quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015


Advogada lança a luva aos


histéricos: por que não me


perguntaram o que tratei  


com Cardozo?                     


Fernando Brito                      
juiz
Se existissem frades entre os jornalistas brasileiros, estariam todos corados com o artigo publicado hoje pela advogada Dora Cavalcanti, sócia do escritório Cavalcanti & Arruda Botelho – Advogados e defensora de alguns presos da Operação Lava-Jato.
Por causa de uma simples afirmação, contida no texto: “não posso deixar de estranhar o fato de que nem um único jornalista me procurou para falar sobre a audiência que tive no Ministério da Justiça em 5 de fevereiro”.
Audiência que, apesar de constar da agenda pública do Ministro, foi tratada por Joaquim Barbosa e pelo próprio juiz Sérgio Moro como uma criminosa tentativa de interferência espúria no Judiciário.
Dora faz, num artigo, os esclarecimentos e informações que não lhe pediram e não ouviram.
Isso, em si, é uma vergonha para os jornalistas.
Dora, desde jovem, é uma advogada que se notabilizou pelo empenho em defender o direito à defesa.
Muito antes desta história toda, um jornalista – Gilberto Dimenstein – da mesma Folha que a aponta como suspeita de “trafico de influência” falou sobre ela, contando a história de como uma jovem advogada, de apenas 25 anos, agia.
“Gilvan Lino de Araújo nunca tinha cometido um crime, quando, aos 25 anos, quebrou a janela de um carro e furtou “Ninguém é de Ninguém”, livro da escritora espírita Zibia Gasparetto e levou junto uma malha usada. Naquele momento, virou mais um personagem de romance de terror urbano.
Preso, acabou numa delegacia da zona norte, sem tempo nem de ler o livro. Uma jovem advogada, Dora Cavalcanti, soube do caso e tentou libertá-lo. Argumentou com o juiz que aquele furto não era motivo para deixar alguém enjaulado. Recebeu o apoio do promotor público, mas o juiz se manteve irredutível.
Poucos dias depois da recusa do juiz, Gilvan Lino morreu, degolado na delegacia, em outubro de 2001″
É a mesma mulher que escreve hoje, para vergonha daqueles que fazem da histeria a sua maneira de julgar.

De ministros e ministros

Dora Cavalcanti
Em meio aos festejos de Carnaval, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa resolveu vociferar contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reputando incompatível com a ética do cargo sua atitude de receber advogados de empresas investigadas na Operação Lava Jato.
O comentário não chega a surpreender dado o histórico do ex-presidente do Supremo, avesso ao direito de defesa, nele incluídos os advogados e sua obrigação profissional de zelar pelo respeito às garantias individuais do cidadão.
Como bem disse o jornalista Ricardo Noblat, mereceria ser lido apenas como “flor do recesso”, típica dos períodos de marasmo no noticiário, não fosse o clima de ódio à defesa instalado no país. A manifestação de Barbosa é a tradução perfeita do momento de quase suspensão dos direitos individuais que estamos atravessando. Explico.
Considero-me uma advogada técnica. Em vez da oratória cativante ou do traquejo com a mídia, forjei meu sucesso na dedicação ao estudo da causa, do processo, dos detalhes. Todavia, não posso deixar de estranhar o fato de que nem um único jornalista me procurou para falar sobre a audiência que tive no Ministério da Justiça em 5 de fevereiro.
Afinal, tivesse sido questionada, eu poderia ter esclarecido que a petição endereçada ao ministro da Justiça em nada diferia de outra anteriormente dirigida ao ministro Teori Zavascki, relator do caso no STF, e ainda se somava a outras três protocoladas diretamente perante a 13ª Vara Federal de Curitiba.
Em todas essas manifestações a defesa protestou contra o vazamento criminoso de informações protegidas pelo sigilo processual, que em outros países levaria à aplicação de penalidades severas ou à invalidação dos procedimentos.
Assim, a defesa foi ao Ministério da Justiça noticiar que a única providência adotada no bojo do inquérito nº 1.017/14, instaurado na Delegacia de Polícia Federal em Curitiba para apurar os vazamentos, fora a oitiva de três ou quatro jornalistas.
Em outras palavras, nada foi feito, pois é óbvio que o jornalista está vinculado ao sigilo de fonte, e sobre sua conduta não recai qualquer irregularidade. Ocorre que o real trabalho da defesa já não interessa. A paridade de armas pode ir às favas.
Certamente uma audiência do ministro da Justiça com o procurador-geral da República para tratar das investigações em Curitiba não despertaria qualquer repulsa. A defesa é que deve ficar calada, tímida, vexada. Pobres cláusulas pétreas.
A presunção de inocência e o devido processo legal aparecem como obstáculos incômodos ao combate à corrupção e ao justiçamento daqueles que detêm poder político e econômico. E isso me aflige. Aflige-me pelos clientes de hoje e, sobretudo, pelos de amanhã. Angustia-me o risco que corre meu principal cliente, o direito de defesa em si.
Por isso, é preciso denunciar a falácia: o Brasil não precisa optar entre o combate à corrupção e o Estado de Direito. Não estamos diante de alternativas excludentes! É salutar e essencial desvendar e coibir os saques às verbas públicas, é igualmente essencial que façamos isso sem jogar fora o núcleo duro dos direitos fundamentais inseridos na Constituição Federal.
Aos que adoram postar aos quatro ventos que estaria em curso a “venezualização” do país, peço que reflitam sobre esse esforço concentrado liderado pela Operação Lava Jato para cravejar de morte o Estado de Direito. Afinal, há algo mais totalitário do que condenar sem processo? Prisões ilegais, desnecessárias, representam a pior forma de violência do Estado contra o indivíduo.
Já que estou a tratar de ministros, atuais e passados, não posso deixar de pensar na falta que me faz aquele que foi meu ministro de vocação, Márcio Thomaz Bastos. Que o ministro Cardozo tome a ácida comparação com ele como o maior dos elogios, e encontre sabedoria e novos caminhos nas críticas recebidas.

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