A sentença que
libertou
Pizzolato condena a
Justiça brasileira
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J. Carlos de Assis(*)
A sentença que libertou Henrique Pizzolato na Itália condenou no mesmo movimento todo o processo pelo qual os réus do chamado “mensalão” foram condenados no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal. Não convence a justificativa supostamente alegada pelo tribunal italiano de que as penitenciárias no Brasil apresentam condições de vida subumanas. Também não convence a cobertura que o ministro Marco Aurélio deu a essa justificativa, alegando, também ele, as péssimas condições prisionais brasileiras. Não somos idiotas. A verdadeira justificativa para a libertação de Pizzolato é que não havia provas para condená-lo no Brasil.
Um protocolo convencional entre os órgãos de Justiça italiano e brasileiro diz que não se pode julgar, na Itália, o que foi julgado no Brasil, em termos substantivos. Mas existe, também, entre a Justiça italiana e a brasileira uma controvérsia pendente sobre o caso rumoroso de Cesare Battisti, condenado à revelia por assassinato na Itália na fase da guerrilha urbana, mas cuja extradição o Brasil recusou por atender a suas alegações de inocência e lhe dando o status de refugiado político. Tudo isso poderia jogar a favor de Pizzolato, na Itália, como efeito de uma espécie de retaliação. Entretanto, a Justiça italiana deu ao réu a oportunidade de defender-se, e ele provavelmente falou muito mais do que criticar o sistema prisional brasileiro.
De fato, quando foi libertado, Pizzolato não se referiu a 'condições carcerárias brasileiras'. Ao contrário, perante várias câmaras de televisão, disse simplesmente que é inocente das acusações que lhe foram feitas no Brasil. Milhares de páginas haviam sido enviadas à Justiça brasileira pelo Banco do Brasil para justificar as operações que conduziu, provando cabalmente sua inocência. Não há dinheiro do Banco do Brasil no esquema do chamado “mensalão”. Sua elevação à condição de réu atendeu essencialmente ao propósito do procurador da República de construir uma cadeia de relações na imaginária narrativa do que teria sido o crime. Joaquim Barbosa deu cobertura raivosa a essa narrativa, e a maioria dos demais juízos, intimidados pela fúria do relator do caso, o seguiu(Do AMgóes - vinte auditores vasculharam, no curso de seis meses, a gestão de Henrique Pizzolato no 'Marketing' do BB e produziram relatório de 22.000 páginas, sem uma única menção de irregularidade sobre as contas auditadas. Incluído no processo do 'Mensalão', o ministro-relator Joaquim Barbosa simplesmente o ignorou, sequenciando a ópera-bufa que regeu no STF, sob os holofotes da mídia golpista).
Talvez, pela autoridade moral que o Supremo representa para grande parte da população seja difícil admitir que a condenação de tantos inocentes, em julgamento televisivo, possa ter ocorrido sem reação da mídia e do público. Acontece que a mídia brasileira comporta-se como meio de acusação, sem qualquer sentido de imparcialidade. Com episódicas exceções, como foi o caso da “Folha” em relação às acusações contra Dirceu (verhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/09/1345627-dirceu-foi-condenado-sem-provas-diz-ives-gandra.shtml ), ela toma o partido do acusador pois isso provoca maior sensação. O público, obviamente, acaba sendo tangido pela mídia como gado em razão das condições nebulosas que ela cria ignorando o secular princípio jurídico do in dubio pro reo. Do ponto de vista jurídico, recuamos a um estado anterior ao século XVIII, quando o marquês de Beccaria pontificou que não há pena sem crime, nem crime sem cominação(imposição,prescrição) legal.
A condenação de Dirceu, mais ainda do que a de Pizzolato, foi um estupro jurídico, como atesta a entrevista acima de um jurista insuspeito de simpatia com o PT, Yves Gandra. Se levado a um tribunal italiano, o caso Dirceu teria idêntico desfecho ao de Pizzolato: para salvar a cara da Justiça brasileira, ele diria que libertaria Dirceu por causa das péssimas condições carcerárias no Brasil. Como isso é uma meia verdade, livra a cara de uma sentença mais inconveniente, que entrasse no mérito da condenação brasileira. Entretanto, alguém argumentou muito bem que as condições da Papuda são razoáveis. Dirceu e Genoíno passaram por lá sem apresentar grandes reclamações.
Pizzolato é o testemunho vivo de que o STF se tornou uma corte exclusivamente política, capaz de condenar pessoas sem prova apenas para benefício de uma corrente partidária. Isso tem ocorrido à maioria dos sistemas judiciais na História, porém nunca fora de um ambiente revolucionário. O STF tentou extorquir o mandato político do PT pela via pacífica dos pronunciamentos judiciais, com evidente parcialidade, os quais se repetiram agora, nas vésperas das eleições, mediante o conluio de um juiz federal do Paraná com a revista “Veja”. (A propósito, querem tirar o juiz do processo; é um erro. Trata-se de um jogo da “Veja” para distrair a opinião pública da questão central, que é a validade dos depoimentos “premiados”.)
No célebre caso Dreyfus, um grande escritor, Zola, representou a consciência moral da França ao escrever “J´accuse”, um livro demolidor contra o sistema judicial francês que condenou um oficial do Exército sem prova por suposta traição. Também nesse caso, a opinião pública do país havia sido envenenada no limite contra o acusado inocente, ademais judeu. Aqui, exceto por um pequeno grupo de jornalistas e juristas – Luis Nassif, Paulo Henrique Amorim, Jânio de Freitas, Fábio Comparato, e eu próprio (não me lembro de todos) -, a esmagadora maioria da mídia tomou o partido dos 'Torquemadas', na maior demonstração de uma imprensa doente que ignora suas raízes imparciais e toma o partido do mais forte.
Felizmente para testemunho da história, Pizzolato tem dupla nacionalidade e ganhou a estrada antes que o poluído sistema judiciário brasileiro o apanhasse. Não fosse sua inteligente esperteza, presumindo o que lhe teria acontecido no Brasil em termos de destruição de sua reputação e de parte de sua vida, não teríamos a singular oportunidade de ver a Justiça italiana, berço romano da nossa, passar uma descompostura pública no STF. Há dois mil anos, um inocente foi levado à presença de Pilatos, o procurador romano na Galiléia. “Ecce homo”, lhe disseram. “Eu não vejo culpa nesse homem”, reagiu Pilatos. O inocente não teve sorte porque Pilatos, em lugar de decidir pela imediata soltura, mandou que fosse cumprida sentença sabidamente injusta. Os tribunais romanos, desde então, melhoraram muito.
(*) J. Carlos de Assis é economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional na UEPB.
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