Leão XIII, Pio XI, João XXIII, Paulo VI, Francisco... e a elegia vaticana
da 'loucura pontifícia
Do AMGóes - Valho-me do poema postado pelo Roberto Amaral, no Facebook, da lavra do sempre pranteado Dom Helder Câmara, para lembrar a correlação entre os pontífices católicos contemporâneos que explicitaram efetiva sensibilidade social, consentânea com a conjuntura das relações humanas, vigente em suas respectivas épocas.
E vamos aos Papas realmente integrados ao complicado
contexto das relações humanas no mundo contemporâneo...
Conhecido com o 'papa das encíclicas' e notabilizado pela RERUM NOVARUM '('Das Coisas Novas'), em 1893, LEÃO XIII(1878-1903) suscitou a 'esquerda católica'(reclusa no armário de seus medos eclesiais à condenação por 'heresia'), na conturbada segunda metade do século XIX, que se via, no espelho de sua consciência, como 'movimento do socialismo cristão', no rescaldo da 'Comuna de Paris' e dos embrionários conceitos diversificadores das manifestações culturais e artísticas.
Sem dúvida, o surpreendente ineditismo do documento papal caracterizou o contraponto da Igreja de Roma aos conceitos pugnados por Marx e Engels em 'O Capital', apaixonante debate teórico sobre a nova realidade socioeconômica gestada pela 'Revolução Industrial'. Grosso modo, era o 'peixe' a ser (re)condimentado na 'bacia das almas', sutil reforma de premissas secularmente ungidas na seara dogmática da instituição. Com efeito, expressiva mudança de rumo para quem pretendera impor draconianamente, em quase um milênio da 'idade das trevas', as regras de vida(e morte) do humanidade.
Sucessor de Bento XVI, o Papa PIO XI(1922-1937) rememorou a 'Rerum Novarum', nos 40 anos da inovadora encíclica de Leão XIII, com sua 'Quadragesimo Anno', de 1932, reiterando a urgência de reformas sociais destinadas ao primado dos indivíduos sobre a histórica hegemonia do Capital, abjurando liminarmente, todavia, alternativas 'socialistas', como a determinante da Revolução russa que erradicara a dinastia czarista por trás dos Montes Urais.
Conquanto respeitável exortação, sua defesa consistia em previsível saída à luz de assertivas debatidas no Sacro Colégio Cardinalício, sob óbvios fundamentos católicos de um 'equilibrismo(ou sofisma?) reformista', objetado um padrão, depreendamos, 'revolucionário', de radical 'virada de mesa', como pugnado por pensadores à 'esquerda' da ordem sociopolítica e econômica do planeta.
Sua escolha no conclave proveniente da morte de Pio XII seria uma espécie de 'mandato-tampão' destinado a dissipar querelas subterrâneas, com velada(porém intencional) 'meia-sola' urdida nos bastidores, por estressadas eminências nos corredores da Santa Sé, em meio à sucessão do 'ultraconservador' Eugenio Pacelli. Sutil objetivo: minimizar, com um paliativo quase octogenário, tido por carismático e bonachão, crescente clamor e latente ressentimento nas potências vencedoras da Grande Guerra, face ao frustrante e leniente silêncio do Sumo Pontífice, que sonegara o emprego da própria ‘autoridade moral’ frente ás atrocidades perpetradas pelos nazistas.
Na consolidação política do regime nazista, o chanceler Adolf Hitler buscou apoio, em 1933, do Partido do Centro Católico no ‘Reichtag’(parlamento), através de gestões destinadas a eliminar históricas discriminações na Alemanha, de maioria protestante ,aos sacerdotes e leigos seguidores de Roma, iniciadas por Otto von Bismarck, ainda no século XIX. Assim, despachou para o Vaticano seu vice-chanceler(católico praticante), com a oferta de uma ‘concordata’ que garantia ampla liberalidade a partir de regiões germânicas predominantemente católicas (Baviera, Renânia e Vestfália à frente). Embora pessoalmente incrédulo quanto à eficácia do acordo, Pio XI foi convencido por seu secretário de Estado, cardeal Pacelli, a autorizá-lo.
Negociando pessoalmente, ato contínuo, a adesão das instituições protestantes locais, retomando os ‘ruídos’ multisseculares da reforma de Lutero, Hitler criou, na prática, uma espécie de ‘Igreja nacional do Reich’, atropelando solenemente a ‘Reichskonkordat’ com Roma. A dissolução de entidades católicas e a onda antissemita na Alemanha provocaram a ira do Papa, revelada na encíclica ‘Mit brennender Sorge’(‘Com profunda preocupação’). Impressa em segredo, a mensagem papal foi distribuída nas dioceses alemãs, no Domingo de Ramos de 1937, condenando ‘o neopaganismo(?) da ideologia nazista, notadamente a teoria ariana da superidade racial(...). Hitler reagiu violentamente através da Gestapo, incluindo os católicos no processo de perseguição aos potenciais ‘inimigos do Reich’. Nessa emergência, parte do clero alemão entregou os pontos. Entretanto, milhares de religiosos insurgentes acabaram ‘expurgados’ nos campos de concentração.
