segunda-feira, 17 de novembro de 2014


Sem mudança, delação 


será apenas o império


da chantagem

Fernando Brito                             
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Responda-me de pronto o caríssimo leitor e a querida leitora: uma oposição e uma imprensa (o que, no Brasil, nos es lo mismo, pero es igual) que diz querer extirpar a propinagem da administração pública e da política pode, em meio ao vendaval provocado pela Operação Lava-Jato, pretender eleger, como terceiro na linha de sucessão presidencial um sujeito como Eduardo Cunha, cuja história tenebrosa vem dos tempos de PC Farias?
Esta pergunta, bem simples, define o divisor de águas que pode transformar esta investigação em um processo de saneamento ou de apodrecimento da democracia brasileira.
Saneamento, se for para apurar e eliminar a promiscuidade das relações entre o Estado e seus contratados.
Apodrecimento, se for para atingir, sejam culpados os inocentes, apenas os “escolhidos” para personificá-las, entregando o mundo da política aos preservados, blindados ou esquecidos da sanha moralizadora.
Não é um problemas de leis, que temos em profusão.
A que rege as licitações – dura e complexa ao ponto de quase “engessar” os administradores foi, curiosamente, editada logo após o impeachment de Fernando Collor –  iria, em tese, abolir os favorecimentos. Os mais velhos hão de se lembrar.
Não se alterou, porém, a “mãe de todas as propinas”, sem a qual a corrupção reduz-se à desonestidade pessoal que, ainda que com temeridade, pode ocorrer a qualquer um, em qualquer parte do mundo, mas não ao sistema.
Essa é a necessidade de financiamento privado do exercício do ponto de partida da própria democracia: o voto.
Desde a doação de manilhas ao marketing nacional, ter votos, no Brasil, passou a depender, quase que para todos, de ter dinheiro para obtê-los.
Isso não é um problema menor, derivado da formação moral ou ética de cada um.
É uma questão estrutural, que deforma os vocacionados para a atividade política e cria espaço não apenas para uma corja de “operadores” como agora se revela – alguns, como o tal Alberto Youssef, “velhos de guerra” nestas falcatruas – mas para que eles próprios, se um dia os tiveram, percam todos aqueles padrões.
Porque o exercício da democracia, no Brasil, no que tange a eleições, passou a se reger quase que exclusivamente pela capacidade de “comprar” votos, vendendo-se ao poder econômico.
É nisso que consiste um sistema eleitoral financiado por empresas, se despido da eventualíssima generosidade cívica de alguns deles ou daquelas situações em que o político tem tal estatura que todos sabem que, com ele, o limite do diálogo é apenas o do institucional.
O mais importante passo para esta “limpeza”, entretanto, está há nove meses parado sem que isso cause escândalo ou comoção.
O fim do financiamento privado das eleições.
Pode-se alegar que a propina não é, propriamente, o que está em causa nesta decisão, uma vez que se refere às doações legais, registradas e contabilizadas.
Não é assim.
Em primeiro lugar, é obvio que mesmo muitas destas são pagamento ou esperança de contratos, lobbies e favorecimentos.
Depois, porque a abolição das campanhas milionárias resultante de “doações privadas”  – aqui no Rio, o filho do ex-governador Sérgio Cabral e o próprio Eduardo Cunha registraram gentilezas de mais de R$ 6 milhões para suas campanhas – evidencia publicamente qualquer campanha milionária como suspeita destas maracutaias.
Mas há, de fato, alguém interessado em olhar para isso?
Ou vamos entrar, agora, no império da “delação premiada”, onde cada acusado irá escapar à lei acusando outros para, numa teia sem fim, chegar-se ao que se pretende, afinal, sobrepor-se o dinheiro ou a acusação de buscá-lo, em algo que se sobreponha ao voto e à vontade popular.
Numa  sociedade em que se cultua a supremacia do “direito de ganhar” sobre o dever de servir isso é, convenhamos, mais a regra que a exceção, ao ponto de vermos um desembargador, presidente de um tribunal de Justiça, queixar-se na TV de que “não dá para ir toda hora a Miami comprar ternos”.
Talvez esteja aí a essência do que deve ser percebido quando os “bem-nascidos” e os “do mérito” gritem tanto contra a corrupção que aparece e a que segue, por séculos, como regra de funcionamento da sociedade brasileira.
Ou corrupção não é o pegar para si, para seu conforto, seus privilégios  e seu  patrimônio, parte de algo que pertence a todos?

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