Mobilização para evitar
um
grande salto
para o caos
J. Carlos de Assis(*)
As teorias de sistemas complexos nos dizem que, em situações caóticas, pequenas alterações nas condições iniciais de um sistema provocam grandes transformações nas suas condições finais. A metáfora universal para isso é que uma borboleta que bate asas na Argentina provoca um tufão na Califórnia. Vivemos uma situação caótica. Alterações que estão ocorrendo nas condições prevalecentes do sistema econômico e político podem levar tanto a grandes transformações benéficas, mas também a transformações desastrosas. Neste último caso, não tenham dúvida: todos perderão, exceto os ricos.
Vejamos uma situação que leva a um risco de perda generalizada. A estagnação da economia não é um fenômeno recente; vem de 2014, ou mesmo antes. Entretanto, o novo Governo, comandado pelo ministro Levy, não parece muito preocupado com isso. Está preocupado sobretudo com o déficit em conta corrente – 91 bilhões de dólares no ano passado – e com a forma de financiá-lo. Certamente, no curto prazo, não pode ser pela via do aumento do superávit comercial. Somos exportadores quase que exclusivamente de commodities, e quantidades exportadas e preços delas estão em baixa.
Um esforço heroico no sentido de financiar exportações de manufaturados seria inútil no curto prazo: não podemos concorrer com a China, e não temos como entrar em escala nos mercados dos países ricos, os quais estão, também eles, estagnados (Europa, Japão) ou virtualmente estagnados (EUA). Na realidade, a prioridade das políticas econômicas de todos os países industrializados avançados é aumentar exportações, não importar. Nesse contexto, a busca de tratados de livre comércio com a Europa e os Estados Unidos não passa de um sonho ilusório da FIESP, que parece pouco preocupada com a saúde da indústria interna.
Diante desse quadro, a única forma de continuar fechando a balança de conta corrente é tomando capital ou empréstimos externos. E aqui entra a primeira maldição de nossa política macroeconômica condicionada: só atraímos empréstimos externos se mantivermos elevadas taxas de juros básicas, talvez não tão exageradas como estão hoje, mas de qualquer forma altas. Não arriscaria dizer qual o nível exato da taxa de juros que deveria ser adotado para conciliar necessidades internas de desenvolvimento com o imperativo de equilibrar a balança com empréstimos; só posso dizer que perdemos soberania nessa questão.
O condicionamento externo não para aí. Em condições normais, para favorecer a retomada da economia seria necessário fazer uma política fiscal expansiva, a saber, aumentar os gastos públicos relativamente às receitas. Não podemos fazer isso, segundo a lógica convencional de Levy. É que agências de risco nos desclassificaríamos para empréstimos públicos e privados, o que resultaria em contração das disponibilidades de recursos de curto prazo para fechar o déficit corrente. Diante disso, o rumo dado à economia é do “ajuste” fiscal, que vai da subida de tarifas e impostos a cortes de benefícios trabalhistas e previdenciários.
Resta a política cambial. A desvalorização tímida que se nota, embora positiva, não é suficiente para estimular exportações de manufaturados na escala necessária porque chegou atrasada. Seria necessário uma desvalorização maior, o que resultaria em mais inflação, e que de qualquer modo implicaria um sacrilégio contra o tripé sagrado da política fiscal austera, da política monetária restritiva e do câmbio flutuante. Poder-se-ia recorrer a políticas heterodoxas de controle cambial. Claro, isso jamais seria uma iniciativa de Levy. De qualquer modo, quando se está perto do incêndio, políticas como essa não dariam certo, se isoladas.
Então quais serão as condições finais desse caos? Vejamos: a economia vai se contrair. Considerando, além do efeito Levy o efeito Petrobrás, poderemos ter uma queda de 4 a 5%, similar à queda de 4% de 2009. Isso implicará um crescimento dramático do desemprego. A dívida pública, por sua vez, continuará subindo no ritmo da taxa básica de juros, pelo mínimo. A inflação evidentemente aumentará por cima da meta. Tudo considerado, a relação dívida/PIB estará sob o duplo efeito do aumento da dívida e da queda do PIB, com um resultado líquido de uma imediata deterioração das condições fiscais.
Nada disso, exceto o desemprego, seria intolerável em situações normais. O que torna todo o processo intolerável é que não nos dizem o que haverá depois do “ajuste”. É que, se pela lógica de Levy o “ajuste” é necessário por causa das condições fiscais atuais, um novo “ajuste” vai se impor se as condições fiscais piorarem. Tudo dentro do figurino que levou à crise grega, à crise portuguesa, à crise espanhola, à crise irlandesa, e outras mais. Uma situação permanente de ajustes sobre ajustes, com a deterioração do mercado de trabalho até o ponto de desempregar-se um quarto da força de trabalho, como na Grécia e Espanha.
No nosso caso, não discutirei por enquanto o caos político, que já se anuncia. Estamos numa situação em que, se agravada, todos perderão, exceto os ricos e os especuladores. Poderá haver uma alternativa? Sim, poderá. Exigirá uma mobilização nacional. Mas que não se tenham muitas ilusões. A curto prazo alguma forma de “ajuste” será inevitável pois temos uma conta a pagar por equívocos anteriores, quando estivemos em condições de fazer uma política soberana e não fizemos, surfando na onda das exportações de commodities. Nossa alternativa consiste em mudar o eixo de nossas relações produtivas internacionais mediante uma articulação estratégica com a China, que está aberta a isso. Tratarei disso no próximo artigo.
(*) J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional a UEPB.
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