segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Merval quase culpa Dilma pela espionagem de Washington    


Luiz Carlos Azenha                            VIOMUNDO         

      publicado em 9 de setembro de 2013, às 13h42
     

Pelo menos hoje, antes de atirar, 'eles' espionam

“Vacilou”, diz na capa a revista Veja, com uma admoestação a Barack Obama que equivale a um tapinha nas costas de pai.
“Xeretou”, diz Carlos Alberto Sardenberg, ao debater o tema com Merval Pereira na rádio CBN.
Mais cedo, na mesma emissora, Kennedy Alencar deu o tom da reação na mídia corporativa: é ruim essa coisa de ser espionado, mas acontece.
Tratavam, todos, do novo capítulo da espionagem dos Estados Unidos no Brasil, contra a Petrobras.
Merval se superou. Embora tenha elogiado o comportamento do governo Dilma, disse que a diplomacia brasileira é boa para o governo mas não necessariamente para o Brasil, que é próximo de “países hostis” aos Estados Unidos.
Só faltou dizer que a espionagem se justifica por isso.
Ah, sim, alertou que não se deve fazer “bravatas”, como cancelar a viagem de Dilma a Washington.
Sobre eventual suspensão do leilão de Libra, do qual certamente vão participar empresas norte-americanas, nenhum deles se pronunciou. Presumo que seria cutucar o patrocinador com vara curta.
O ponto alto foi quando se disse na CBN — um deles, Merval ou Sardenberg — que Obama talvez pedisse moderação a seus espiões.
Merval, o imortal, tem razão num ponto: espionagem não é exatamente novidade.
No caso brasileiro, como contou aqui a Heloisa Villela, é coisa bem antiga.
Quando eu ainda morava em Nova York e acompanhava de perto o governo dos Estados Unidos, no primeiro mandato de Bill Clinton, Ron Brown foi indicado secretário de Comércio com a tarefa explícita de aproximar o Departamento de Estado de empresários norte-americanos, promovendo missões comerciais como as que o próprio ex-presidente Lula promoveu a partir de Brasília, muito mais tarde, quando decidiu diversificar os parceiros comerciais brasileiros.
Clinton queria colocar a burocracia diplomática completamente a serviço dos interesses comerciais, numa versão Foggy Bottom da “gunboat diplomacy”, a diplomacia das canhoneiras, que tão bem serviu aos interesses comerciais dos Estados Unidos em várias partes do mundo.
O importante é ter isso em mente: o que interessa aos Estados Unidos é o dinheiro, perseguido se necessário à bala, mas nem sempre.
A derrubada do presidente do Irã Mohammed Mosaddeq, em 1954, num golpe promovido pela CIA, não foi exatamente por discordâncias com o cerimonial de Teerã. Saddam Hussein seria invadido muito mais tarde, no Iraque, pelo mesmo motivo: controle do petróleo e dos preços internacionais do petróleo.
Foi assim com os golpes promovidos na América Central em defesa dos interesses da bananeira United Fruit. Ou a quartelada contra Salvador Allende, no Chile, promovida com o beneplácito da mineradora Anaconda e da telefônica ITT.
O ponto é que o governo dos Estados Unidos — qualquer governo — é representativo de imensos interesses econômicos, aos quais a espionagem serve direta ou indiretamente. Indiretamente? Sim, através da porta giratória pela qual burocratas do governo se tornam funcionários de megaempresas e vice-versa.
Num interessante artigo publicado recentemente na London Review of Books sobre o futuro da União Europeia, Susan Watkins descreve como o governo Obama monitorou as decisões cruciais tomadas por inspiração de Angela Merkel durante a crise europeia para evitar que elas prejudicassem os interesses de Wall Street. Ganhou todas.
Portanto, não será o beicinho do Itamaraty exatamente o instrumento para causar algum tipo de preocupação em Washington. Nem um eventual cancelamento da visita de Dilma à Casa Branca. Seriam medidas simbólicas mas, como costumam dizer os próprios norte-americanos, se de fato a espionagem rendeu dividendos econômicos a empresas dos Estados Unidos, elas vão “gargalhar até o banco”.
A única forma verdadeira de punir os Estados Unidos por espionagem, se é mesmo isso que se pretende — e não estou advogando que deva ser — é mexer com o bolso, com interesses econômicos de Washington.
Mas isso nem a mídia acima descrita, nem o próprio governo parecem inclinados a fazer.
Se é para fazer teatro, prefiro o Zé de Abreu.

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