O embate entre Miriam Leitão e Celso
Amorim pelas Forças Armadas
Na semana que passou, a Globo News publicou uma entrevista cedida com exclusividade pelo ministro da Defesa Celso Amorim à jornalista Miriam Leitão. O principal tópico da pauta é o resultado de uma sindicância que as Forças Armadas fizeram a pedido da Comissão Nacional da Verdade. O grupo que levanta informações sobre mortos e torturados no período ditatorial quer saber se alguns aparelhos miliares sofreram, formalmente, desvio de função e se transformaram em verdadeiros abatedouros. "[Os militares] Disseram que não houve desvio de função, mas a resposta causou perplexidade", disse Miriam, na abertura do programa.
Ao longo de quase 25 minutos de entrevista, Miriam cobra, em mais de uma oportunidade, um posicionamento contundente de Amorim sobre uma possível rendenção dos militares. A jornalista que foi presa e torturado pelas forças de opressão argumentou que as Forças Armadas "tergiversaram" sobre a real intenção com a sindicância: descobrir se as corporações admitem a incidência de crimes em sedes militares. "Elas omitem a questão principal, que pessoas foram mortas e torturadas em lugares que não foram instalados para isso. (....) O senhor não acha que em algum momento as Forças Armadas vão se deixar convencer a pedir desculpas ao País pelos crimes cometidos na ditadura, para que eles não se repitam mais?", indagou.
"É uma pergunta complicada, eu não sei. Eu acho que talvez. Mas o grande subsídio para isso vai ser o relatório da Comissão da Verdade", rebateu o ministro, confiante de que, diante das evidências levantadas pela Comissão do Congresso, os militares vão quebrar o silêncio e reconhecer publicamente os crimes que hoje já não rechaçam.
Amorim, entretanto, alertou para um conflito: talvez as Forças Armadas de hoje - que estão em processo de reconciliação com a sociedade, segundo avalia - não queiram pedir desculpas por um erro do passado que não foi cometido por elas. "Talvez seja melhor ir mudando as práticas, deixando o assunto para quem tem que ver isso, que é o Judiciário, o Congresso ou a sociedade. Mas não sei. Talvez [pedir desculpas] fosse bom para eles [militares]", observou.
Dissuadir é melhor que impor
De acordo com o ministro Celso Amorim, as Forças Armadas vivem um processo lento de reconciliação com a sociedade brasileira após a ditadura militar. "Parece brincadeira dizer isso porque essa transição foi implementada há muito tempo, mas estamos completando a transição e a última etapa, espero eu, é justamente a conclusão do relatório da Comissão da Verdade. A comissão vai produzir um relatório e todos terão de se posicionar diante dele", pontuou, indicado que seria esse o momento de esperar que os militares quebrem o silêncio.
Amorim, provocado por Miriam, ainda sugeriu que, como ministro, teria, sim, o poder de colocar uma pedra sobre o caso e exigir transparência absoluta e definitiva dos militares. Mas, na opinião do titular, esse assunto não se encerra com um simples comando hierárquico.
"O Brasil precisa de Forças Armadas. Os militares de hoje são os militares de hoje. É com esses militares que precisamos dialogar. Temos de ser capazes de separar o que foi o passado e o que é hoje", sustentou, argumentando que oficiais da ativa e da reserva se esforçam para apagar a imagem ruim que ganharam com o golpe na democracia. "O 31 de março [dia em que era lembrado o golpe, com a derrubada do governo João Goulart, em 1964] já não é comemorado. Isso é um passo, a mudança tem de ser cultural. Isso não se faz com ordem. Depende de diálogo", endossou.
O comando civil das instituições militares
Em determinado ponto da entrevista, Celso Amorim foi incitado a fazer um balanço da atuação do Ministério da Defesa. Segundo ele, são inúmeros os pontos que podem ser destacados, mas o mais positivo talvez seja o fato de que hoje as instituções militares são comandados por civis - o que abre espaço, diz o ministro, para que os princípios que valorizam os direitos humanos sejam inseridos na formação dos militares.
"O balanço que faço é positivo. Muita coisa foi feita, como a criação de um estado maior no conjunto das Forças Armadas, subordinado diretamente ao ministro da Defesa. O Ministério tem 15 anos, mas esse fato só tem quatro. O ministro da Defesa está hoje na cadeia de comando inclusive das operações militares, mas antes era apenas uma espécie de administrador", explicou.
Outro avanço destacado por Amorim diz respeito à relevância das Forças Armadas na proteção contra fatores externos que possam ser prejudiciais à soberania nacional. "O Brasil não pode ser a sétima economia do mundo e não ter defesa capaz de dissuadir potenciais inimigos, que aliás não são da região. Na região, sempre digo, a melhor dissuasão é a cooperação", disse. "Para não acontecer [de o país se envolver numa guerra], temos de ter capacidade de dissuadir", acrescentou.
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