigosamente crescente de aversão a todos os políticos, sequer tocam na raiz do problema do sistema político brasileiro: a captura do voto pelo poder econômico.
A Proposta de Emenda Constitucional de número 352, urdida pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com o apoio da oposição, por exemplo, jamais poderia ser desvinculada desse debate, se ele fosse efetivamente sério, e nunca poderia ter sucesso no meio de um escândalo como o da Petrobras. A PEC 352, afinal, é a consagração de um sistema político que é caro e apoiado no financiamento eleitoral e partidário por grandes empresas com interesses no governo ou em assuntos em pauta no Legislativo, e cujo sucesso depende de uma eleição de governantes, sim, mas fundamentalmente de uma grande bancada de parlamentares, capazes de mobilizar mais rapidamente seus assuntos tanto no Legislativo como no Executivo, via pressão por liberação de emendas parlamentares ou aprovação de outras leis. A constitucionalização do financiamento privado de campanha pretendido por Cunha e seus seguidores eterniza esse sistema político totalmente vinculado ao poder econômico.
A notícia de que o presidente da CPI da Petrobras na Câmara, Hugo Motta (PMDB-PB), e o relator Luiz Sérgio (PT-RJ) receberam dinheiro de empreiteiras denunciadas na Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobras, não deveria ter surpreendido ninguém. O sistema político brasileiro é assim. Aliás, a pergunta que se deveria fazer é: quantos parlamentares eleitos receberam dinheiro para campanha de empresas que têm profundos interesses na administração pública? Como isso não é crime, essas doações podem ser levantadas na prestação de contas das campanhas dos parlamentares. E, como o interesse das empresas são nos votos que poderão ter no plenário do Congresso, supõe-se que existam financiados às pencas, tanto na oposição como no governo. As financiadoras certamente serão, em sua maioria, as encrencadas na Operação Lava Jato, pois são elas as poucas grandes empreiteiras nacionais aptas a ganhar grandes licitações, da Petrobras, do governo federal ou dos governos estaduais.
Aliás, se existe possibilidade legal de as empresas financiarem a eleição de parlamentares, pela lógica financiarão mais as que têm interesses mais arraigados na administração pública: grandes empreiteiras, que normalmente são as que vencem licitações para as grandes obras – que só se concretizam se houver liberação orçamentária para tanto; setor financeiro, para o qual qualquer decisão, por exemplo, sobre impostos, envolve giro diário de enormes fortunas (quem não se lembra da rejeição da CPMF?); setor agrícola, cuja articulação é crescentemente vitoriosa no Congresso em questões legais que dificultam a reforma agrária e aumentam o poder de negociação dos grandes empresários rurais com o governo em geral, e com o Banco do Brasil em particular.
Com fortes bancadas, grandes empresas têm mais poder no Congresso do que qualquer outro eleitor. O voto do eleitor vale um. O voto de uma empreiteira, ou do banco, vale os votos que conseguiu, com o seu dinheiro, para eleger um parlamentar. No final das eleições, o deputado ou senador que recebeu o dinheiro dessas empresas tem mais compromissos com elas do que com o eleitor que ganha salário mínimo e mora na periferia. Entre um e outro, certamente vai querer agradar o seu financiador.
Sob essa ótica, a onda de comoção que se pretende alimentar contra os políticos porque eles recebem financiamento de campanha de empresas poderosas perde qualquer racionalidade, se for considerado aceitável – ou desejável – manter o financiamento empresarial de campanhas políticas. A grande distorção gerada por essa permissividade do sistema político-eleitoral do país não desaparece se a justiça conseguir colocar na cadeia todas as empresas e todos os políticos que receberam propina no esquema da Petrobras. O sequestro da democracia pelo grande capital econômico apenas é contido se o financiamento empresarial for proibido.
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