A desigualdade nos EUA
Aumento da disparidade de renda fez mais que a recessão para deprimir os ganhos da classe média
Paul Krugman(*)
Demorou um tempo incrivelmente longo, mas a desigualdade finalmente está surgindo como uma questão unificadora significativa para os progressistas nos Estados Unidos – incluindo o presidente. E também há, inevitavelmente, uma reação, ou na verdade algumas reações.
Uma delas vem de grupos como a organização Terceira Via. Josh Marshall, editor de Talking Points Memo, caracterizou essa posição em um artigo recente: “Ela capta muito do que se trata a ‘Terceira Via’: uma espécie de retrocesso fossilizado a um período do fim do século XX em que havia um mercado para grupos que tentavam puxar os democratas ‘de volta para o centro e para longe do extremismo ideológico’, em uma era em que os democratas são o partido, razoavelmente, não ideológico e têm um histórico bastante decente de ganhar eleições nas quais a maioria das pessoas vota”.
Mas também há uma reação intelectual, com pessoas como o colunista Ezra Klein do Washington Post afirmando que a desigualdade, embora seja uma questão importante, não pode ser descrita como “o desafio definidor de nosso tempo”. Isso, por sua vez, enfurece outros comentaristas.
Bem, eu não estou furioso, mas argumentaria que Klein entendeu errado.
A tese de que a desigualdade é um desafio importante e realmente definidor – e algo que deveria estar no centro das preo-
cupações progressistas – repousa em diversos pilares. Vistas juntas, as razões para se concentrar na desigualdade são extremamente convincentes, mesmo que você seja cético sobre determinados argumentos.
Deixe-me defender quatro pontos.
Primeiro, em puros termos quantitativos, o aumento da desigualdade é o que o vice-presidente Joe Biden chamaria de Grande Alguma Coisa. Os dados referentes à distribuição de renda mostram que a parcela dos 90% na camada inferior de renda, excluindo ganhos de capital, caiu de 54,7%, em 2000, para 50,4%, em 2012. Isso significa que a renda dos 90% na camada inferior é cerca de 8% menor do que teria sido se a desigualdade tivesse se mantido estável. Enquanto isso, as estimativas da lacuna
de produção – à medida que nossa economia está operando abaixo da capacidade – geralmente são inferiores a 6%. Assim, em puros termos numéricos, o aumento da desigualdade fez mais que a recessão para deprimir as rendas da classe média.
Alguém poderia argumentar que os danos causados pelo desemprego são maiores que a simples perda de renda, e eu concordaria. Mas é difícil olhar para esse tipo de cálculo e relegar a desigualdade a uma questão secundária.
Em segundo lugar, existe uma tese razoável para se atribuir pelo menos parcialmente a culpa pela crise econômica ao aumento da desigualdade. A melhor história envolve algo como isso: havia uma poupança elevada do 1% da população, com a demanda sustentada apenas pelo rápido aumento da dívida mais abaixo na escala – e, como esse empréstimo era conduzido parcialmente pela desigualdade, levou a uma cascata de gastos e assim por diante. É um caso dramático? Não – mas é sério, e reforça o resto do argumento.
Em terceiro, existe o aspecto da economia política, em que se pode argumentar que os fracassos políticos, tanto antes como, talvez de modo ainda mais crucial, depois da crise, foram distorcidos pelo aumento da desigualdade e o correspondente aumento do poder político do 1%. Antes da crise, havia um consenso da elite a favor da desregulamentação e da financialização que nunca foi justificado por evidências, mas se alinhava estreitamente aos interesses de uma pequena e muito rica minoria. Depois da crise, houve o súbito afastamento da geração de empregos para a obsessão pelo déficit; pesquisas sugerem que isso não era absolutamente o que o eleitor médio queria, mas que refletia as prioridades dos ricos. E a insistência na importância de cortar benefícios é avassaladoramente uma coisa do 1%.
Finalmente, e muito ligada a isso, está a questão do que os grupos de pensadores progressistas deveriam pesquisar. Klein sugeriu recentemente que “como combater o desemprego” deveria ser um tópico mais central que “como reduzir a desigualdade”. Mas há aquela coisa: sabemos como combater o desemprego – não perfeitamente, mas a boa e velha macroeconomia básica funcionou muito bem desde 2008. Não há mistério na economia de nossa lenta recuperação – é isso que o acontece quando endurecemos a política fiscal, apesar da desalavancagem privada, e a política monetária é restrita pelo limite inferior a zero. A questão é por que nosso sistema político ignorou tudo o que a macroeconomia aprendeu, e a resposta para essa pergunta, como já sugeri, tem muito a ver com a desigualdade.
(*) Paul Krugman, 61 anos, econ omista norte-americano da linha 'keynesiana', prêmio Nobel de Economia em 2008.
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