As charges de Caruso no Mensalão vistas hoje
PAULO NOGUEIRA DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO
A presença de Gushiken nos trabalhos de Caruso incomodou particularmente leitores do Diário. Gushiken, como os demais réus, frequentemente apareceu nu diante dos juízes do STF.
O detalhe específico de Gushiken é que ele foi inocentado. Para piorar as coisas, o massacre da mídia – e as charges de Caruso se incluem aí – poderia ter contribuído para a aceleração do câncer terminal que ele enfrenta.
Quanto é real essa aceleração é difícil aferir, naturalmente.
Mas que Caruso julgou, condenou e humilhou os réus em seus desenhos é um fato da vida com o qual ele terá de conviver até o fim de sua carreira.
Caruso santificou os juízes e demonizou os réus. Com isso, ajudou a criar uma situação em que os acusados apareciam como, simplesmente, indefensáveis.
Com o correr dos dias, emergiram – quase sempre na internet – notícias que mostraram quem eram, na verdade, os ‘santos’ do Supremo. De Joaquim Barbosa a Fux e Gilmar Mendes, três dos mais severos juízes no julgamento, pouco restou da aura heroica.
Também foi ficando mais claro o caráter heterodoxo do julgamento – muito mais político que jurídico. O STF esqueceu, aspas, que você precisa de provas para condenar.
Também se viu o absurdo que é você ser julgado sem direito a recorrer a uma nova instância, para que o veredito possa ser avaliado. Foi o que ocorreu com os réus do Mensalão.
Outras questões apareceram, como o exagero das penas. Como o Diário comparou, o assassino norueguês Anders Breivik, que matou dezenas de jovens, levou metade da pena de Marcos Valério por corrupção. Valério foi condenado a 40 anos de prisão.
Em favor de Caruso, pode-se argumentar que, no momento em que ele produziu suas charges que hoje podem ser classificadas tranquilamente como infames, não havia as informações hoje correntes sobre o STF e o julgamento.
Ele simplesmente teria, neste caso, agido como numa manada.
Talvez seja a essa interpretação que ele se agarre, quando e se refletir sobre o que fez.
Ele deveria de alguma forma se desculpar? Ainda que isso lhe passasse pela cabeça, não dá para acreditar que ele pudesse fazer nada nessa direção na Globo.
E isso mostra um outro lado nesta discussão: o quanto, a despeito de eventualmente um bom salário, é inóspita a Globo para cartunistas como Caruso.
Você não pode contrariar a visão da casa, e isso é uma tragédia para artistas.
Compare hoje Caruso com Latuff, por exemplo. Caruso parece ter 1 000 anos. Latuff captou o zeitgeist, o espírito do tempo – algo que é o oposto do que se vê nas arquirreacionárias Organizações Globo.
Caruso já foi admirado, sobretudo nos anos 1980(* - leia 'Do AMgóes', abaixo) . Hoje é abominado por muita gente. Pode a qualquer momento ser vítima de esculachos.
Ele pode fazer algumas coisas para lidar com as charges de alguns meses atrás, como atribuí-las às circunstâncias.
Só não pode apagá-las.
Sêneca escreveu que, ao lembrar certas coisas que dissera, tinha inveja dos mudos. Talvez Caruso inveje, em algum momento, os que não sabem desenhar.
(*) Do AMgóes - Por volta de 1984/1985, em Maceió, o camarada Enio Lins, jornalista e chargista de primeiríssima água, bateu à minha porta para 'requisitar' um quadro que me fora presenteado por colega do Banco do Brasil: emoldurada, uma página do célebre e saudoso 'caderno B' do Jornal do Brasil, com charge de Karl Marx e o emblemático título de sua obra, DAS KAPITAL(O Capital). Cuidou Enio de levar o quadro a uma barraca da praia da Ponta Verde onde, entre outros circunstantes, lá estava o ilustre visitante (e seu amigo) Chico Caruso, para que, de próprio punho, após retirar cuidadosamente a moldura, autografasse aquela cópia de sua arte, 'offset' em preto e branco. Recebi-a de volta, com a dedicatória encimando o 'Chico' de sua assinatura: "Ao Antônio Manoel, para que cuide de seu capital." Irmão(gêmeo) do Paulo Caruso, também renomado cartunista, Chico, entre outros 'cobrões' àquela época, era o dono do traço irreverente que ajudava a minorar nossas tensões cotidianas, numa quadra de ocaso apodrecido do regime militar. Agora, há pelo menos duas décadas no Globo, com animações eventualmente exibidas no 'Jornal da Globo', Chico (que 'ainda' prefere produzir na boa e velha prancheta a fazê-lo direto no computador), face às idas e vindas das injunções cotidianas do 'capital'(matéria-prima de nossa trivial subsistência), nem sempre remunerado à altura da justeza preconizada na 'mais-valia' pugnada pelo sempre revisitado pensador, acaso teria 'vendido a alma' como subsídio ao contundente achincalhe institucional da 'imprensa golpista'? Independentemente de sua (celebrada) liberdade de criação, bem assim das rusgas provocadas por condimentos partidários e/ou ideológicos, tenho para mim, salvo melhor juízo, que o 'Chico antigo', do tempo do JB, 'escancarava geral', diverso da realidade hoje em dia, em que ao seu lápis só é permitido espinafrar o PT e aliados, poupando da execração, para nossas receptivas gargalhadas, os senhores da 'privataria tucana' e muito menos, por dolorosamente óbvio, os já delatados sonegadores 'globais', isto é, do (hierárquico) andar acima, na rua irineu Marinho, centro do Rio. Sem falar na sequência, que renderia 'ibope' recorde por impagavelmente hilária, sobre a recente declaração de seus bilionários patrões, 'renegando' o golpe de 1964(que eles entronizaram como 'redentora revolução' e em cujas tetas impunemente se fartaram). Se materializada essa quimera, estaríamos nos desmontando com inflacionados frouxos de risos aos borbotões.Mas o Chico Caruso 'daqueles tempos', a exemplo de Minas chorada nos versos de Drumond, 'não há mais...'
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