A morte de Pio XI, ocorrida em fevereiro de 1939, coincidentemente após pronunciar discurso, diante de todos os bispos italianos, condenando o estado fascista italiano pelo rompimento intempestivo do Tratado de Latrão (que garantia a soberania e extraterritorialidade do Vaticano e demais edificações católicas no perímetro urbano de Roma), conquanto oficialmente ‘por infarto agudo do miocárdio’, ainda gera controvérsias, aduzindo-a a um homicídio, negado peremptoriamente por ‘vaticanistas’.
Memorial subtraído de registros pessoais do cardeal francês Eugène Tisserant(1884-1972), primeiro à esquerda do painel acima, dado à publicidade logo após sua morte, dá conta de que Pio XI fora envenenado pelo próprio médico particular Francesco Petacci, pai da amante de Mussolini, Clara Petacci, por pressão do próprio ‘duce’ que temia ser ‘excomungado’, em decorrência do termo unilateral que ele mesmo subscrevera em 1929.
Foram milhões de judeus(maioria), comunistas, ciganos, negros , clérigos católicos e 'testemunhas de Jeová', sumariamente eliminados em 'campos de concentração' como Auschwitz, Treblinka, Sibobór, Varsóvia, Majdanek, Chelmno e Belzec(Polônia), Josenovac(Croácia), Maly Trostenets(Bielorússia) e Lewów(Ucrânia), situados em países de majoritária tradição católica. Arcebispo, Eugenio Pacelli fora 'núncio apostólico (embaixador) do Vaticano em Berlim, nos primeiros anos do Terceiro Reich, tido como frequente interlocutor do Füher.
(Para saber mais sobre o tema, CLIQUE no 'link' abaixo: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/papa_pacelli.htm
Malgrado os ataques de organizações católicas tradicionalistas, viscerais defensoras da pompa dos altares e do acúmulo de poder material, que o acusavam como 'radical esquerdista' e herege modernista, por convocar o Concílio Vaticano II(sob cerrada oposição de seu conservador secretário de Estado Alfredo Otavianni, remanescente do papado anterior,e estimulando a liberdade religiosa e o ecumenismo, João XXIII surpreendeu o mundo.
No curto pontificado de 5 anos, assumiu a opção preferencial pelos pobres, explicitada na encíclica MATER ET MAGISTRA(Mãe e Mestra), de 1961, destinada a adequar a Doutrina Social da Igreja aos 'sinais do novo tempo, concitando os países ricos a ajudar os carentes; através da PACEM IN TERRIS(Paz na Terra), em 1963, poucos meses antes de sua morte em pleno Concílio, promoveu profunda reflexão sobre a dignidade, os deveres e os direitos humanos, considerados fundamentos indispensáveis à paz mundial.
Na América Latina, o notável confronto ideológico entre ‘conservadores’ e ‘progressistas' do clero católico, cujo epicentro ocorrido em Medellín-Colômbia(1968), foi reverberado em Puebla-México(1979), gestou a ‘Teologia da Libertação’(ou ‘Cristianismo para a Libertação), cujas lideranças, em suas ‘Comunidades Eclesiais de Base’, foram afinal silenciadas por João Paulo II, através de seu inquisidor-mor do Santo Ofício, cardeal Ratzinger, depois Bento XVI, recém- resignatário e recolhido a súbito ostracismo.
PAULO VI(Giovanni Batista Montini), sucessor de João XXIII, deu sequência ao Concílio Ecumênico Vaticano II. Ao confirmar a inserção da Igreja no mundo contemporâneo, preconizada pelo papa Roncalli, publicou em 1967 a encíclica POPULORUM PROGRESSIO(Do Progresso dos Povos), de cujo longo texto elenquei três tópicos, inerentes à candente questão da solidariedade humana:
“Os povos da fome dirigem-se hoje, de modo dramático, aos povos da opulência. A Igreja estremece perante esse grito de angústia e convida cada um a responder com amor ao apelo de seu irmão.”
“Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos.”
“Economia e tecnologia não têm sentido, senão em função do homem, ao qual devem servir.”
O argentino Jorge Mário Bergoglio, PAPA FRANCISCO, começa a derrubar convenções dogmáticas, destituindo homeopaticamente bastiões de intolerância que ainda resistem(internamente) ao processo dialético da realidade humana em nosso derredor.
No aceno aos teólogos da 'Teoria da Libertação', conclamando o retorno das 'Comunidades Eclesiais de Base', o pontífice católico preconiza que sua Igreja construa pontes de concreta reconciliação, além da farisaica retórica das boas intenções, com suas ladainhas de proselitismo repetidas à exaustão, distantes dos publicanos desconectados do mais tênue fio de esperança, relativamente ao dia seguinte de suas vidas sem perspectiva.
Derrubando muros impeditivos de entendimento entre tantos, iguais em suas diferenças, chegaremos à reveladora descoberta do Espírito solidário e fraterno que se esconde em cada um de nós.
(postado por Antônio Manoel Góes, em 14/jan/2014)
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